Cães de grande porte: Paixão, desafios e altos custos

PorSheilla Ribeiro,20 out 2024 17:09

A criação de cães de grande porte, como o Pastor Alemão, Rottweiler e Boerboel, tem ganhado espaço em Cabo Verde, movida pela paixão dos criadores. No entanto, os custos elevados e a falta de infraestruturas adequadas tornam esta actividade desafiadora. O Expresso das Ilhas falou com dois criadores apaixonados que partilham as dificuldades de manter a qualidade das raças e o impacto financeiro da criação, que envolve desde alimentação especial até a ausência de um sistema formal de pedigree.

A criação de cães de grande porte em Cabo Verde é uma actividade movida pela paixão, mas que traz muitos desafios, conforme relata Gilson, criador de diversas raças.

“Geralmente as pessoas procuram mais por cães de grande porte, como o Pastor Alemão, Boerboel, Rottweiler, Pitbull”, explica Gilson, que também cria Pequinês e American Bully, além dos citados.

Ao Expresso das Ilhas, Gilson confessa que, desde pequeno, sempre gostou de cães e manteve essa paixão ao longo da vida, criando animais não apenas para si, mas também para venda.

Entretanto, criar um cão de grande porte em Cabo Verde é uma tarefa cara. Gilson revela que um filhote pode custar cerca de 570 contos ao ser importado, um valor que, afirma, surpreende a maioria das pessoas.

Além disso, a manutenção dos animais requer investimento constante. “Um cão que tem 80 quilos pode gastar oito mil escudos mensais com a comida, apenas com a ração”, afirma, explicando que, embora a carne seja uma opção, para quem não tem tempo de preparar as refeições, a ração é a escolha mais prática.

Mas não é qualquer tipo de ração que serve. “Um cão de grande porte exige muito na alimentação, então não dá para comprar ração com pouca proteína ou vitamina. É preciso ração de topo, o que acarreta custos”, pontua.

Por sua vez, Eric Barbosa, morador do bairro da Fazenda, conta que a sua paixão por criar cães começou desde cedo.

Criado em um dos primeiros bairros a introduzir raças de grande porte, rapidamente se interessou por Rottweilers. “Sempre tive a ideia de que um dia arranjaria um, mas sempre tive vira-latas em casa”, diz Eric, que actualmente cria e vende Rottweilers e Boerboels, embora continue acolhendo vira-latas.

A casa de Eric está cheia de cães, sendo quatro Rottweilers, um Boerboel e um vira-lata. Mas, ressalta que o seu espaço para os cães não pode ser chamado de canil no verdadeiro sentido da palavra, criticando a falta de estrutura adequada na maioria dos lugares.

“Há pessoas que afirmam que possuem canil. Mas, não se trata de um canil. Os canis requerem muito mais do que essas pessoas estão a oferecer a esses cães. O que, na verdade, temos aqui são jaulas, cadeia de cães, como costumo dizer”, refere.

Segundo Eric, um verdadeiro canil deve contar com uma série de serviços, como centro veterinário interno, espaços para tosa, banho e exercícios.

Custo e valor dos filhotes

Apesar de o mercado cabo-verdiano não ser estruturado para a venda de cães, Gilson e outros criadores tentam equilibrar os gastos com a criação ao vender filhotes.

“Tentamos juntar o útil ao agradável. A pessoa possui o seu próprio cão, reproduz e tenta vender para minimizar os custos da criação”, diz, deixando claro que a actividade não gera muito lucro.

Actualmente, Gilson foca mais na criação de Boerboel, uma raça que descreve como sendo intimidante, mas ainda assim muito procurada.

“As pessoas gostam desse cão porque ele tem um temperamento familiar e, ao mesmo tempo, é um bom guarda”, indica.

O preço de um filhote de Boerboel pode chegar a 70 mil escudos, mas, segundo Gilson, o dinheiro recebido vai directamente para a alimentação da cadela reprodutora.

Embora seja possível vender uma ninhada de sete a dez cães rapidamente, este criador ressalta que não é possível viver exclusivamente da venda de filhotes. “Isso não dá para ser um modo de vida, apenas um extra. Cabo Verde é pequeno e não há poder económico”, aponta.

Nos últimos cinco anos, Gilson percebeu que a criação de cães pode ser um “tapa-buracos”.

“Criava para mim, mas com o tempo e o custo de manter esses animais, resolvi vender para ver se ajudava pelo menos com a alimentação”, relata.

Já Eric calcula que o custo para manter os seus cães varia entre 20 e 30 mil escudos por mês, alimentando-os com ração premium e complementos como batata cozida, cenoura, hortaliças, frutas e peixe, rico em ómega 3, ideal para manter o brilho dos pelos.

Contudo, também afirma que vender filhotes não é tão lucrativo. “Gasto 30 mil mensais e ganho com cada filhote 50 mil. Só compensa se a pessoa faz a criação dos machos”, explana.

Isto porque Eric “reforma” a fêmea após duas ninhadas. Pode ainda arriscar uma terceira caso as duas primeiras ninhadas não tiverem complicações.

Na primeira ninhada, conta, costuma haver de seis a oito filhotes e na segunda entre 12 e 15 filhotes.

Manter a pureza das raças

Para Gilson, a honestidade com os compradores é fundamental. “Se o cão for misturado, não pode ser vendido, é desonestidade com o comprador e isso é algo que tem acontecido sempre”, enfatiza.

Actualmente, a raça mais acessível é o Pitbull, que pode ser vendido por valores que variam de cinco a 20 mil escudos. No entanto, Gilson alerta para a falta de responsabilidade de alguns criadores, que reproduzem sem os devidos cuidados, o que pode prejudicar a qualidade das raças e enganar os compradores.

Este criador conta que tem uma lista de pessoas interessadas nas crias e faz reservas antes mesmo de iniciar o cruzamento dos cães, o que facilita a venda.

Além disso, toma cuidados especiais com a saúde dos cães e das cadelas, vacinando e desparasitando regularmente. “Antes de vender, vacino os filhotes e sigo um protocolo de cuidado antes de entregar ao dono”, assegura.

Com a crescente popularidade de cães de grande porte, Gilson já vendeu filhotes para outras ilhas do arquipélago, como Brava, Sal, Maio, Fogo e São Vicente.

Eric Barbosa, entretanto, lamenta a falta de uma base de dados de pedigree em Cabo Verde, o que gera dificuldades para quem busca cães de raça pura. “Aqui não temos uma base de dados que é o pedigree para que as pessoas tenham garantia de que está a comprar o cão pretendido”, lamenta, mencionando que trouxe microchips de Portugal para criar a sua própria base de dados interna.

“Ter uma base de dados de pedigree em Cabo Verde seria ouro sobre azul. Porque a importação de cães não tem futuro”.

“O preço lá fora não tem nada a ver com os preços aqui. Os cinquenta contos daqui é uma pechincha lá fora porque um Rottweiler de um pedigree que não é campeão custa em torno de três mil euros e um filho de um campeão ou de um campeão de exposição custa seis mil, ou oito mil euros”, relata.

Os microchips, argumenta Eric, serviriam não apenas para evitar o cruzamento sem conhecimento de cães diferentes que depois são vendidos como sendo uma raça que não é, o que gera o abandono.

“As primeiras diferenças são as físicas porque a partir dos dois meses nota-se a mudança de pelagem, a cabeça fica mais volumoso, o tamanho do focinho tudo é padronizado. São medidas que a partir do momento que sai do padrão nota-se logo”, exemplifica.

Com a base de dados além da garantia de comprar um cão de raça pura, justifica, o Governo passa a cobrar pelos filhotes vendidos.

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“Mas também a partir do momento que se coloca o microchip temos informação da vacinação do cão, registo de doenças e quando a pessoa falha é-lhe chamado a atenção. O microchip permite criar um controlo e quem ganha são os cães”, acredita.

Recuperação da raça Rottweiler

Além da criação, Eric está a desenvolver um projecto para recuperar as características genuínas do Rottweiler.

Conforme afirma, muitos dos exemplares vendidos hoje em Cabo Verde, por preços entre 25 e 35 mil escudos, não são puros.

“Quem conhece a fundo o Rottweiler pode perceber que os exemplares que estão a ser comercializados aqui apenas têm preto e castanho, mas não têm nada de Rottweiler”, explica.

Eric destaca a importância de preservar as características físicas e psicológicas da raça e alerta que, ao cruzar sem critérios, o resultado são cães com problemas genéticos ou características indesejadas.

“Eu não faço criação de machos para não entrar a fundo na comercialização de cães”, confessa Eric, que prefere focar nas fêmeas e garantir uma reprodução de qualidade.

“Prefiro sempre que o parto seja normal, não gosto também de inseminação artificial. Gosto sempre de tudo ao natural”, comenta.

Razão pela qual Eric não vende os filhotes a qualquer pessoa, ao menos que seja um criador sem intuito de venda.

“Primeiro porque não sabe fazer a combinação entre uma raça e outra e pode estragar a raça completamente, segundo porque não gosto de ver como ficam com o passar do tempo”.

“Principalmente as fêmeas, se eu pudesse ficar com todas as fêmeas, porque os machos ainda se mantêm bonitos. Mas, as fêmeas não porque não limitam o número de barriga”, fundamenta.

Roubo, outro desafio

Segundo Gilson, outro problema enfrentado é o roubo de cães, algo que se tornou comum devido ao alto valor de algumas raças.

“Devido ao preço desses animais, acontece muito de roubarem os animais”, lamenta.

Na mesma linha, Eric conta que teve uma fêmea roubada e precisou prometer filhotes como recompensa para recuperar o animal. “Foi um processo de quatro a cinco meses até ter o mandato para ir buscar a minha Rottweiler. E na primeira ninhada dela não fiquei com nenhum filhote porque tive de pagar todos os que me ajudaram a recuperá-la”, conta.

Grupos de ajuda

Gilson acredita que os cabo-verdianos têm um carinho especial pelos animais, apesar das dificuldades económicas.

“Os cabo-verdianos gostam tanto dos animais quanto das pessoas, mas às vezes a falta de condições atropela a forma de cuidar”, reflecte.

Segundo diz, há vários grupos nas redes sociais onde amantes de cães de grande porte trocam experiências, dicas de alimentação e cuidados com a saúde dos animais.

Por seu turno, Eric ressalta a necessidade de criar uma associação para criadores, a fim de garantir melhores práticas e promover o bem-estar dos cães.

“Nós todos somos conscientes de que devemos começar por uma associação”, diz Eric, embora reconheça que o foco de muitos criadores está apenas na reprodução e venda, sem preocupação com a saúde e qualidade dos animais.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1194 de 16 de Outubro de 2024.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,20 out 2024 17:09

Editado porSheilla Ribeiro  em  20 out 2024 17:39

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