A Polícia Judiciária, anunciou, no passado dia 28, a detenção de um homem de 35 anos, em flagrante delito, na posse de 72,33 gramas de MDMA (ecstasy), distribuídos em duas saquetas médias e 12 pequenas doses individuais.
O homem foi detido no bairro de Tira-Chapéu, na Praia, e a PJ apreendeu no local, fragmentos de plástico transparente para acondicionamento de estupefacientes, uma balança de precisão (que continha resíduos de cocaína) e uma certa quantia monetária em notas cabo-verdianas e estrangeiras.
“Este tipo de drogas existe há muito tempo em Cabo Verde, já circula há muito”, conta fonte policial ao Expresso das Ilhas quando questionado sobre a apreensão de MDMA na cidade da Praia.
“Em termos de operações, de apreensões, temos feito o necessário para prevenir e combater a circulação. Sabemos que esse tipo de drogas circula em lugares de diversão nocturna, normalmente nas ilhas com vocação turística, tipo Sal, Boa Vista e São Vicente e também em Santiago”, revela.
A entrada de drogas sintéticas em Cabo Verde está a ser investigada pelas autoridades e são muitos os pontos por onde estas podem entrar no país, desde aeroportos e portos, por onde há a possibilidade de entrarem através dos “bidões dos nossos emigrantes, como acontece com as armas e munições que são apreendidas. Presumimos que é por essa via que normalmente os traficantes fazem circular esse tipo de drogas no país”, acrescenta a mesma fonte.
Ao contrário do que acontece com outro tipo de drogas “como a cocaína”, em que Cabo Verde é ponto de passagem, “uma boa parte do MDMA” que entra no país “fica aqui em Cabo Verde para consumo interno” e não estará associado ao tráfico de outras drogas. “Acho que é uma droga que entra à parte, eu acho que normalmente os empresários, os proprietários dos bares, dos lugares de diversão naturalmente, solicitam”.
Sendo uma droga mais comum nas ilhas de maior turismo, a apreensão de MDMA é reflexo, diz esta fonte policial, do “aumento de locais de diversão de turismo aqui na cidade da Praia”.
Além disso, aponta, é convicção das autoridades policiais que há outros estupefacientes a circular no país “que não constam das tabelas dos anexos da lei da droga, porque nós só consideramos drogas as que constam das tabelas”.
Metanfetaminas e drogas sintéticas
Em Cabo Verde, a presença de metanfetaminas e outras drogas sintéticas tem se tornado uma preocupação crescente, embora o tráfico e o consumo de drogas tradicionais, como a cocaína, ainda sejam prevalentes.
A localização geográfica do país no Atlântico têm inserido Cabo Verde numa rota de trânsito importante para drogas destinadas à Europa e à América do Norte, principalmente devido à sua proximidade com a África Ocidental e o seu acesso ao mercado europeu.
Em 2023, em declarações ao Expresso das Ilhas, José Rebelo, especialista na área da segurança, referia que “as tendências mostram claramente que, nos últimos anos, tem havido uma evolução daquilo que se conhecia das noções de rede para Cabo Verde. Sempre se trabalhou a ideia de que Cabo Verde era um mercado de passagem. Hoje vê-se claramente, pela quantidade de apreensões de droga vindas do aeroporto de Lisboa, sobretudo para a Praia e São Vicente, que há uma tendência de experimentação na criação de uma nova rota”.
“Tenho firmes convicções, e pelas informações e alertas que tenho recebido, de que há drogas sintéticas em circulação no mercado nacional. Sobretudo para a camada jovem entre os 14 e os 35 anos”, apontava igualmente este especialista em declarações ao Expresso das Ilhas.
Costa ocidental africana
A produção e o tráfico de metanfetaminas na costa ocidental africana vêm crescendo nas últimas décadas, transformando a região num ponto estratégico para o tráfico de drogas entre a América Latina, Europa e Ásia.
A África Ocidental é um local de interesse para o tráfico internacional devido à sua localização, infra-estrutura limitada de fiscalização e governos que, em muitos casos, enfrentam dificuldades em combater o crime organizado.
Embora a produção de metanfetaminas em grande escala ocorra principalmente em países asiáticos, como Myanmar e Tailândia, alguns países da África Ocidental têm registos de pequenas operações de fabricação da droga, especialmente na Nigéria. Esses laboratórios em geral produzem para o mercado interno e, eventualmente, exportam pequenas quantidades.
Segundo dados da ONU, 14 laboratórios de drogas foram destruídos na zona da África Ocidental, a maior parte na Nigéria, mas também no Senegal, entre 2014 e 2021. Oito destas instalações produziam metanfetaminas.
Os laboratórios na região costumam ser improvisados e possuem baixa tecnologia, o que, no entanto, não impede a produção de metanfetaminas de alta pureza, apontam as autoridades internacionais, que destacam igualmente o “aumento de elementos químicos vindos da Ásia, necessários para a produção de metanfetamina, o que indica um possível crescimento na capacidade de fabricação local”.
A Nigéria e o Gana têm sido pontos de destaque para o tráfico de metanfetaminas, em parte devido à influência de redes criminosas estabelecidas há décadas no tráfico de cocaína e heroína.
Droga da ‘noite’
Em 2023, em conversa com o Expresso das Ilhas, S. assegurou que “as drogas sintéticas circulam em grande quantidade nos bares e discotecas da Praia”.
O MDMA e o Ecstasy são agora a droga de eleição dos mais jovens, assegura. “Um comprimido custa entre 300 e 500$00. Eles juntam-se e cada um contribui para que o possa comprar. Depois compram uma garrafinha de grogue onde dissolvem o comprimido e já estão ‘servidos’ para a noite toda”, revela.
“Os comprimidos são uma droga que não dá trabalho. Ninguém faz uma linha de cocaína em cima da mesa do café ou do bar… Não se fuma padjinha ou crack num sítio onde o risco de se ser apanhado é grande. Com os comprimidos ninguém dá conta. Deita-se na garrafa e ele desaparece. Ninguém sabe o que estás a consumir”, conta, reforçando que “nos bairros periféricos da cidade da Praia a droga dominante entre a população mais nova é o MDMA”.
Em São Vicente o cenário é idêntico.
Na mesma reportagem sobre o consumo de drogas era relatado que o MDMA é uma droga em voga também nas noites de São Vicente.
“Temos tido um aumento significativo, nos últimos tempos, do consumo de MDMA, particularmente no contexto de festas, porque inibe o sono e o cansaço. Portanto, das informações que temos, há muito consumo e está a aumentar cada vez mais”, relatava fonte policial.
“Neste momento, os jovens estão a consumir cada vez mais. Serão jovens entre 15-21, até 22 anos, ainda pessoas com, alegadamente, pouca responsabilidade. É nesta faixa etária que registamos muita incidência”.
O que é MDMA?
MDMA é uma substância psicoactiva que tem efeitos estimulantes e alucinógenos leves. Conhecido popularmente como "ecstasy" ou "molly", na sua forma pura causa sensações de empatia, bem-estar, aumento de energia e euforia, o que o tornou uma substância bastante usada em contextos recreativos, especialmente em festas e raves.
Essa droga actua principalmente nos neurotransmissores do cérebro, como a serotonina, a dopamina e a noradrenalina, o que explica o seu efeito estimulante e empático.
Contudo, o uso de MDMA pode causar diversos efeitos colaterais, incluindo desidratação, aumento da frequência cardíaca, náuseas, e, em alguns casos, episódios de ansiedade e depressão. O seu uso frequente e em doses elevadas pode também provocar danos nos neurónios que produzem serotonina, levando a problemas de memória e humor a longo prazo.