O STJ indeferiu ainda, de acordo com o acórdão a que a Inforpress teve hoje acesso, uma providência cautelar contra a dona da obra, Grupo Khym Negoce, a exigir a paralisação dos trabalhos.
Aquele órgão judicial justificou que, neste caso, o IPC, ao invocar “bases legais plurais” para sustentar o seu recurso, revelou “dificuldades em encontrar uma base segura para fundamentar a sua legitimidade para o presente recurso contencioso”.
Após a total demolição do ex-edifício da Luso-Africana, o Ministério da Cultura, através do IPC, levou o caso à barra dos tribunais, por “grave atropelo à lei”, tendo o dono da obra, o Grupo Kim Negoce, defendido ter do seu lado a legalidade.
No meio dos dois litigantes está a Câmara Municipal da Praia, que desde início deu razão ao proprietário da obra, tendo inclusive facultado o licenciamento.
As primeiras obras de demolição do edifício aconteceram no passado em Julho do ano passado e foram seguidamente interrompidas pelo IPC, que pediu o embargo, por o mesmo se encontrar classificado como Património Histórico, como de resto a maior parte dos edifícios do Platô.
Mesmo assim, após as chuvas do início de Setembro de 2022, o Grupo Kim Negoce ordenou a demolição total daquilo que outrora foi a casa Luso-Africana, alegando risco de desabamento de toda a estrutura.
Desautorizado, o Ministério da Cultura e Indústrias Criativas, tutela do IPC, indicou que a retoma da demolição do edifício constituía um “atropelo grave à lei” e decidiu levar o caso ao tribunal.
“Platô é uma das áreas classificadas como património no total, está na lista indicativa da Unesco”, lembrou na altura o ministro Abraão Vicente, em declarações à imprensa.
Aquele governante informou ainda que iria “até às últimas consequências”, garantindo que tem instrumentos legais para tal.
“O que houve foi um arrombamento premeditado por parte do proprietário do edifício para provocar um aceleramento de processo, num momento que o IPC estava sentado com o promotor para negociar os aspectos arquitectónicos do edifício”, sublinhou na altura.
Do outro lado, o Grupo Kim Negoce não reconhece o edifício em causa como Património Cultural, ou Histórico, e, em comunicado divulgado, sustentou que a legalidade está do seu lado no processo.
“Legalmente o edifício em causa não está classificado, conforme referido no próprio parecer do IPC emitido para o efeito. O Regime Jurídico do Património Cultural (Lei n° 85/ IX/2020) determina no n° 4 do artigo 17° que os bens culturais são classificados mediante Portaria do Ministro de tutela”, precisou, indicando, entretanto, que essa Portaria “não existe”.
“Essa Portaria não existe, logo, o edifício não está classificado e infelizmente estão a agir como se fosse contrariando e desrespeitando a própria lei”, acusou o grupo privado.
O investidor evocou ainda um procedimento de classificação, segundo o qual, disse, há um processo prévio a se respeitar, mas que, entretanto, não foi sequer iniciado.
Chamado a intervir, o STJ afirmou que quem tem legitimidade para recorrer das deliberações ou decisões tomadas por órgãos dos municípios é o cidadão comum recenseado e residente no município e que esse direito “não pode ser extensível a pessoas colectivas de direito público”, que é o caso do IPC.
Em relação à anulação da licença e paralisação das obras e dos argumentos de danificação e prejuízos de difícil reparação, o STJ considerou que “é fácil de ver, consumada a demolição do edifício, a hipótese de restabelecimento da situação de facto que existiria se o acto administrativo alegadamente ilegal não tivesse tido lugar deixou de existir como possibilidade real”.
Assim, entendeu, a reintegração da legalidade que resta possível é aquela que será alcançada pela reconstrução do imóvel com a arquitetura, volumetria e altimetria originais. E essa possibilidade manter-se-á sempre factualmente viável, independentemente do tempo que demorar a hipotética decisão do provimento do recurso”.
Os juízes do tribunal superior consideraram ainda que “na presente situação, de pós-demolição, não há risco de infrutuosidade da decisão final” e, portanto, “não há situação de prejuízo irreparável”.
O STJ afirmou ainda que “nem se perspectiva a existência de prejuízos que se produziram ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade já não seria capaz de reparar ou de reparar integralmente”.
Entende ainda o STJ que não se perspectiva uma situação de prejuízo de difícil reparação.
“Pelo que improcede o pedido de suspensão da executoriedade do acto recorrido”, lê-se no documento que indeferiu, igualmente, o pedido de intimação da contrainteressada (Khym Negoce) para se abster de executar por si ou por alguém a seu mando, quaisquer obras no referido imóvel – Centro Histórico da Praia – que não sejam as vertidas e determinadas no parecer técnico do IPC até decisão final, que estaria na “dependência do pedido de suspensão da executoriedade do acto recorrido”.