“Até à não renovação da linha de crédito em tempo oportuno, as coisas correram bem, as obras estavam a decorrer com normalidade (…) emJaneiro de 2015 Portugal não renovou a linha de crédito e, naturalmente, as facturas deixaram de ser pagas e os empreiteiros começaram a ganhar direito a indemnizações e a juros de mora”, recordou Paulo Soares.
O gestor falava na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para averiguar a gestão do programa Casa para Todos.
Lançado em 2010 pelo anterior Governo do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, atualmente na oposição), o programa foi financiado por Portugal em 200 milhões de euros.
O antigo administrador da Imobiliária Fundiária e Habitat (IFH), empresa estatal que gere o programa, explicou que a renovação não aconteceu em inícios de 2015 por causa da “conjuntura política muito específica” vivida em Portugal, com crise financeira e mudança de Governo.
“Portando, tudo isso criou entropias no processo”, salientou Soares, que esteve à frente da empresa entre 2013 e 2016, recordando que a linha de crédito só foi renovada em novembro de 2015.
“[Em] todo esse período, as obras estiveram paradas”, referiu, dando conta que algumas obras foram retomadas a partir de janeiro de 2016, com o pagamento de faturas em atraso.
Depois disso, recordou que a IFH entrou num período de negociação das indemnizações com os empreiteiros, mas que, entretanto, foram suspensas porque se aproximavam eleições legislativas, que aconteceram em março de 2016 e que deram vitória ao Movimento para a Democracia (MpD).
Ainda segundo o ex-presidente, o banco português Caixa Geral de Depósito (CGD) pagava diretamente aos empreiteiros, sublinhando que as verbas nunca chegavam aos cofres nem da IFH nem do Governo.
Também apontou que, além dos concursos públicos, o modelo “chave na mão” foi um dos fatores de sucesso do programa, que permitiu evitar derrapagens financeiras, uma vez que os empreiteiros eram quem criavam os projetos e realizavam as construções.
Outro factor de sucesso apontado por Paulo Soares foi o facto de, além de técnicos da IFH, as equipas de trabalho englobavam técnicos do Governo e das câmaras municipais.
Ainda durante a manhã, foi ouvido outro ex-presidente da IFH, Abraão Lima, e durante a tarde está prevista a audição da diretora comercial da empresa, Valentina Oliveira, e o ex-coordenador do Gabinete de Apoio às Políticas de Habitação, Hélder Mascarenhas.
O parlamento cabo-verdiano aprovou a criação da CPI por iniciativa do grupo parlamentar do MpD, que pretende “averiguar o processo de construção das habitações sociais”.
Em causa está um programa habitacional lançado em 2010 pelo Governo do PAICV, liderado pelo então primeiro-ministro José Maria Neves, actual Presidente da República, para construção de 6.010 habitações sociais.
Esta CPI, que terá um prazo de seis meses e presidida pelo deputado do MpD Celso Ribeiro, surgiu após o PAICV ter apresentado uma queixa-crime por difamação contra a deputada do MpD Isa Costa, que acusou o anterior Governo do desvio de 100 milhões de euros no programa habitacional.
Na altura, o PAICV respondeu que Cabo Verde “não consumiu os 200 milhões de euros, mas sim 159 milhões de euros”, e acrescentou que em 2016, no momento da transição de Governo, 5.521 casas estavam acabadas ou em construção e que destas 2.240 já tinham sido completamente concluídas e rececionadas pela IFH.
Por sua vez, “1.751 habitações, já tinham sido entregues às famílias, protegendo cerca de 10 mil pessoas” e “estavam consumidos 130 milhões de euros”.