Criada em 2023, a Comissão Ad hoc+São Vicente está a promover um conjunto de sete seminários, com ideias para o ordenamento e requalificação de toda a orla marítima do Mindelo, de Ponta João Ribeiro até ao Morro Branco. O terceiro encontro teve lugar esta segunda-feira, na Câmara Municipal, dedicado à zona portuária. Em debate, a proposta de deslocalização do terminal de contentores para a zona do Lazareto.
A ideia não é nova e renasce agora, como solução de longo prazo.
“Para o longo prazo, o ideal era transformar o porto actual em uma zona de passageiros, de viaturas ligeiras e cruzeiros e devolver os terraplenos para zonas de lazer e turismo”, defende Nataniel Silva, especialista em construções portuárias e dinâmica costeira.
Há cerca de uma década, a construção de um terminal de transbordo no Lazareto estava orçada em cerca de 250 milhões euros. Franklin Spencer, antigo PCA da empresa de portos, ENAPOR, não tem dúvidas da importância da opção, no horizonte 2035/2040.
“Se nós conseguirmos ter um terminal de contentores e companhias interessadas em investir e que, por exemplo, introduzem na linha navios de 2 mil a 3 mil contentores [actualmente as companhias operam com navios de até 1.200 contentores], o custo de transporte marítimo baixará, de certeza, de mil para 600 euros. Nós teremos uma redução de cerca de 30 a 40% no transporte marítimo, que se vai reflectir no produto final de 5% a 10%”, estima.
Para já, e sem comprometer uma eventual deslocalização – que nunca será imediata – o que está em carteira é a expansão do Porto Grande, com um projecto de 80,5 milhões de euros, na fase de mobilização de financiamento, e que permitirá mais do que duplicar o tráfego até 2047.
A expansão significa o alargamento do actual porto em direcção ao Ilhéu, conforme José Fortes, assessor do conselho de administração da ENAPOR.
“Vamos abrir o último cais para uma largura de 120 metros, profundidade de não menos de 12 metros e depois construir-se-á um quebra-mar com um cais interior, que terá capacidade de receber navios de granéis líquidos e de granéis sólidos. Poderemos assim disponibilizar o actual terminal de contentores para o tráfego pesqueiro e o cais 9 para os navios da Guarda Costeira e para os navios dos serviços portuários”, antecipa.
Se a verba necessária for conseguida até final do ano, as obras poderão ficar concluídas em 2027.
Ciclo e Comissão
O ciclo de seminários teve início a 20 de Maio, com o envolvimento da sociedade civil, academia, empresas e decisores públicos, para um debate alargado sobre a orla marítima do Mindelo. Dos três eventos já realizados têm saído ideias e propostas que os organizadores esperam poder servir de referência na elaboração de um plano estratégico de longo prazo.
O primeiro encontro debateu a Praça Estrela, perspectivando-a enquanto zona cultural e museológica. O segundo, a 30 de Maio, debruçou-se sobre o eixo Lajinha-Matiota, apresentada como área balnear e hoteleira.
A Comissão Ad hoc+São Vicente é formada por académicos e outros profissionais, residentes no país e na diáspora. Dela fazem parte, entre outras personalidades, o arquitecto Carlos Hamelberg, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Eduardo Vera-Cruz, a advogada Eva Caldeira Marques e a professora universitária Fátima Monteiro.
O ciclo de seminários prossegue no próximo dia 20, tendo o Lazareto, zona residencial e balnear, como tema. No dia 1 de Julho será dada atenção à Avenida Marginal, enquanto área hoteleira e de restauração. A 10 de Julho, a discussão será sobre a zona militar de Morro Branco. O sétimo e último seminário será dedicado à Cova da Inglesa, espaço balnear e científico.
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Debater ideias por um melhor ordenamento da orla marítima
Fáima Monteiro é um dos rostos da Comissão Ad hoc+São Vicente. Explica o objectivo da organização e do ciclo de seminários em curso.
Quem forma esta Comissão Adhoc e qual o seu propósito?
Somos um grupo bastante interdisciplinar, desde pessoas com formação na área das engenharias, da arquitectura. Eu sou da área da história e da cultura, por exemplo. É, portanto, um grupo bastante interdisciplinar, para se reflectir conjuntamente sobre como ajudar a melhorar a condição da ilha de São Vicente, no que diz respeito a ordenamento, zonamento e requalificação. O nosso papel é tentar articular, construir pontes entre as diferentes zonas, para que haja uma harmonização. No fundo, estamos a fazer recolhas para que haja um plano director, não só municipal, mas como um plano master, para toda a ilha de São Vicente, que possa acolher os diferentes subsídios que vão sendo recolhidos.
Nos seminários, vamos ter pessoas ligadas, praticamente, a todas as áreas…
Eu diria que sim. Na Baía do Porto Grande, nós identificamos sete zonas, que começam no Morro Branco, depois a zona do Lazareto, a zona da Cova da Inglesa, a zona da Praça Estrela até à Torre de Belém, Avenida Marginal, zona portuária e Matiota-Lajinha. Procurámos que as autoridades que têm intervenção mais directa em cada zona estivessem presentes e nos apresentassem, nos informassem sobre o que é que está a ser feito e quais são os planos de futuro.
De onde surge a preocupação que levou à organização deste ciclo de seminários?
A preocupação é, precisamente, produzir um plano que possa harmonizar todas as outras zonas. No fundo, é recolher contribuições da sociedade civil, das universidades. Na edição anterior, estiveram cá alunos da Universidade do Mindelo, do curso de Direito, que tiveram fantásticas intervenções, muito bem articuladas, com preocupações próprias de jovens, em relação à sociedade, crescimento, desenvolvimento futuro. Portanto, é recolher todas essas contribuições, umas mais de opinião, outras mais técnicas, e depois produzir um documento, uma espécie de livro branco, ou um parecer global, que ajude as autoridades a conceber um plano que vá ao encontro das necessidades futuras de modernização da cidade do Mindelo.
*com Fretson Rocha
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1176 de 12 de Junho de 2024.