“Autêntica humilhação”, gente a dormir ao relento, venda de lugares e polícia. Começou mais uma permanência consular do CCV em São Vicente

Centenas de pessoas à procura de vaga, gente que dormiu na fila, lugares à venda, polícia chamada para evitar o pior. Esta segunda-feira de manhã, no início de mais uma permanência consular do Centro Comum de Vistos (CCV) na ilha, o cenário à porta da Assembleia Municipal de São Vicente era de absoluto caos.

Desde há muito que pedir um visto Schengen, via CCV - serviço gerido pela Embaixada de Portugal - se tornou sinónimo de dor de cabeça sem fim. Da lista interminável de documentos aos problemas no agendamento, da demora na tramitação de processos à antipatia de quem atende, dos telefones que tocam sem que ninguém levante o auscultador do outro lado aos emails enviados que ficam sem resposta. Tudo o que pode correr mal, habitualmente corre.

Esta manhã, em São Vicente, o CCV iniciou a permanência consular de Junho. Trocando o quase impossível agendamento online prévio pela fila de espera e atendimento por ordem de chegada, o CCV fez com que, desde domingo, muito se juntassem à porta da Assembleia Municipal, para tentarem a sua sorte ou, simplesmente, fazerem negócio e venderem um lugar na fila (por valores que chegam aos 10 mil escudos).

Com o aproximar da hora de início dos atendimentos, os ânimos ameaçavam exaltar-se e a polícia foi chamada para tentar colocar alguma ordem no caos instalado. À porta, o cônsul de Portugal, Francisco Pessenha de Meneses, ameaçava mesmo fechar a porta e ir embora.

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Jorge Lopes veio de São Nicolau com a mulher para tentar a sua sorte, depois de meses a tentar o agendamento online. Para uma vaga na fila teve de pagar quatro mil escudos.

“Comprei uma passagem para sair às 10 horas de São Nicolau, o barco saiu faltava para as 15 horas. Quando cheguei, não tinha noção desta situação aqui. Fomos descansar depois da viagem e nisto recebemos uma chamada a avisar que estavam mais de trezentas pessoas aqui. Conseguimos uma vaga [na fila] através do mercado negro, comprámos um lugar por 4.000 [escudos] e somos o número 348. Estamos numa situação em que ninguém nos diz nada. Vim de São Nicolau, vou ficar até conseguir, porque não vou correr o risco de perder o lugar e voltar a pagar”, explica.

De São Vicente, António Mota conta que teve que se revezar com um familiar a dormir ao relento, para que conseguisse manter um lugar na fila.

“Isto é uma autêntica humilhação para a população desta terra. Penso que deveriam organizar as coisas de uma outra forma. O agendamento não está a ser fácil, por exemplo, estou a atentar o agendamento desde fevereiro, contactando as pessoas na agenda e nada. E estou aqui desde ontem. Ontem ficou aqui um primo e vim rende-lo às 5 horas de manhã. Mas há pessoas que compraram lugar, infelizmente”, lamenta.

Ilídio Delgado, natural de Santo Antão, está há meio ano a tentar o agendamento e pelos vistos ainda não será desta. À semelhança de muitas outras pessoas, ficou fora das 350 pessoas que serão atendidas esta semana. Diz que não imaginou que seria “um caos” conseguir um lugar para entregar o processo.

“Estou há muito tempo neste processo, há uns 6 meses que tento o agendamento, que é complicado. Ouvi dizer que acabaram com o agendamento online, mas por aquilo que estamos a ver ficou ainda mais difícil. Há pessoas a dormirem cá para conseguir ou vender um lugar. Isto não é uma boa forma para tratar de um processo visto. Isto não é nada digno, tem que haver alguma forma dentro da lei, para organizar as filas ou senhas. Isto assim transforma-se num negócio do mercado negro”, afirma.

As pessoas ouvidas pela Rádio Morabeza pedem uma intervenção diplomática do governo para que a questão seja “resolvida definitivamente”.

António Mota adverte que a facilidade de circulação não deve funcionar apenas no papel.

“Que a diplomacia funcione, que o governo faça qualquer coisa, que assine acordos que beneficiem a população e não estes acordos de chacha. Enquanto não houver acordo de facilitação de circulação, conforme anunciaram, não há nada. Os estrangeiros pagam 25 euros nos nossos aeroportos para um visto à entrada, nós ficamos aqui nesta humilhação, de agendamento ou de bicha para tentar um visto para lazer, saúde, trabalho, seja para o que for”, diz.

A Rádio Morabeza tentou ouvir no local o cônsul de Portugal, que afirmou “não ter autorização para falar”, remetendo qualquer esclarecimento para o Embaixador de Portugal em Cabo Verde.

O Centro Comum e Vistos é gerido pela Embaixada de Portugal em Cabo Verde e emite vistos Schengen, de curta duração, para Portugal, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, Áustria, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Finlândia, França, Hungria, Islândia, Itália, Lituânia, Noruega, Países Baixos, República Checa, Suécia e Suíça.

A permanência consular em São Vicente prolonga-se até sexta-feira, 30 de Junho. 

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Autoria:Lourdes Fortes, Nuno Andrade Ferreira,26 jun 2023 11:38

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  27 jun 2023 14:13

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