Desafios persistem para pessoas com deficiência em Cabo Verde

PorSheilla Ribeiro,13 ago 2023 9:27

Em Cabo Verde as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência no que diz respeito à acessibilidade urbana têm sido uma batalha constante. Apesar dos avanços em diversas áreas, as infraestruturas urbanas ainda se mostram inadequadas para atender às necessidades específicas desse grupo, tornando a mobilidade uma tarefa desafiadora e muitas vezes impossível.

“A minha vida como cadeirante em São Vicente é uma batalha constante”, declara Idalina Rocha, moradora em Ribeira de Passarão, que enfrenta dificuldades diárias na sua rotina devido à inacessibilidade urbana.

Com as pernas encolhidas e usando uma cadeira de rodas para se locomover, Idalina descreve os obstáculos que enfrenta, desde a falta de recursos para tratamentos médicos até à falta de respeito por parte da comunidade.

“Eu tenho tratamentos para fazer e o que eu ganho vendendo gelados não dá nem para pagar um táxi ida e volta”, relata Idalina, destacando que sobrevive da pensão que recebe do Governo. A situação leva-a a depender do que consegue arrecadar com a venda dos gelados que produz. Quando a situação permite, consegue ainda produzir pizzas ou iogurtes.

De forma emocionada, Idalina desabafa sobre os desafios de utilizar os transportes públicos, porque as suas despesas são maiores com a dependência dos táxis.

“Tenho de andar de táxi, mesmo sendo mais caro, porque os autocarros não gostam de parar para apanhar pessoas deficientes. Usam sempre a desculpa de que não têm tempo para carregar a cadeira de rodas e meter no veículo porque estão atrasados, ou que vão para uma zona diferente do meu», conta.

O acesso aos passeios e passadeiras também são desafiantes. Quando não são os carros e os postes, são as pessoas que não dão licença para passar com a cadeira. Idalina Rocha ressalta que, mesmo ao pedir ajuda para atravessar a estrada, as pessoas a ignoram, interpretando a sua acção como um pedido de esmola.

A moradora de Ribeira de Passarão, que se depara com quedas frequentes devido à falta de rampas adequadas, expressa o desejo por mais respeito e consciencialização da comunidade em relação às pessoas com deficiência.

“Gostaria que as pessoas respeitassem mais os cadeirantes; temos a nossa deficiência, mas não pedimos para tê-la”, salienta.

Idalina enfatiza a necessidade de melhorias nas infraestruturas urbanas de São Vicente para garantir a inclusão e igualdade de oportunidades para todas as pessoas.

“Eu gostaria que o meu dia-a-dia melhorasse, que eu conseguisse ao menos uma ajuda de transporte, um transporte que pudesse levar-me onde eu quisesse, principalmente quando tenho uma consulta”.

Cego residente na Praia lamenta barreiras de acessibilidade e pede acção das autoridades

Marciano Monteiro, um cidadão cego residente na Cidade da Praia, expressa preocupações sobre os desafios enfrentados por pessoas com deficiência visual devido à falta de acessibilidades nos centros urbanos, particularmente na Cidade da Praia.

Em declarações ao Expresso das Ilhas, Monteiro destaca as múltiplas barreiras que dificultam a mobilidade e a participação plena na vida quotidiana, começando com desafios psicológicos.

Conforme explica, muitos indivíduos acreditam erroneamente que não podem realizar actividades normais devido à deficiência visual. Nesse sentido, realça a importância de superar essas percepções limitantes para garantir a inclusão total.

Além de barreiras psicológicas, Monteiro aponta para as barreiras arquitectónicas e físicas que limitam a acessibilidade.

Como exemplo, cita escadas estreitas que dificultam o acesso aos serviços públicos essenciais e viaturas estacionadas nos passeios, obstruindo o caminho dos pedestres cegos ou cadeirantes.

“Na Praia, por exemplo, temos um certo domínio de onde estão determinados passeios, onde há determinadas barreiras, mas, no caso de viaturas, não temos como calcular porque a cada hora se encontram num lugar. Então, isso cria grandes constrangimentos na questão de acessibilidade para pessoas cegas e não só”, observa.

Outra preocupação levantada por Monteiro é a falta de acessibilidade nos transportes públicos da Praia.

Segundo explica, a ausência de sinais sonoros e informações claras sobre destinos e números de autocarros torna a utilização dos transportes públicos uma tarefa desafiadora para pessoas cegas. Também realça a importância dos sinais sonoros nas passadeiras para garantir a segurança dos pedestres cegos.

“Quando viajamos de autocarro temos sempre de perguntar porque não há nenhum sinal e nada que indique os destinos dos autocarros ou que lê os números dos autocarros nem fora, nem dentro do autocarro. Eu para saber o destino dos autocarros tenho de perguntar e os condutores, muitas vezes, não têm sensibilidade para explicar bem ou dar as informações necessárias”, narra.

“As passadeiras são outro exemplo. Agora há pisos tácteis em muitas passadeiras na Praia, o que ajuda bastante, mas, não há sinais sonoros e quando se trata de lugares com semáforos, quando é a vez do peão passar não há como saber. Tivemos a oportunidade de conviver com isso na rotunda de Terra Branca, mas deixou de funcionar”, prossegue.

A falta de sinais sonoros, segundo este entrevistado, coloca em risco a vida das pessoas cegas que muitas vezes confiam nas pessoas que atravessam as estradas, mas muitas vezes essas não respeitam o sinal vermelho para o pião.

Monteiro frisa que, embora haja algumas pessoas sensíveis e dispostas a ajudar, muitos indivíduos estão tão ocupados com suas próprias actividades que não se detêm para oferecer assistência quando necessário.

Fazendo um apelo às autoridades responsáveis, Monteiro enfatiza que a acessibilidade é fundamental para o desenvolvimento de qualquer país e que a falta dela limita as oportunidades das pessoas com deficiência visual de contribuírem plenamente para a sociedade.

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“Qualquer ser humano é uma pedra fundamental para o desenvolvimento de um país. Se não houver acessibilidade, não poderemos contribuir para que isso aconteça, e nossa própria vida pessoal ficará estagnada”, apela.

Presidente do CENORF aborda principais desafios de acessibilidade urbana

O presidente do Centro Nacional Ortopédico e de Reabilitação Funcional (CENORF), frisa as contínuas dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência nos centros urbanos de todo o país.

Alberto Afonso enfatiza que, embora os esforços do CENORF estejam alinhados com as preocupações da comunidade das pessoas com deficiência, ainda há muito trabalho a ser feito para abordar os desafios de acessibilidade.

“O CENORF está comprometido em criar condições que permitam que indivíduos com deficiência superem os obstáculos diários que enfrentam em termos de acessibilidade. As nossas cidades e localidades ainda têm um longo caminho a percorrer para garantir que as pessoas possam se movimentar com a mesma facilidade que as outras”, afirma.

Ao falar sobre questões específicas enfrentadas por pessoas com deficiência, Afonso menciona que a produção de dispositivos ortopédicos, como próteses, é um passo significativo.

No entanto, muitos amputados recorrem a cadeiras de rodas devido às dificuldades impostas pelas infraestruturas das cidades.

Passeios cheios de veículos, rampas mal projectadas e superfícies irregulares dificultam a mobilidade. As autoridades, conforme defende, devem abordar essas questões para garantir acesso igualitário.

O presidente do CENORF refere que a noção de acessibilidade vai além de simplesmente ter rampas em vigor.

“A acessibilidade não se resume apenas a ter uma rampa; trata-se de ter rampas de alta qualidade que permitam que indivíduos com deficiência e mobilidade reduzida acessem serviços públicos e privados de maneira fluida. Isso inclui mulheres grávidas, idosos e pessoas com mobilidade limitada”, diz.

Em relação aos transportes públicos, Afonso constata que há muito espaço para melhorias.

“Os transportes públicos, como barcos e autocarros, muitas vezes deixam muito a desejar relativamente à acomodação de pessoas com deficiência. Mesmo quando os equipamentos estão disponíveis, os motoristas podem não ter a conscientização e sensibilidade para auxiliar indivíduos que usam cadeiras de rodas”, considera.

Alberto Afonso propôs uma abordagem multifacetada para enfrentar esses desafios. Para tal, acredita que sensibilização e fiscalização são essenciais.

“Precisamos conscientizar sobre os mandatos legais de acessibilidade e responsabilizar as instituições pela sua implementação. Os esforços de sensibilização devem ser constantes e não limitados a datas específicas. O acesso às instalações, incluindo casas de banhos, deve ser universal, conforme determinado pela nossa Constituição e reforçado por convenções e leis de deficiência”, sugere.

Este responsável também reconhece as disparidades enfrentadas por pessoas com deficiência em cada ilha.

“Embora progressos tenham sido feitos em algumas áreas, a luta continua para aqueles que vivem nas outras ilhas. O CENORF permanece dedicado a estender seu alcance a todas as ilhas, independentemente dos desafios que possamos enfrentar”, assegura.

Afonso conclui sublinhando o propósito mais amplo das questões de acessibilidade.

“Os obstáculos enfrentados por pessoas com deficiência vão além das barreiras arquitectónicas. Desde o acesso aos serviços financeiros até às instalações de saúde, educação e disseminação de informações, há muito trabalho a ser feito para garantir oportunidades iguais para todos”, aponta.

O Expresso das Ilhas tentou falar com as câmaras municipais da Praia e de São Vicente, assim como com a Associação Nacional Municípios de Cabo Verde (ANMCV) no sentido de saber que politicas têm sido traçadas nos municípios para garantir acessibilidade para todos, mas as várias tentativas revelaram-se infrutíferas.

No entanto, na passada sexta-feira, 4, a Câmara Municipal da Praia anunciou a criação da Comissão Municipal de Mobilidade e Trânsito que reunirá diversas entidades responsáveis para analisar, em profundidade, questões de circulação na cidade e buscar soluções para os desafios presentes e futuros. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1132 de 9 de Agosto de 2023.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,13 ago 2023 9:27

Editado porAntónio Monteiro  em  3 mai 2024 23:28

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