Segundo Luidmila Monteiro, diversos aspectos culturais, sociais e económicos constituem desafios para a saúde mental das mulheres.
Um dos principais problemas destacados pela especialista é o ambiente marcado por traços machistas, que submetem as mulheres à normas sociais opressivas e as tornam mais susceptíveis à violência física, psicológica e sexual.
Além disso, a predominância de famílias monoparentais, lideradas por mulheres, agrava a situação, colocando-as sob pressão para garantir o sustento dos filhos e lidar com desigualdades e discriminações.
“Se falarmos das mulheres que trabalham como empregadas domésticas, estas dedicam grande parte do seu dia a cuidar das crianças dos patrões em detrimento dos seus filhos. Estes ficam muitas vezes sem supervisão grande parte do dia e sujeitos a vários riscos e influências negativas, com probabilidade de desvio comportamental e sancionamento pelo sistema judicial. Estas mulheres trabalhadoras são alvo de críticas da sociedade que as sancionam como responsáveis pelo comportamento delinquente dos seus filhos e desenvolvem sentimentos de frustração, culpa, desvalia”, explica.
O grupo de mulheres portadoras de transtornos mentais também é mencionado pela especialista, que ressalta da necessidade de maior atenção à sua saúde sexual e reprodutiva, bem como à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
A migração é outro factor que afecta a saúde mental das mulheres, especialmente aquelas que enfrentam dificuldades de integração social, inclusão no mercado de trabalho e preservação das suas tradições culturais e religiosas.
Procura por ajuda profissional aumenta
Em Cabo Verde, segundo Luidmila Monteiro, a busca por ajuda profissional em saúde mental tem aumentado entre as mulheres, mas ainda há estigmas sociais que podem levar à resistência em fazer tratamentos adequados, resultando em recaídas e cronicidade das doenças.
“Entretanto, preconceitos e falta da compreensão da doença mental como uma doença resultante de alterações químicas a nível dos neurotransmissores cerebrais, faz com que ainda persista a associação da doença mental ao castigo de Deus, a” malfeito” ou feitiço, e à possessão por espíritos”, acrescenta.
Relativamente aos padrões de saúde mental observados, há um aumento “preocupante” nas taxas de suicídio e consumo de substâncias tóxicas entre as mulheres, especialmente aquelas de baixo status socio-económico.
Quanto ao papel da família e da comunidade, a especialista ressalta a importância do engajamento de todos os sectores na promoção da saúde mental, salientando a necessidade de consciencialização e suporte adequado para lidar com os desafios emocionais.
Em relação às políticas de saúde mental, embora existam programas transversais, Luidmila Monteiro enfatiza a necessidade de políticas mais específicas voltadas para as mulheres, considerando as suas necessidades e desafios únicos.
Em números, dados de 2023 do Serviço de Psiquiatria mostram um aumento na procura por consultas externas das mulheres, mas também revelam a necessidade de análises mais detalhadas por género para compreender e abordar adequadamente as demandas das mulheres relativamente à saúde mental, conforme a entrevistada.
“Em 2023, foram realizadas pelo Serviço de psiquiatria 6.317 consultas externas de psicologia e psiquiatria e também foram registados um total de 160 internamentos no serviço de Psiquiatria (Hospital da Trindade), registando assim uma diminuição de 14% comparativamente ao ano 2022”, aponta.
Experiências
Nesta reportagem, o Expresso das Ilhas falou com Ana e Maria (nomes fictícios) sobre as suas experiências e desafios relacionados à saúde mental.
Ana tem 24 anos e considera que a sua saúde mental, actualmente, não é das melhores.
“A minha saúde mental, de 2021 a 2024, não tem sido das melhores porque passei por muitas situações complicadas, confusas e não me considero mentalmente sã, mas cuido sempre”, confessa.
Conforme relata, enfrenta desafios significativos quando não consegue agendar consultas psicológicas a tempo, o que leva a episódios de ansiedade, ‘stress’ e perda de motivação.
A jovem descreve como se isola no trabalho e lida com a irritabilidade quando está sob pressão. No entanto, procura enfrentar essas dificuldades com exercícios, música e momentos de relaxamento à beira-mar.
A sua jornada começou em 2021, quando a sua mãe adoeceu gravemente com pneumonia e vários familiares faleceram. Ana destaca o apoio crucial das suas irmãs, namorado e amigos mais próximos, embora reconheça que os seus pais, devido à idade e mentalidade, podem não entender totalmente as suas lutas.
“É importante que as pessoas entendam que enfrentar problemas de saúde mental não nos torna ‘malucos’. Não se trata de “briu de corpo”, como alegam, mas sim humanos que precisam de apoio e compreensão”, argumenta, alertando que conhece muitas jovens que enfrentam os mesmos problemas a nível da saúde mental, algumas com mais e outras com menos gravidade.
Nesse sentido, defende mais investimentos na saúde, no sentido de haver mais psicólogos e psiquiatras disponíveis nas escolas, universidades e a realização de feiras de saúde mental.
Ana também defende a criação de actividades que ocupem o tempo dos jovens.
Optar pela autoajuda
Já Maria tem 29 anos e revela como o ‘stress’ do trabalho e as expectativas sociais têm afectado o seu bem-estar emocional. Ultimamente, narra, tem se sentido irritada facilmente com os problemas do quotidiano.
“Tem sido um período de muito ‘stress’, principalmente porque tenho de lidar com o público diariamente. Cada pessoa trata quem atende de maneira diferente e essa oscilação enche a minha cabeça”, partilha
Maria, que menciona os desafios de não sentir ansiedade nas diversas situações do dia-a-dia e lidar com a pressão de ser “boa” em todos os papéis que a sociedade impõe às mulheres, como donas de casa, mães e profissionais.
“Lidar com o ‘stress’ do dia-a-dia é complicado. Às vezes choro muito, às vezes desabafo, mas prefiro acreditar que há dias melhores”, afirma.
Conforme relata Maria, começou a sentir ansiedade quando estudava no Brasil e muitas vezes sentia-se sozinha. A ansiedade foi aumentando, quando quase no final do curso descobriu que afinal não era o que queria fazer, mas também não queria decepcionar a família.
Ficou pior quando se sentiu à beira da depressão após o término de uma relação amorosa de muitos anos.
Entretanto, aos 25 anos, quando descobriu que aos quatro anos sofreu abuso sexual, resolveu buscar ajuda profissional para não ficar no “fundo do poço”.
“No período do término de um namoro de muitos anos, descobri que tinha sofrido abuso sexual na infância. Na altura, com 25 anos, tinha apenas dúvidas e desconfianças porque parecia ser um sonho que tinha várias vezes, eram ‘flash’ de memórias porque tinha sofrido aquilo com quatro anos e não tinha lembranças claras. Na altura tive a confirmação que aquilo de facto aconteceu», relata.
Apesar das dificuldades enfrentadas, Maria encontrou formas de lidar com os seus desafios emocionais por conta própria, adoptando estratégias como exercícios físicos, caminhadas, meditação e leitura.
“Hoje em dia prefiro lidar sozinha com tudo isso, tento relaxar com exercícios, caminhadas, meditação e livros do que procurar ajuda profissional”, concluiu, sem saber especificar o porquê dessa opção.
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Saúde mental materna: importância do acompanhamento psicológico durante e após gravidez
Ainda sobre a saúde mental das mulheres, o Expresso das Ilhas falou com a psicóloga perinatal Maria Dias que abordou os principais desafios das gestantes no que tange à saúde mental.
“A gravidez, período do ciclo gravídico, por si só é um desafio que qualquer mulher enfrenta por ser um período marcado por diversas mudanças. A gravidez tem impacto em todas as esferas da vida da mulher”, explica.
Segundo a psicóloga, cerca de uma em cada quatro mulheres desenvolvem algum transtorno mental durante o ciclo gravídico, como ansiedade, depressão e altos níveis de stress.
“O mito do amor materno, faz com que as mulheres nesse período não falem dos seus reais sentimentos, angústias e frustrações, pelo receio de serem julgadas como má mãe ou que não gostem dos seus filhos”, refere.
Sobre o medo do parto, Maria observou que “parte desse medo é cultural”, o que pode dificultar o trabalho do profissional no momento, já que cria um cenário negativo à volta do parto. Razão pela qual defende ser necessário espaços onde a mulher pode falar e ser ouvida e onde a dor pode ser legitimada sem julgamento.
Nesse sentido, enfatiza a importância de um acompanhamento psicológico durante a gravidez de até um ano após o nascimento do bebé, conforme recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
“As gestantes não procuram apoio de saúde mental, pela minha experiência no Hospital Universitário Agostinho Neto, sinto que as grávidas ainda não procuram ajuda psicológica, mesmo com prescrição. Dizem sempre ‘ainda não marquei’”, revela.
A especialista alerta para os factores de risco identificados pela OMS, como gravidez na adolescência, baixos rendimentos e violência de género, e ressalta a necessidade de estratégias específicas para cuidar da saúde mental das gestantes.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1165 de 27 de Março de 2024.