Os acidentes de viação envolvendo carrinhas que transportam passageiros na caixa, e que resultam em perda de vidas, continuam a ser uma realidade nas nossas estradas.
Um pouco por todo o país, o transporte de moradores de zonas remotas, de trabalhadores e de turistas continua a acontecer na caixa de veículos ligeiros, inicialmente projectados para transportar carga e posteriormente adaptados localmente. É também nesses espaços precários – e aí sem qualquer adaptação – que se dão muitas boleias, em viaturas particulares.
Se o pior acontece, em caso de colisão, despiste ou capotamento, os riscos são enormes, resultando, muitas vezes, em ferimentos graves ou morte.
Emiliano Tavares, natural de São Vicente, perdeu a mulher em Fevereiro de 2021, após ter caído de uma viatura dos serviços de saneamento da autarquia local.
“Aconteceu com amigos meus, aconteceu com uma professora que era de Jorge Barbosa. Em Cabo Verde, costumamos tomar medidas apenas depois das tragédias acontecerem. Já ocorreram acidentes mortais na estrada de São Pedro, na estrada da Galé, e a minha mulher também perdeu a vida depois de cair da caixa de um carro. Vemos famílias a serem destruídas, jovens e adolescentes a perderem a vida nestes acidentes”, lamenta.
Em Santo Antão, a escassez de opções de transporte público regular leva muitas pessoas a recorrerem a carrinhas de caixa aberta para se deslocarem entre as comunidades rurais e os centros urbanos. Adelino Cruz, presidente da Associação dos Condutores de Hiaces da ilha, explica que, apesar dos riscos, este tipo de transporte é, para muitos, a única solução.
“Em Santo Antão ainda temos necessidade de andar nestas carrinhas, porque, na ilha, o transporte público tem aquele horário, que é para ida e volta. Às vezes, as pessoas ficam enrascadas para apanhar o transporte para irem para casa ou tratar de algum assunto urgente e, numa carrinha daquelas, mesmo que mal transportadas, elas desenrascam-se”, observa.
No interior de Santiago, o cenário não é diferente. A deslocação das pessoas para as comunidades no interior também é feita em carrinhas de caixa aberta. Edmilson Fernandes, condutor em Assomada, reconhece os perigos, mas diz que são minimizados com algumas adaptações nos veículos.
“Sabemos dos perigos e é por isso que temos de ter mais responsabilidade com os passageiros, porque os carros de caixa aberta têm algum perigo, alguém pode cair do carro, apanhar alguma fractura. Sabemos que, hoje em dia, muitos condutores abusam de bebidas alcoólicas, mas estamos cientes disso e temos de ser responsáveis”, nota.
Francelino Monteiro, da Escola de Condução Jovem, não tem dúvidas de que o transporte de passageiros deve ser feito apenas em veículos de passageiros, salvo nas excepções previstas na lei.
“O transporte de passageiros tem de ser feito apenas nos veículos de passageiros. Há transgressões em que, muitas vezes, os particulares transportam pessoas na caixa aberta, o que é proibido. Algumas empresas podem fazê-lo, mas com autorização. Se não tiver autorização, não pode. Cabe a quem de direito fazer a fiscalização e punir os infractores, porque sabemos que é bastante perigoso transportar pessoas em viaturas de caixa aberta”, lembra.
Transportar passageiros em viaturas de mercadorias é proibido pelo Regime Jurídico Geral de Transportes em Veículos Motorizados, mas a lei admite algumas excepções, mediante autorização da Direcção-Geral dos Transportes Rodoviários e cumpridos determinados requisitos prévios. São exemplos o transporte de e para localidades com maus acessos e poucas ofertas de mobilidade ou o transporte de trabalhadores em veículos ligeiros de mercadorias. Não há excepções para boleias.
O comandante da Esquadra de Trânsito de São Vicente, da Polícia Nacional (PN), comissário Maurino Neves, apela a uma atenção redobrada por parte dos condutores.
“Há uma inspecção extraordinária antes da emissão da autorização. A lotação do veículo é definida em função das condições do veículo em si. A lotação é definida também de forma que as pessoas estejam em segurança durante o transporte. E o condutor também deve estar ciente de que estará a transportar pessoas”, resume.
O oficial da PN recorda que, em caso de acidente, podem existir problemas com o seguro para passageiros fora dos locais previstos no livrete.
“Apelamos ao cumprimento do estabelecido na lei por parte dos condutores. E também ao bom senso, em termos dos passageiros, que muitas vezes estão na caixa da viatura, pagando o seu dinheiro, e desconhecendo que aquele veículo não é um veículo apropriado para o transporte”, acrescenta.
A PN lembra que não consegue estar, ao mesmo tempo, em todos os locais, mas promete continuar a fiscalização, com especial atenção às zonas de maior risco. Porém, o comissário Maurino Neves lembra que a segurança rodoviária depende de todos.
“Em muitas das situações, a população acaba por não entender a intervenção da polícia, principalmente quando acabamos por colocar os passageiros no chão, estes que estão a ocupar a caixa da viatura, e agir em conformidade com o condutor, aplicando a coima em conformidade com o Código de Estrada. As pessoas devem entender que a polícia trabalha naquele sentido, prevenindo que tenhamos situações mais graves”, sublinha.
A mais recente tragédia em São Vicente, envolvendo passageiros transportados na caixa de um veículo ligeiro e, no caso, particular, ocorreu a 2 de Fevereiro, em São Vicente. Três pessoas perderam a vida.
*com Anícia da Veiga, Fretson Rocha e Lourdes Fortes (da Rádio Morabeza)
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1212 de 19 de Fevereiro de 2025.