Há cada vez mais universitários que usam ferramentas como o ChatGPT para fazer pesquisas e elaborar os trabalhos, conforme os entrevistados pelo Expresso das Ilhas.
Falámos com Aristides Santos, estudante de Relações Públicas e Comunicação Empresarial, que afirma que os estudantes estão a explorar a IA para alinhar os seus trabalhos e estruturá-los de forma mais eficiente.
Contudo, deixa claro que a utilização dessas ferramentas tem dividido a opinião no meio académico, pois há quem acredite que nada mais é do que uma nova forma de fazer plágio.
O estudante de Relações Públicas e Comunicação Empresarial acredita que a IA pode complementar os estudos, desde que usada correctamente.
“Se for utilizada de maneira ética e como suporte à investigação e ao pensamento crítico, pode ser uma mais-valia”, considera.
Por sua vez, Carmina Santos, também estudante de Relações Públicas e Comunicação Empresarial, admite recorrer à IA como apoio.
“Às vezes, uso o ChatGPT para complementar as minhas ideias ou mesmo para melhorar um trabalho que tenha feito”, reconhece.
Uma das maiores vantagens dessas ferramentas, conforme Carmina, é a redução no tempo de estudo e de elaboração dos trabalhos.
Os docentes, entretanto, percebem quando os alunos recorrem a essas ferramentas, segundo conta a estudante.
“A maioria dos professores consegue identificar um trabalho feito pela IA e costuma aconselhar um uso responsável e prudente dessas ferramentas”, aponta.
Dependendo da forma como a IA é utilizada, assim será o impacto na aprendizagem, conforme Carmina.
“Caso o uso seja ponderado, pode ser uma excelente ferramenta, mas se vivermos na dependência do ChatGPT, o aprendizado pode regredir, pois perdemos a capacidade de pensar, argumentar e desenvolver ideias próprias. Infelizmente, muitas vezes, o uso da IA tem sido feito de forma errada, comprometendo a vida académica, principalmente nesta questão do plágio”, afirma.
Isto porque, segundo a estudante, muitas vezes, a IA, dependendo do que lhe for pedido, pode fazer um “copy-paste” de um trabalho desenvolvido por outrem.
Confiar mesmo com aviso
O Expresso das Ilhas também falou com Adilton Morais, estudante de Gestão de Recursos Humanos.
Este universitário admite que usa o ChatGPT e o Aithor.com para fazer os trabalhos. Nos testes, só não os usa porque não são permitidas consultas.
“Muitas vezes, até tenho uma ideia, mas não sei como desenvolvê-la, e a IA é óptima para orientar. Dá uma ideia de onde iniciar e dos pontos-chave que devem ser destacados no trabalho”, explica.
No entanto, o estudante revela que faz um uso moderado dessas ferramentas, porque os trabalhos, na universidade onde estuda, são submetidos a uma plataforma que consegue identificar e avaliar a percentagem de utilização da IA.
Aliás, refere, só consegue utilizar a IA em casa devido à restrição do seu uso dentro da Universidade.
“No Wi-Fi da escola, o ChatGPT e outras ferramentas de IA não funcionam, está tudo bloqueado”, acrescenta.
Adilton acredita que a IA complementa os estudos e que agora os estudantes têm tudo nas mãos.
“A única coisa é que já não nos esforçamos tanto. Mas tem muitas vantagens, e até os professores usam”, observa.
O estudante afirma confiar em todas as respostas do ChatGPT, por exemplo, a ponto de não verificar a veracidade das informações fornecidas por este.
“Eu confio no ChatGPT, mas o próprio recomenda que não se confie totalmente na informação, porque pode estar sujeita a erros. Eu nem costumo verificar as respostas, até agora não fiz nada de errado com as suas informações”, conclui.
IA não é vilã da educação
Para Lucilene Gomes, docente e coordenadora do curso de Marketing e Multimédia na Universidade de Santiago, a IA foi um divisor de águas no que toca ao esforço dos estudantes, seja para o bem ou para o mal.
“O que nos obriga a reflectir sobre como enquadrá-la de forma que se torne uma aliada do sentido crítico, e não o contrário”, reflecte.
Tal como aconteceu com a Internet, Lucilene Gomes considera que a sociedade precisará de se adaptar a esta nova realidade com novas exigências, inclusive a nível legal e regulamentar.
“As novas tecnologias moldam e são moldadas pela sociedade, pelo que devemos estar conscientes das mudanças associadas à introdução de tais novidades. No entanto, acredito que o foco da regulamentação não deva ser na limitação, mas sim na garantia de uma IA ética e de utilizadores conscientes”, observa.
A nível da IA generativa, a docente aconselha os alunos a encararem o conteúdo gerado como um guia ou uma inspiração, mas nunca como uma solução final para a sua problemática.
“Esta recomendação tem por base várias razões, destacando-se entre elas questões de propriedade intelectual, sentido crítico e ética. Acredito que, actualmente, temos assistido a uma montanha-russa de impactos da IA nos ambientes de ensino, muito pelo uso pouco orientado que lhe tem sido dado”, diz.
Entretanto, Lucilene Gomes diz que não se deve encarar a IA como uma vilã do cenário educativo, assim como a Internet não o é.
“O que devemos fazer é traçar estratégias para maximizar os impactos positivos, de modo que se faça um uso produtivo da IA, algo perfeitamente ajustável ao contexto do ensino superior.”
“Poderá ser uma excelente ferramenta para a optimização de processos, previsões, análises em tempo recorde e exploração de novos horizontes, mas, decerto, nunca poderá pensar por nós, ou pelo menos não deveria”, argumenta.
Apesar de a IA se revelar um “novo” desafio para os docentes nos processos de avaliação, Lucilene Gomes ressalta que já existem diversas ferramentas que podem auxiliar na verificação dos conteúdos, de modo a ser possível identificar situações em que o conteúdo é produzido por meio da Inteligência Artificial.
“Sendo assim, acredito que o grande desafio é estarmos sempre actualizados e preparados para definir ferramentas que garantam que o ensino se torne inovador, mas sem perder a sua credibilidade”, realça.
Lucilene Gomes é uma das organizadoras da Conferência IndabaXCabo Verde, cuja primeira edição aconteceu em Novembro de 2024, com o objectivo de difundir conhecimento e apoiar o desenvolvimento de competências relacionadas com o Machine Learning e a IA em países africanos.
Esta conferência, entretanto, já é organizada em outros países do continente, tendo origem numa iniciativa-mãe intitulada Deep Learning Indaba, uma grande conferência que acontece anualmente para reunir diferentes públicos interessados na Inteligência Artificial em África.
A intenção é que o evento se realize todos os anos, enquadrando a IA em cada edição numa problemática específica do contexto nacional.
Quando a ajuda gera dependência
Por seu turno, o professor e coordenador do curso de Engenharia Informática, também na Universidade de Santiago, Valério Santos, considera que, por um lado, a IA ajuda os alunos a serem mais eficientes e a produzir trabalhos mais rapidamente e, por outro, gera dependência.
“Também conseguem facilmente sintectizar informações, o que contribui para a sua eficiência. Mas, por outro lado, noto uma certa dependência no uso dessas ferramentas”, avalia.
Conforme o docente, muitos estudantes não têm espírito crítico para analisar ou para ver a ferramenta de IA como um amigo que os orienta e ajuda no seu percurso, mas, em vez disso, usam essas ferramentas como uma “bengala”.
“E esse suporte, por vezes, leva a que não se desenvolva o espírito crítico e até compromete aspectos de ordem ética, como, por exemplo, a propriedade intelectual e o plágio”, precisa.
Se, por um lado, há uma dependência dos alunos na utilização das ferramentas de IA, por outro lado, Valério Santos defende que os professores devem acompanhar os alunos tanto na questão tecnológica como na orientação pedagógica.
“Ou seja, devem auxiliar os alunos nesse processo para que tirem o maior proveito dessas ferramentas, potenciando a sua criatividade, e não apenas recorrendo ao copy-paste sem qualquer preocupação com questões de autoria”, defende.
O docente admite, entretanto, que não é muito apologista da limitação do uso da IA nas instituições de ensino.
Pelo contrário, acredita que se deve promover um uso consciente, respeitando os direitos autorais e evitando o plágio.
“Podemos, sim, acompanhar e mesmo auxiliar nesse processo de utilização da IA, mas não no sentido de impedir, limitar ou mesmo regulamentar. Porquê?
Porque as ferramentas de IA são fenomenais, ajudam imenso, em vários aspectos: produtividade, acesso rápido e eficiente à informação, criação de cenários, debates, exercícios e síntese de conhecimento”, defende.
Além de incentivar a utilização de diversas ferramentas, incluindo da IA, Valério Santos encoraja os alunos a partilharem entre si as ferramentas que conhecem para que todos possam beneficiar delas.
A limitação, prossegue, deve incidir mais sobre o uso inadequado dessas ferramentas, impedindo que sejam utilizadas para enganar os professores, sem que os alunos dominem realmente os conteúdos.
“Mesmo para a execução dos trabalhos, podem e devem utilizar essas ferramentas, no sentido de gerar ideias que não tinham considerado antes, aprimorar as suas respostas ou encontrar caminhos alternativos. O objectivo deve ser auxiliar no processo de aprendizagem, e não se tornar num mero consumidor dos resultados da IA”, aconselha.
Valério Santos aponta como exemplo de ferramenta que recomenda aos alunos o DeepL, que faz a tradução automática de línguas e que considera superior ao Google Tradutor.
“Esta ferramenta também tem algumas funcionalidades muito interessantes, como, por exemplo, o aprimoramento dos textos. Para quem está numa área académica, é sempre útil escrever bem e melhorar o conteúdo do seu texto produzido, além de outras funcionalidades”, justifica, acrescentando que também incentiva o uso de IAs generativas.
De uma forma geral, Valério Santos avalia como positivo o impacto da IA no processo de aprendizagem e avaliação dos alunos.
“Falando das ferramentas de IA, e em específico das IA generativas, como o ChatGPT, a qualidade da pergunta está directamente proporcional à qualidade da resposta”, analisa.
“Ou seja, quanto mais conhecimento específico o aluno tem sobre um assunto ou tema, melhor consegue formular perguntas à IA e obter respostas significativas. Caso contrário, perguntas superficiais resultarão em respostas igualmente superficiais”, aponta.
Aliás, diz, esse é um dos aspectos que os docentes tentam evitar. Segundo Valério Santos, muitos alunos acreditam que, por terem uma ferramenta como esta, já não precisam estudar ou aprofundar conhecimentos.
“Então, limitam-se sempre a obter respostas rápidas, mas sem profundidade”, pontua.
Aos alunos, o professor recomenda que façam uma análise crítica das respostas fornecidas por estas ferramentas e que não aceitem qualquer resposta como verdade absoluta.
Nesse sentido, refere que a IA tanto pode ajudar como prejudicar as aulas e a avaliação dos alunos.
“As ferramentas de IA, principalmente as generativas, ajudam na criatividade, no brainstorming, na análise de casos alternativos e na síntese de textos, auxiliando no estudo e na aprendizagem”, indica.
Por outro lado, atrapalha quando o aluno não desenvolve análise crítica e se torna demasiado dependente dessas ferramentas.
“Inclusive ao ponto de tentar enganar, copiar e colar respostas sem sequer as ler”, conclui.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1210 de 5 de Fevereiro de 2025.