No mês em que se celebra o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, o Expresso das Ilhas quis ouvir os jornalistas recém-formados para saber qual a leitura que fazem do jornalismo em Cabo Verde e até que ponto o país proporciona liberdade no exercício da profissão.
Liberdade de imprensa em Cabo Verde
Em conversa com a jornalista Rosana Tavares, percebe-se que uma das suas preocupações se prende com a escolha dos temas a serem explorados. Na visão desta profissional, os órgãos de comunicação social acentuam muito a agenda política do país, o que acaba por discriminar negativamente os trabalhos referentes a outros assuntos como a pauta social.
“Na minha opinião, a liberdade de imprensa está um pouco condicionada. Os jornalistas vão de acordo com a linha editorial dos órgãos de comunicação, na qual prevalece a agenda política deixando para trás outros assuntos de interesse para a sociedade. Acompanhar a realidade cabo-verdiana de uma forma mais aprofundada deveria ser mais explorado”, opinou.
Por sua vez, Teresa Pinto, é uma outra profissional do jornalismo que defende que a liberdade de imprensa em Cabo Verde é condicionada. Esta jornalista sublinha que do ponto de vista legislativo, o país tem um quadro completo, assegurando a liberdade, com leis que são favoráveis ao exercício do jornalismo.
“No entanto, na prática, há ainda alguns constrangimentos que impedem o exercício de um jornalismo livre. Destaco, por exemplo, a falta de independência financeira dos órgãos de comunicação social. Os privados têm tido dificuldades na questão da sustentabilidade e, quando é assim, torna-se difícil investigar e divulgar informações com rigor, equilíbrio e segurança. Quanto aos órgãos públicos, o Estado é o “dono” da empresa e, por isso, de uma forma ou de outra, acaba por influenciar os temas a serem investigados e divulgados”, opinou.
Censura
Rosana Tavares considera que existe censura no jornalismo nacional. Profissional recém-formada, esta jovem acredita que há uma maior pressão quando se trata de jovens profissionais no mercado. Da sua experiência como jornalista, Rosana Tavares conta que o recém-formado não tem voz e, muitas vezes, por medo ou falta de informação, acaba por descartar uma pauta ou um ângulo de abordagem que poderá gerar algum descontentamento.
“Censura, existe sempre, directa ou inderectamente, principalmente para os jornalistas recém-formados. Em primeiro lugar, os recém-formados dificilmente têm opinião sobre aquilo que irá para a linha, sobre aquilo que será notícia para o órgão da comunicação em que trabalha. Pode fazer uma peça inteira, bem feita, dedicar tempo e esforço, mas se no final esta confronta algum interesse relevante, pode ser completamente modificada. Só deve ser escrito aquilo que querem que seja divulgado, independentemente daquilo que [o jornalista] pensa. Já fui alvo de censura e digo com propriedade”, testemunhou.
Compartilhando da mesma opinião, Jair Furtado acredita que ainda existe censura no jornalismo. Apesar da clara evolução de Cabo Verde, Jair Furtado diz que o jornalismo é uma actividade de exposição e de risco. Na visão deste profissional, no exercício do jornalismo, alguns assuntos, ou temas podem confrontar “o poder”, a vida e interesses das pessoas, e isso pode gerar uma relação de “amor e ódio” que, por vezes, pode gerar posicionamentos diferentes entre o profissional e o órgão a que pertence.
“A meu ver, existe censura, sim. Já ouvi alguns jornalistas, principalmente os mais novos, que muitas vezes são condicionados pelos seus superiores nas realização das suas actividades. Acho que sou um dos “sortudos” porque, desde o período do estágio até agora, sempre me deixaram livre para exercer as minhas actividades, pelo que nunca me deparei com situação de censura, nem auto-censura”, assegurou.
Teresa Pinto diz que apesar de uma certa “liberdade”, há determinados assuntos que, na sua opinião profissional, vão em “contra-mão” com determinadas instituições e que podem geram algum conflito entre o jornalista e os superiores responsáveis ou do órgão a que pertence, e isso resulta em auto-censura.
“Muitas vezes acaba-se por não abordar determinadas questões de forma a evitar “conflitos”. Para os jornalistas mais novos, como é o meu caso, a situação é muito mais clara, se levarmos em consideração as fragilidades laborais. Além do mais, há muitos temas onde, pela sua natureza, temos dificuldade em “colocar o dedo”. Vejo um cenário difícil para o futuro do jornalismo. Há cada vez mais dificuldades de sustentabilidade por parte dos órgãos privados, há pouco investimento do Estado e o mercado é pequeno”, exclamou.
Futuro do jornalismo em Cabo Verde
Rosana Tavares sublinha que apesar dos ganhos obtidos, é “preciso inovar a forma de fazer o jornalismo”. Hoje, com a evolução das redes sociais, Rosana acredita que a divulgação das informações nas redes sociais serve como um guia para os profissionais se orientarem sobre as preocupações da população
“As redes sociais, na minha visão, são mais uma ferramenta, principalmente em Cabo Verde, quando não há uma cobertura total do jornalista. Muitas vezes são publicados assuntos que não chegam aos jornalistas. Hoje em dia, as informações divulgadas pelos cidadãos alastram-se muito mais rapidamente do que as divulgadas pelos órgãos de comunicação social, principalmente aqueles com horários fixos de informação. As redes sociais acabam por auxiliar os profissionais a trabalharem em pautas que são do interesse da população. Claro que, ao ter acesso a uma informação através das redes sociais, o profissional deve fazer a sua investigação, confirmar antes de divulgar”, explicou.
Já o jornalista Jair Furtado considera a evolução das redes sociais como uma extensão da fonte do profissional. Segundo este jornalista, antes era mais difícil chegar às pessoas, abordá-las e conquistar a sua confiança para que elas pudessem falar, mas hoje, com o desenvolvimento das redes sociais, o profissional pode ter acesso a informações mais rápido e seguir a sua investigação de forma credível.
Em 2020, o relatório do Índice Mundial da Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RFS) indicava que Cabo Verde tinha descido de 25º para 27º lugar no ranking da liberdade de imprensa. Actualmente, o país encontra-se na 36.ª posição.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1118 de 3 de Maio de 2023.