A distinção, segundo a instituição de ensino, marca os 20 anos da Uni Mindelo, para além de “eternizar o humanista, visionário, pedagogo e fundador da nacionalidade cabo-verdiana”.
Ao presidir à cerimónia, o presidente da República, José Maria Neves, sublinhou a transversalidade do pensamento de Cabral, com “fundamentos” que permitem orientar respostas para desafios actuais.
“Vivemos um mundo com poli-crises. Temos a crise ambiental, em Cabo Verde as secas são cada vez mais severas, temos os conflitos, as guerras, a pobreza, as desigualdades, os desafios que o continente africano ainda tem, vivendo um pouco à margem do que acontece no mundo. Lendo Cabral, não encontraremos as respostas para os desafios de hoje, mas pela profundidade da sua análise ajuda-nos a formular as questões que devem ser respondidas nos tempos de hoje. Basta ler as referências que faz à questão da seca em Cabo Verde e as medidas que devem ser tomadas, as sugestões em relação à administração nas zonas libertadas e as medidas que teriam que ser tomadas para melhorar a qualidade da prestação dos serviços, a insistência de Cabral no diálogo", apontou.
José Maria Neves, durante o seu discurso, recordou o legado de Cabral e o desejo da construção de “relações de cooperação sólidas” entre Cabo Verde e Portugal.
“Amílcar Cabral não confundiu o colonialismo português, o sistema colonial, com o povo português. Tinha grande afecto pelo povo, pela Língua Portuguesa e em vários momentos teria dito que deveríamos construir no pós-independência as mais sólidas relações com Portugal. Hoje falamos de cumplicidade e de parceria estratégica. Foi o sonho dele ver estes dois povos em paz, a dialogarem, e a construírem um futuro melhor para os povos de Cabo Verde, Guiné e Portugal”, indicou.
Na sua intervenção, o reitor da Universidade do Mindelo, Albertino Graça, percorreu a história e o legado de Cabral, destacando uma “personalidade de múltiplas facetas”.
“Neste singelo testemunho, pretendemos em breves traços reconhecer e iluminar a sua faceta de cientista, pensador e pedagogo, na abordagem de questões políticas e sociais, no quadro da sua participação no processo histórico pela emancipação dos povos oprimidos, em especial pela afirmação e reconhecimento das nações cabo-verdianas e guineenses”, afirmou.
Albertino Graça destacou o facto de ser a primeira vez que a academia nacional, através da UNI-Mindelo, outorga uma distinção do género a Amilcar Cabral.
Presente na cerimónia, o comandante Pedro Pires, presidente da Fundação Amílcar Cabral, “saudou” a iniciativa e reafirmou a importância da preservação do pensamento político de Cabral.
“O seu pensamento político e os seus importantes feitos políticos, diplomáticos e militares, são actualmente um símbolo sociopolítico de expressão universal. O símbolo de esperança para os povos e comunidades humanas, oprimidas e humilhadas, que atingiu a rara virtude de ultrapassar o seu espaço territorial, assim como de extrapolar o seu espaço temporal”, disse.
Na mesma linha, o presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que também marcou presença no evento, enalteceu o legado lendário de Amílcar Cabral.
“[Esta distinção] Poderia acontecer em qualquer parte do mundo, porque Amílcar Cabral foi, é e será de todo ele, tal como a paz, a liberdade, a igualdade, a fraternidade e o diálogo que o fizeram grande entre os grandes. Mas tinha de ser aqui no Mindelo, pela mão de uma universidade, por natureza universal e portadora dos seus valores. O seu doutoramento honoris causa é isso mesmo, gratidão, homenagem, proclamação de exemplo ao estudioso, ao cientista, ao teórico, ao prático e ao humanista”, referiu.
Portugal atribuiu grande colar da Ordem da Liberdade a Amílcar Cabral
O presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, condecorou Amílcar Cabral, a título póstumo, com o grande-colar da Ordem da Liberdade. Marcelo Rebelo de Sousa justificou a decisão com o “reconhecimento ao homem grande”.
“Já todos os meus antecessores haviam prestado por diversas vezes o tributo devido ao homem grande, condecorado chefes de Estado das pátrias independentes nascidas das lutas dos anos 60 e 70, mas faltava condecorar quem não chegou a chefe de Estado por uns meses, apesar de ter sido um pioneiro e de, entre os pioneiros, porventura, o mais reconhecido a nível universal, por aquilo que era, que simbolizava, simboliza hoje e simbolizará amanhã", disse.
O colar foi entregue ao comandante Pedro Pires que o deverá fazer chegar à família de Amílcar Cabral, em nome de Portugal.
A Universidade do Mindelo já outorgou o título honorífico de Doutor Honoris Causa ao professor português Adriano Moreira, o cientista político Onésimo Silveira, o ex-presidente da República de Cabo Verde, António Mascarenhas Monteiro, e ao cardeal Dom Arlindo Furtado. Esta foi a primeira vez que fez esta condecoração a título póstumo.