Quando o bebé existe apenas na cabeça da mulher

PorSheilla Ribeiro,28 mai 2023 15:59

Era 2017 quando Ana (nome fictício) enfrentava o que considera um momento “delicado” da sua vida. Acreditava estar à espera de um bebé mesmo quando dois testes e uma ecografia diziam o contrário.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a pseudociese, conhecida popularmente como gravidez psicológica, é um distúrbio que ocorre quando a mulher tem certeza de que está grávida, mesmo com os exames médicos mostrando o contrário.

A organização estima que a cada 22 mil gestações no mundo, pelo menos uma não é verdadeira, sendo que aproximadamente 1% das mulheres com gravidez psicológica sentem as dores do parto após nove meses da falsa gestação.

Em declarações ao Expresso das Ilhas, Ana, de 28 anos, conta que aos 22 anos de idade, uma semana antes da data de menstruar, sentia os seios doloridos, um sintoma normal no período pré-menstrual.

Contudo, a menstruação acabou por se atrasar e logo Ana começou a sentir enjoos matinais, tonturas ligeiras e outros sintomas relacionados com a gravidez. Nos primeiros dias, Ana sentiu muito medo de fazer o teste.

Quando teve coragem suficiente para comprar um teste de farmácia, o resultado foi negativo.

“Apesar desse resultado, os sintomas persistiram. Eram fortes e visíveis para qualquer um e por este motivo não acreditei no que o teste dizia. Não acreditava na eficácia dos testes de farmácia”, relata.

Como exemplo, menciona que os seios estavam muito inchados e que quando os apertava saía um líquido transparente.

“A gravidez psicológica acontece quando se vive uma situação de não ter condições ou não querer ter um filho naquele momento. No meu caso, não queria ter um filho porque estava no início de uma nova relação e, mesmo usando protecção, pressionava muito o meu parceiro, se tinha certeza de que o preservativo não tinha irrompido, mesmo ele garantindo que não”, diz.

Aceitar que afinal não existe gravidez

A gravidez psicológica de Ana durou dois meses, durante os quais não menstruou e sentia todos os dias os sintomas da gestação.

“Não aguentando mais guardar tudo para mim, acabei por abrir-me com uma prima muito amiga. Contei-lhe que o meu período estava atrasado e que fiz um teste cujo resultado foi negativo. Essa prima explicou-me que é normal um teste de farmácia acusar negativo se naquele momento o nível do hormônio gonadotrofina coriónica não estivesse presente”, declara.

A constatação da prima fez com que comprasse um novo teste e mais uma vez, o resultado foi negativo. Perante os sintomas persistentes, uma outra prima, ao saber da história, aconselhou um teste de sangue.

O último teste teve, entretanto, o mesmo resultado dos testes de farmácia: negativo. Ainda assim, Ana não aceitou o diagnóstico e, por esta razão, uma das primas sugeriu fazer uma ecografia e assim sanar as dúvidas de uma vez por todas.

Por sua vez, a ecografia veio a confirmar que afinal não existia um bebé.

“Como eu não aceitava o que a ginecologista disse durante a ecografia, esta questionou se tive alguma situação de stress ou ansiedade que poderia provocar o atraso menstrual. Depois, sugeriu que eu tivesse acompanhamento psicológico no centro de saúde do meu bairro”.

“Recusei porque não queria que as pessoas da minha zona, que são todas curiosas, soubessem o que eu ia fazer no Centro de Saúde. Essa médica falou com um colega que aceitou receber-me no Centro de Saúde de Tira Chapéu”, narra.

Ana foi à três sessões psicológicas. “Quando percebi que de facto não estava grávida senti um enorme alívio. Era algo que não queria naquele momento. E esse episódio marcou-me até hoje”, enfatiza.

Conforme revela, desde então fez inúmeros testes de gravidez porque os seus sintomas pré-menstruais são muito parecidos com os de uma gravidez.

Esta entrevistada acredita que há uma causa pela sua “fixação” por uma possível gravidez. Uma amiga próxima estava grávida de gémeos e na altura, quando fez a ecografia os médicos alegaram tratar-se de um mioma, mesmo depois desta afirmar sentir os movimentos dos bebés.

“Por isso, mesmo com os resultados negativos, imaginava que o meu caso poderia ser mais um engano médico”, fundamenta.

Ana acredita que os casos de gravidez psicológica sejam raros em Cabo Verde, ou pelo menos não são muito conhecidos.

“Na altura tinha 22 anos de idade, já trabalhava e nunca antes tinha escutado algo parecido. E até hoje, as únicas pessoas que sabiam do meu caso eram as minhas primas que me acompanharam. Para mim não era algo bom de ser partilhado, era como se eu assumisse que tive um pequeno desequilíbrio e até hoje não gosto muito de falar sobre o assunto”, frisa.

Explicação

De acordo com a psicóloga perinatal, Rosana Carvalho, normalmente, a gravidez psicológica ocorre em mulheres que apresentam atrasos menstruais, associada a outras causas como solidão, depressão, stress emocional, baixa autoestima, desejo ou medo de engravidar, mulheres que tiveram relações sexuais desprotegidas e que ficam com a dúvida de estarem ou não grávida.

A especialista afirma que as mulheres não aceitam facilmente o diagnóstico de que não esperam um bebé.

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“É um distúrbio, então a mulher não aceita logo que não está grávida. Através da terapia, em que a mulher é acompanhada, ela vai desenvolver a percepção de que tem um distúrbio e assim reduzir os sintomas de gravidez que sente”, explana.

Conforme esclarece, o cérebro reage de acordo com o estímulo provocado, o que causa algumas mudanças no estado emocional e desregula a produção de hormonas.

Assim, a mulher pode não menstruar, sentir enjoos, desejos de comidas específicas, sono, dores nos seios, aumento de apetite e até produzir leite.

“O corpo reage a uma gravidez inexistente e a barriga também pode crescer. O crescimento da barriga pode ocorrer em 60 a 90% das mulheres que têm uma gravidez psicológica e podem até mesmo sentir o movimento do bebé na barriga, sentir as dores de contração de parto mesmo que faça um teste e constate que não está grávida”, aponta.

Segundo Rosana Carvalho, caso a mulher não receba assistência psicológica, mesmo depois de 9 meses, tempo de gestação, a mesma pode insistir na ideia de que o bebé pode nascer a qualquer momento.

Neste caso, o tratamento consiste em levar à mulher a percepção do seu distúrbio. Isso leva à redução dos sintomas e dos sinais do distúrbio e o alívio de qualquer pressão psicológica, tanto intrapessoal como sociocultural, que alimenta a crença de gravidez.

Tabu

A psicóloga perinatal profere que por estar ligada à saúde mental, assim como todas as situações que envolvem a saúde mental, há um tabu relacionado à gravidez psicológica que precisa ser quebrado.

Rosana Carvalho considera que muitas vezes as pessoas julgam sem saber qual a causa dessa situação.

“A gravidez psicológica não é uma invenção da mulher. Normalmente, a nossa sociedade, ou as pessoas podem dizer que neste caso a mulher inventa, mas, na verdade a mulher acredita que está grávida”, justifica.

Conforme Carvalho, o julgamento agrava esse transtorno. Razão pela qual sugere que a família tem de apoiar, acompanhar o tratamento psicológico para poder entender melhor e saber como lidar com a situação.

“Precisamos que mais mulheres, não apenas grávidas, procurem atendimento psicológico quando sentem que algo está fora do normal. Porque na nossa sociedade há muito tabu em termos de atendimento psicológico, muita gente acredita ainda que o psicólogo é para tratar a pessoa ‘louca’ e, na verdade, é preciso procurar ajuda antes até por uma questão de prevenção”, observa.

Todavia, a especialista salienta que as cabo-verdianas, normalmente, pouco falam sobre a gravidez no geral.

Daí o surgimento da campanha Maio Furta-cor para sensibilizar a população e a comunidade em geral sobre a causa e para que as mulheres falem mais abertamente sobre os seus sentimentos durante a gestação.

“Por causa do estigma sobre doenças mentais, se a mulher tiver um sintoma que é fora do normal guarda para si até que a situação se agrave e só depois procura ajuda”, pontua.

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Campanha Maio Furta-cor

A campanha Maio Furta-cor surgiu no Brasil em 2021 em plena pandemia e chegou a Cabo Verde em 2022. Visa fazer com as pessoas reflictam sobre a saúde mental materna e difundir o tema, o máximo possível, na comunidade ao longo de todo o mês de Maio, época em que se celebra o mês das mães.

Um outro objectivo da campanha em Cabo Verde é chamar a atenção para a importância de o país dispor de dados, uma vez que a meta é reflectir e produzir dados sobre o tema. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1121 de 24 de Maio de 2023.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,28 mai 2023 15:59

Editado porSheilla Ribeiro  em  29 mai 2023 15:01

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