Mudar o mundo

PorAntónia Môsso,2 set 2022 8:21

Não há nada mais falso do que afirmar que não se pode mudar o mundo. Umas vezes de forma negativa, outras positivas, os seres humanos alteraram sempre o mundo e o estado das coisas graças à sua vontade de agir.

Não há nada mais desenxabido do que consolar alguém descontente, dizendo-lhe que é melhor ter calma porque essa pessoa não vai mudar o mundo.

Com a mesma naturalidade de um espirro, aceitamos, digerimos e repassamos essa ideia: você não pode mudar o mundo. Não há nada a fazer porque você não pode mudar o mundo. Acreditar numa tolice dessas é o mesmo que negar a existência de figuras como Amílcar Cabral, Martin Luther King, Emily Davison e muitas outras que compõem a longa e inacabável lista de seres humanos que fazendo diferente (disseram não), marcaram a diferença.

Dizer que não se pode mudar o mundo equivale a subvalorizar a existência, obra e sacrifício de pessoas que se entregaram a causas justas e de interesse coletivo. E, por assim ser, deixaram como património campos de liberdade, justiça, igualdade, independência. Colhemos hoje, sem esforço algum, as flores dessas ações plantadas em terreno hostil de repressão e de violência tanto psicológica como física. Vivemos com mais dignidade. Usufruímos de direitos outrora impensáveis e utópicos. Tudo isso para no final, chegarmos à estéril conclusão que nós não podemos mudar a realidade.

Não aprendemos nada. E fazemos pior. Deixamos aos nossos filhos um já amputado legado. De impotência, desesperança, conformismo e frustração. De não interferir. Não participar. Não contribuir para a vida. Poucos atrever-se-ão a transformar a realidade visto que, à partida, já estão mentalizados para o fracasso. Para o não vale a pena. “Não, não és tu que vais mudar o mundo. Primeiro porque não tens essa capacidade. Segundo porque não te quero ver armado em carapau de corrida criando problemas. Porque tens de ser tu e não outro?”

Em 1955, numa América marcada pelas desigualdades raciais, Rosa Parks, uma mulher negra, sentada num banco do autocarro, ouviu o condutor ordenar-lhe que se levantasse para dar lugar a um passageiro branco. A mulher proferiu apenas uma só palavra, porém, desconcertante: Não! Desafiando a lei da época, foi a julgamento acusada de conduta desordeira. Um “não” que serviu de estopim para importantes protestos pelos direitos civis do Sec.XX, para além de merecer a mobilização de milhares de pessoas e associações que apoiaram o ato individual de coragem desta mulher.

Rosa Parks teria os poderes da mulher maravilha? Nada! Reza a história que era uma “mulher comum”, tinha na altura cerca de 40 anos, engomava roupas como profissão. E, depois de morrer aos 92 anos, era recordada como uma mulher afável, doce, tímida, envergonhada, humilde e de pequena estatura.

Rosa Parks, a heroína improvável, contribuiu para mudar o mundo. E não são poucos os episódios históricos ilustradores que mudar o mundo não é apenas tarefa de “almas grandes” como Gandhi, Madre Teresa ou Nelson Mandela, anuncia John-Paul Flintoff na sua obra “Como mudar o mundo”. Citando o autor, independentemente da nossa disposição, muitas vezes chegamos à conclusão de que mudar o mundo seria uma tarefa árdua, se não mesmo impossível. E, por isso, nem sequer nos damos ao trabalho de tentar.

O que é uma pena, porque contribuir ativamente para a mudança também nos beneficia enquanto indivíduos: descobrimos reservas mais profundas de empatia e oportunidades para sermos criativos e podermos cultivar o hábito de intrepidez. E mais: ao que tudo indica, mudar o mundo produz uma sensação duradoura de satisfação- não só quando “terminamos a tarefa”, como se isso fosse possível, mas a cada etapa da mesma.

O autor ao longo da obra vai desafiando os leitores a assumir condutas no sentido de transformar a realidade, embora enfatize que se não soubermos exatamente o que pretendemos melhorar, seremos incapazes de o fazer. Encontrando um objetivo, consegue-se ultrapassar qualquer coisa.

Obviamente, que não se pretende mudar o mundo (no seu sentido mais lato, globo terrestre), seria um projeto demasiadamente megalómano. Mas desencadear atitudes de mudança no trabalho, bairro, ilha ou país; cuidar do que nos rodeia, ou estender a mão a alguém em dificuldades, é igualmente, uma forma nobre de mudar o mundo. E, caso não se tiver disposição para tanto, o autoconhecimento e esforço para se transformar num ser humano melhor, pode ser um caminho plausível para mudar o mundo. Pequenos gestos pulsando esperança. O que interessa é ter fé no futuro.

Viktor Frankl, psiquiatra, prisioneiro de campos de concentração nazis, constatou que o prisioneiro que perdesse a fé no futuro, ficava condenado. O homem, segundo ele, não está totalmente condicionado e determinado; pelo contrário, tem capacidade para decidir se quer ceder às circunstâncias ou fazer-lhes frente. O homem não se limita a existir; decide sempre a forma como será a sua existência, o que fará no momento seguinte. Do mesmo modo, todos os seres humanos têm liberdade para mudar a qualquer instante…Uma das principais características da existência do homem é a sua capacidade para se elevar acima das [suas] circunstâncias e crescer para lá delas.

Um balde de água fria para os derrotistas. Medrosos. E preguiçosos. Que desejam ardentemente mudanças qualitativas no mundo sem se darem ao trabalho de deixar a sua impressão digital. Os outros que melhorem o mundo que apareço no final para colher os frutos!

Honestamente, por mais que me esforce, não encontro nenhuma utilidade em dizer que não se pode mudar o mundo. No entanto, é o que mais oiço desde que vi a luz do dia pela primeira vez. E, não consta que alguma vez essas pessoas tenham sequer tentado mudar alguma coisa.

Você não vai mudar o mundo. Desconheço o autor de tão aberrante ideia. Conhece a sua origem? Para mim, partiu de um andrógeno. Um louco varrido. Perigoso. Que um dia desgovernado da cabeça inventou, por pura vingança, a expressão com o intuito de apedrejar o futuro. A partir dali foi só repetir.

Antónia Môsso

Mindelo, 2/09/2022

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Autoria:Antónia Môsso,2 set 2022 8:21

Editado porAndre Amaral  em  2 set 2022 15:44

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