Coesão Social em África: Entre a Tolerância e a Desconfiança

PorEdisângela Tavares,9 out 2024 7:03

O Afrobarómetro, uma rede de investigação pan-africana, realizou inquéritos em 39 países africanos entre final de 2021 e meados de 2023, analisando as atitudes dos africanos sobre tolerância, confiança, discriminação e identidade, com um total de 53.936 pessoas inquiridas. De acordo com os resultados, Cabo Verde apresenta uma significativa percepção de discriminação económica, com 66% dos cidadãos acreditando que o governo trata injustamente as pessoas com base na sua situação financeira.

Cabo Verde

O inquérito do Afrobarómetro revela que, embora Cabo Verde se destaque pela alta aceitação da diversidade étnica, religiosa e nacional, com 18% de tolerância em relação à comunidade LGBTQ+, a confiança interpessoal é limitada. A maioria dos cidadãos (58%) confia plenamente em suas famílias, mas a confiança em vizinhos e concidadãos é relativamente baixa, com apenas 31% a confiarem nos vizinhos e 23% nos outros cidadãos. Essa situação, de acordo com os resultados do inquérito, reflecte uma desconfiança generalizada em relação a pessoas de diferentes origens étnicas (19%) e religiosas (18%).

Os resultados apontam que em Cabo Verde uma significativa percepção de discriminação económica prevalece, com 66% dos cidadãos acreditando que o governo trata injustamente as pessoas com base na sua situação financeira. Esses factores indicam que, embora Cabo Verde apresente sinais de abertura e aceitação, desafios persistem em termos de confiança e inclusão social.

Tolerância em alta, excepto em relação à homossexualidade

Os dados revelam que os africanos demonstram uma aceitação relativamente elevada em relação a pessoas de diferentes etnias (89%), religiões (85%), nacionalidades (80%) e filiações políticas (82%). No entanto, a aceitação da comunidade LGBTQ+ permanece bastante baixa, com apenas 24% dos inquiridos a expressarem atitudes tolerantes para com pessoas em relações homossexuais. Países como Cabo Verde (18%), África do Sul (23%) e Seychelles (30%) destacam-se como as nações mais abertas neste aspecto, enquanto países como Uganda e Serra Leoa apresentam índices de intolerância de 94%.

A tolerância em relação a outras formas de diversidade tem-se mantido estável ao longo da última década. A África Ocidental e Central apresentam os níveis mais elevados de aceitação, enquanto o Norte de África se posiciona consistentemente como a região menos tolerante.

Apesar dos sinais de tolerância, a confiança entre os africanos permanece cautelosa. Apenas 58% dos inquiridos afirmam confiar plenamente nos seus pais, enquanto a confiança em vizinhos e concidadãos atinge níveis mais baixos, com a maioria a expressar apenas uma confiança parcial. A desconfiança em pessoas de outras etnias e religiões persiste em cerca de metade dos inquiridos. Curiosamente, a confiança é maior nas áreas rurais, entre pessoas com menor nível de escolaridade, muçulmanos e cidadãos da África Ocidental e Central, enquanto os habitantes urbanos e mais instruídos revelam maior cepticismo.

Discriminação: uma realidade frequente

Seis em cada 10 africanos afirmam que as pessoas são frequentemente tratadas de forma desigual perante a lei. A discriminação económica é a mais prevalente, com 47% dos inquiridos a afirmarem que os seus governos tratam injustamente as pessoas com base na sua situação financeira. Em países como Cabo Verde, Mali, Eswatini e Tunísia, esta percepção é particularmente forte, com 66% a 72% dos cidadãos a relatá-la.

Em que medida é que os africanos confiam uns nos outros?

A confiança interpessoal é um elemento-chave para a coesão social e o funcionamento de uma sociedade liberal. Em 39 países africanos, 58% dos cidadãos confiam “muito” nos seus familiares. Contudo, essa confiança cai para 31% quando se trata de vizinhos, e para 23% em relação a outros cidadãos, 19% em pessoas de diferentes grupos étnicos e 18% em pessoas de diferentes origens religiosas. Apenas 17% dos inquiridos confiam “muito” em outras pessoas que conhecem.

A confiança generalizada vai além das relações familiares e pessoais, reflectindo um vínculo partilhado na sociedade, independentemente de diferenças económicas, étnicas, religiosas ou raciais. Quando perguntado se confiam nos “outros cidadãos”, 57% dos africanos dizem confiar “um pouco” ou “muito”. Os africanos sem educação formal são os que mais confiam nos seus concidadãos, com dois terços (67%) a afirmar essa confiança, em comparação com 53% a 54% das pessoas com pelo menos o ensino secundário. A confiança é maior nas zonas rurais (61%) do que nas cidades (53%), e entre muçulmanos (63%) em comparação com outras religiões (54%).

Os níveis de confiança variam consideravelmente de região para região: os africanos ocidentais (66%) e orientais (63%) são os mais confiantes nos seus concidadãos, enquanto os norte-africanos (43%) são os menos confiantes. Em termos nacionais, a confiança varia desde os 26% em São Tomé e Príncipe até 87% no Mali, sendo que países como a Tanzânia (86%), o Níger (82%) e a Guiné (80%) registam níveis muito elevados de confiança, enquanto apenas 30% dos sudaneses o fazem.

A coesão social em África, embora marcada por desafios históricos e contemporâneos, tem mostrado alguns sinais de avanço, especialmente em relação à aceitação da diversidade étnica, religiosa e política. No entanto, questões como a discriminação económica, a intolerância em relação à comunidade LGBTQ+ e a desconfiança interpessoal continuam a ameaçar os esforços para construir sociedades mais inclusivas e coesas. Os resultados do Afrobarómetro sublinham a importância de fortalecer as políticas de inclusão social, reduzir as desigualdades e promover o diálogo entre diferentes grupos. A capacidade de criar um sentido de pertença e solidariedade entre as comunidades africanas será crucial para o futuro da coesão social no continente.

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Autoria:Edisângela Tavares,9 out 2024 7:03

Editado porSara Almeida  em  9 out 2024 17:09

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