De olhos no céu

PorSara Almeida,8 abr 2023 8:16

Stargazing na Boa Vista/Agência TUI
Stargazing na Boa Vista/Agência TUI@https://www.boavistaofficial.com/

É um planeta? Uma estrela? Um satélite…? Olhar os céus e tentar saber o que esconde esse imenso (infinito?) universo é uma vontade ancestral da Humanidade. Nasceu daí uma das ciências também mais antigas, a Astronomia, cujo dia mundial se celebra a 8 de Abril. Em Cabo Verde, esta é uma ciência incipiente, onde falta quase tudo. Mas há algumas iniciativas em curso, que vão da academia ao turismo, para ver as estrelas no céu de Cabo Verde…

Toda a gente olha o céu. Há quem o faça só pelo espectáculo visual que oferece. Outros, somam a isso, alguma curiosidade face aos corpos celestes. Outros ainda, buscam conhecimento profundo sobre o que está para lá da atmosfera e fazem disso a sua área de estudo.

Em Cabo Verde não há estes últimos. Não há astrónomos. Há muitos que gostam da área e há alguns amadores, com maior ou menor grau de envolvimento, mas nada organizado ou sistematizado no olhar da astronomia enquanto ciência.

Na verdade, entre várias pessoas com quem falamos, da educação à ciência, nenhuma conhece sequer um clube de astronomia. Não há também qualquer disciplina, nos diferentes graus de ensino, que se dedique exclusivamente a essa ciência, nem, como referido, profissionais especializados na área.

Ivanilda Cabral, professora da Uni-CV, é, no entanto, um nome citado por muitos dos entrevistados. Coordenadora do Grupo Lusófono de Astronomia para o Desenvolvimento (PLOAD) em Cabo Verde, esta docente tem vindo a coordenar várias acções de promoção da Astronomia no país. E no meio dessas acções, tem posto professores, alunos e comunidades em geral a olhar o céu.

Constelações

É verdade, em Cabo Verde estamos numa fase embrionária, digamos assim. Mas o que estamos a fazer é tentar dar passos no sentido de que a Astronomia seja [uma ciência] mais conhecida em Cabo Verde. É essa a nossa ideia”, adianta Ivanilda Cabral, que é também Coordenadora do Grupo Disciplinar de Matemática e Estatística da Uni-CV.

O gosto pela Astronomia ganhou ainda nos seus tempos de estudante, na ilha da Madeira (Portugal), junto a professores dessa área específica.

Depois, mais tarde, já regressada a Cabo Verde e a leccionar, encontrou numa viagem a Portugal outras pessoas com a mesma vontade de promover a astronomia nos seus países. O PLOAD (do inglês, Portuguese Language – Office of Astronomy for Development), revelou-se o caminho para tal.

Ao longo dos anos, tinham já acontecido em Cabo Verde algumas iniciativas pontuais, quase sempre em parceria com entidades estrangeiras, nomeadamente os observatórios astronómicos de Portugal, que trouxeram um pouco dos conhecimentos de astronomia a Cabo Verde.

Contudo, o PLOAD trouxe novo ânimo e projectos. E maior acção terá sido a que ocorreu em Maio/Junho de 2018,sob o nome “Noites Estreladas em Cabo Verde – A Astronomia nas Ilhas da África Ocidental”.

Noites estreladas

O projecto foi “realizado pela Universidade de Cabo Verde, o Núcleo Interativo de Astronomia (NUCLIO, Portugal) e o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST, Brasil) e executado por uma equipa internacional de professores oriundos dos países da comunidade de língua portuguesa”, lia-se na altura na apresentação, na Uni-CV.

“Foi um dos grandes projectos em que conseguimos implementar em Cabo Verde. Conseguimos abarcar os professores, os estudantes e o público em geral”, recorda, hoje, Ivanilda Cabral.

A ideia tinha, primeiramente, sido submetida a concurso na UAI, enquadrado nos grandes projectos, venceu e pôde assim avançar.

Assim, decorreu em quatro ilhas (Santiago, Fogo, São Vicente e Santo Antão) e contemplou a formação de professores, oficinas com alunos e observações solares e nocturnas. No total abarcou cerca de 250 professores e 800 alunos, do ensino básico e pré-escolar, para além da sociedade em geral que aderiu às observações.

“A adesão foi fantástica”, congratula-se a docente, e veio mostrar que, de facto, observar o céu é algo que fascina as pessoas, em geral.

Para as observações, foram usados alguns telescópios que se encontravam em Cabo Verde e os próprios cientistas convidados do Brasil e Portugal trouxeram outros. E, dentro do projecto foi ainda possível trazer um grande telescópio, que o país não possui, e que para o público em geral foi a estrela das “noites estreladas”.

Na verdade, em termos de Astronomia “em Cabo Verde não temos paticamente nada. Estamos a tentar conquistar…”, observa Ivanilda Cabral.

Órbitas

Mais de cinquenta anos depois, o Homem vai regressar à Lua, como foi noticiado esta semana. Por cá, porém, pouco tem mudado ao longo dos anos. O país continua com essa escassez de equipamentos e materiais, como lamentado pela académica, o que é um entrave, inclusive, para que o sucesso do ensino de astronomia, nos diferentes níveis de escolaridade. Aliás, tendo em conta a aposta que o PLOAD em Cabo Verde faz na vertente da educação, o intuito é desenvolver projectos que possam garantir algum financiamento para a compra de materiais.

Esse material, apresenta a coordenadora nacional, irá permitir “junto com os professores conseguirmos leccionar da melhor forma possível os conteúdos”, que já estão incluídos no currículo escolar

Entretanto, a docente sublinha que, além das actividades previstas nos estabelecimentos de ensino, no âmbito dos projectos internos de Cabo Verde, há também sempre total abertura para que iniciativas que partam da própria escolas. “A escolas chamamos para desenvolvermos as actividades e nós estamos abertos”, reforça.

Poluição Luminosa

Mas há também várias actividades que são realizadas com e nos outros países da rede PLOAD, entre as quais jornadas e mesas redondas, que vão da questão da língua portuguesa na astronomia, às mulheres nesta ciência, passando por outros temas, em que Cabo Verde também participa.

Um exemplo de actividades em que participa, e promove internamente, é o projecto sobre poluição luminosa, um tipo de poluição gerada pelo excesso de luz artificial e que tem impactos vários, nomeadamente ao nível dos ecossistemas, saúde e observação astronómica.

“Conseguimos que os nossos alunos façam desenhos transmitindo ideias sobre a poluição luminosa. Esses desenhos foram a concurso e tivemos vencedores, cá dentro”.

A iniciativa permitiu ainda sensibilizar e conscientizar para a poluição luminosa, um mal que já afecta também o arquipélago, garante.

Arte e Astronomia

Ainda falando em projectos, foi recentemente lançado um outro projecto, online: “A Arte da Astronomia”. O projecto é da responsabilidade dos Coordenadores Nacionais de Divulgação da IAU (NOC), grupo que Ivanilda Cabral também integra, e será promovido em Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Portugal.

A ideia é explorar “os fascínios do Universo por meio das artes”. Assim, os estudantes dos países de Língua Portuguesa são convidados a submeter uma obra no site criado para o efeito (https://iaunocbrasil4.wixsite.com/a-arte-da-astronomia). Depois, será realizada uma exposição online para mostrar os trabalhos dos alunos.

Esta iniciativa, que visa “fortalecer as acções de divulgação da astronomia entre os estudantes e estimular a percepção das diferentes expressões artísticas de cada contexto”, deverá ser agora divulgada também junto às escolas.

Na verdade, seguindo as leis do universo, Cabo Verde, mesmo sem equipamentos e sem astrónomos, não está parado no que toca à Astronomia.

Vai tentando criar espaços, tempos e dimensões para a sua promoção e desenvolvimento. E até, quem sabe um dia, se crie um planetário. “Dava-nos bastante jeito. Vamos tentar uma parceria para conseguir…”, confessa Ivanilda Cabral.

De pés na terra e olhos no céu.

Galáxias

Entretanto, também aos longo dos anos têm havido algumas iniciativas de particulares, muitos dos quais estrangeiros, para monitorar o espaço em Cabo Verde. Houve inclusive projectos de instalação de telescópio de rádio em Santo Antão, por parte de um particular italiano, mas que não avançaram.

image

Ivanilda Cabral conhece algumas iniciativas, incluindo em Santo Antão, de projectos de astronomia. São iniciativas dispersas, promovidas em termos “amadores”, com “pessoas de fora”. O intuito é, de alguma forma, poder juntar sinergias para promover as Astronomia, avança. Em Santo Antão (que pelas características da ilha permite uma boa visualização das estrela), como referido, mas também no resto das ilhas.

“Estamos a tentar organizar-nos”, conta.

Ver o céu em Cabo Verde é também um produto turístico. A agência TUI na Boa Vista, por exemplo, promove excursões ao deserto de Viana. A noite de stargazing começa com um jantar típico cabo-verdiano, seguido de uma introdução sobre o que será observado nessa noite. Depois, junto com o guia vão para o deserto. Além de lhes serem mostrados e explicados os objectos reconhecíveis a olho nu, é feita a observação com recurso a telescópio, laser e tablet. O guia explica também como usar aplicativos de astronomia.

Estas são excursões que se realizam, por norma, duas vezes por semana, às vezes três, como nos conta a guia Sarah Poon.

A procura é bastante. A cada noite de excursão, uma média de 30 pessoas ruma ao deserto, onde são divididos em dois grupos. São quase sempre turistas, de diversas nacionalidades. Há também alguns emigrantes, nomeadamente da Holanda e, embora a excursão (que custa cerca de 60 euros) esteja aberta a quem a pretenda fazer, muito poucos nacionais a procuram.

“Dependendo da fase da lua, o tempo e o período do ano, planetas, estrelas e objectos do espaço profundo serão observados”, lê-se no descritivo.

Entretanto, há problemas de visibilidade que condicionam a visualização de estrelas em Cabo Verde. Mesmo fora das cidades e sua poluição luminosa, a neblina e bruma seca podem ser limitações ou mesmo impedimentos.

Assim, também nas excursões stargazing são tidas em conta, “Se virmos que a visibilidade é pouca, mudamos para outro dia”, conta a guia.

Estrelas na palma da mão

Não é mesma coisa, mas hoje em dia, tal como tudo na Terra, também o universo nos pode chegar via ecrã. Há cada vez mais aplicativos de astronomia que permitem ver os corpos celestes e conhecer mais sobre eles.

Um dos mais conhecidos é o Sky Map que é também um dos mais simples de usar. Esta app informa as posições dos astros num mapa e permite vários filtros. Por exemplo, usando a câmara do smarphone ou tablet pode ver apenas os planetas daquele pedaço de firmamento. Ou as estrelas. Ou outros astros que definir.

Outra app também conhecida, mas mais complicada é o Stellarium, que identifica estrelas, cometas, planetas, alguns satélites…

Sky View é também bastante conhecido e fácil de usar. E também ele permite ver planetas, constelações, etc., fazendo uso da realidade aumentada.

O Solar System Scope, que é tido como um dos mais completos, é uma espécie de enciclopédia com informação sobre os astros, que também permite acompanhar movimentos de rotação e translação.

Um outro, bastante completo, que é recomendado para fins educacionais, é Solar Walk Lite que funciona como um planetário 3D e oferece visualização inclusive da Estação Espacial Internacional.

Além destes, há um sem fim de outros aplicativos que vieram tornar a astronomia muito mais acessível a qualquer pessoa. E permitem viajar pelas estrelas, em formato virtual…

________________________________________________________

PLOAD

O PLOAD (do inglês, Portuguese Language – Office of Astronomy for Development) foi criado em Agosto de 2015 pelo Gabinete de Astronomia para o Desenvolvimento da União Astronómica Internacional (UAI), com o objectivo de implementar o seu Plano Estratégico junto aos países lusófonos, o PLOAD é coordenado pelo Núcleo Interactivo de Astronomia (NUCLIO, Portugal) em parceria com o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA, Portugal). Neste momento integra, além de Portugal, Cabo Verde, Brasil, São Tomé e Príncipe e Moçambique.

Ivanilda Cabral é a coordenadora em Cabo Verde, estando também designado um representante do Ministério da Educação, Adilson Semedo.

Desde a sua criação, várias actividades foram desenvolvidas nos diferentes países, sempre com o foco na promoção do referido plano estratégico, que, como se explica a própria página do Gabinete, é um plano que evidencia o papel da Astronomia e da exploração do Universo “no desenvolvimento e na capacitação científica e tecnológica das nações, mostrando como se tornou uma porta de entrada única para a tecnologia, ciência e cultura, três características fundamentais para o desenvolvimento”.

Trazer e dar relevo à Língua Portuguesa no panorama internacional da Astronomia, bem como estabelecer uma rede que permita promover a Astronomia nos países lusófonos e exponenciar os benefícios que desta ciência para o desenvolvimento são, pois, os objectivos. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1114 de 5 de Abril de 2023.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Sara Almeida,8 abr 2023 8:16

Editado porFretson Rocha  em  8 abr 2023 8:46

pub.

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.