Cabo-verdianos em Portugal: A dura realidade de quem busca uma vida melhor

PorEdisângela Tavares,16 mar 2025 16:41

Nos últimos anos, um número crescente de cabo-verdianos tem emigrado para Portugal em busca de melhores condições de vida. No entanto, muitos enfrentam dificuldades inesperadas, desde o alto custo de vida até à exploração laboral e à incerteza de estar em situação irregular.

Carlos, de 32 anos, chegou a Lisboa há oito meses. Sem documentos que lhe permitam trabalhar legalmente, tem aceitado trabalhos informais em obras e armazéns.

"O patrão diz que vai pagar no fim da semana, mas às vezes não paga. Se reclamo, ameaça chamar a polícia, sabendo que estou ilegal. Mas o que posso fazer? Tenho de comer e pagar contas. Aqui, ninguém quer saber se temos necessidades, só querem aproveitar-se da nossa fragilidade. Tenho colegas que já trabalharam um mês inteiro e, no final, nem receberam nada. Se não temos contrato, nem sequer podemos reclamar. Tudo o que posso fazer é aceitar o que vem e continuar a procurar algo melhor. Não é fácil viver assim, mas preciso continuar, porque voltar para Cabo Verde sem nada não é uma opção."

Assim como Carlos, muitos cabo-verdianos que chegam a Portugal acabam por depender de familiares para terem um teto.

"Não há outra opção. O salário mínimo aqui não dá para pagar uma renda sozinho", conta Keila, que divide um pequeno apartamento na Amadora com mais seis pessoas. "Todos trabalhamos, mas só assim conseguimos pagar as despesas. E, mesmo assim, é difícil. Há dias em que não há dinheiro suficiente nem para a comida, e os preços só aumentam. Cada mês é uma luta para mantermos o pouco que temos, mas desistir não está nos nossos planos."

Contrato de trabalho

Ivanildo deixou Cabo Verde convencido pelo irmão de que Portugal seria a solução para uma vida melhor. Antes de partir, já tinha iniciado a construção da sua casa própria e começado a vida com a sua família – a esposa e duas filhas. Para obter o visto, precisou de um contrato de trabalho enviado pelo irmão. Ao chegar a Portugal, viu-se obrigado a trabalhar para pagar a dívida do contrato de trabalho. Agora, com um salário mínimo, pagando essa dívida e outras despesas, não lhe sobra dinheiro para alugar um quarto nem para ajudar a família em Cabo Verde.

Sem condições para alugar um quarto, Ivanildo dorme na varanda do quarto do irmão, enfrentando o inverno rigoroso. O irmão que o acolheu vive com a companheira, tornando o espaço ainda mais apertado e a convivência tensa.

"Nunca pensei que ia viver assim, ao relento, na varanda de alguém, com um cobertor fino. Mas não posso reclamar, porque sem ele nem teria onde ficar. Não há privacidade para ninguém, estamos sempre em conflito, e o que prevalece aqui é o silêncio. Era meu sonho emigrar para a Europa, já sabia das dificuldades, mas o que nunca imaginei era ver o meu próprio sangue virar-me as costas. A Europa torna-nos solitários, sem família, sem amigos. Aqui, não temos onde pedir ajuda ou a quem recorrer."

Pressão da família e o medo de falhar

O regresso a Cabo Verde não é uma opção fácil para muitos emigrantes, que se veem presos entre a dura realidade que enfrentam em Portugal e as expectativas dos familiares no arquipélago.

"A minha família lá pensa que estou bem, mas, na verdade, mal tenho o que comer. Tenho vergonha de dizer a verdade. Não quero voltar de mãos vazias. Qualquer cabo-verdiano que sai do seu país em busca de uma vida melhor teme regressar e ser visto como um fracassado, enquanto a pressão dos familiares só aumenta. Dizem que, se eu voltar sem nada, vão ver-me como alguém que desperdiçou uma oportunidade, como se fosse fácil fazer dinheiro aqui. Mas como posso continuar assim? Trabalhamos horas a fio, muitas vezes sem contrato, sem garantias, aceitando qualquer serviço para sobreviver. E, no fim, o que sobra? O mínimo para pagar dívidas e tentar não passar fome. Quando penso em regressar, lembro-me do que deixei para trás: a minha esposa, as minhas filhas, a casa que comecei a construir. E sinto que falhei. Mas, ao mesmo tempo, sinto que estou a perder-me aqui, numa vida sem segurança, sem conforto, sem um futuro certo."

Luta pela sobrevivência

O custo de vida elevado tem levado muitos a procurarem alternativas precárias, como a invasão de terrenos e a construção de barracas em zonas periféricas de Lisboa.

"Eu nunca pensei que viria para Portugal e acabaria a morar numa barraca", lamenta Luís Monteiro. "Mas, quando cheguei, vi que pagar um quarto já era um luxo. Agora vivo numa construção improvisada com mais três amigos. Pelo menos, não dormimos na rua."

Mas nem todos têm essa sorte. Há quem acabe por dormir em estações de comboio ou debaixo de viadutos.

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"Cheguei há quatro meses e ainda não consegui um trabalho fixo. Vou fazendo biscates aqui e ali, mas não é suficiente para pagar um quarto. À noite, durmo numa estação. É perigoso, mas não tenho escolha", diz David Silva.

Apesar dos desafios, muitos ainda sonham com uma vida melhor.

"Vim com esperança de um futuro digno. Sei que agora está difícil, mas acredito que vou conseguir regularizar a minha situação e arranjar um trabalho estável", afirma Joana.

A realidade da imigração: desafios e oportunidades

Para Mike Bento, ativista social e simpatizante do “Movimento Vida Justa” – que defende os direitos dos imigrantes em Portugal –, a experiência da emigração varia conforme as circunstâncias individuais, mas há desafios comuns enfrentados por muitos cabo-verdianos.

"Eu entendo que falar da imigração é uma questão complexa e que cada pessoa pode tirar as suas próprias conclusões. Estou em Portugal há cinco anos e o que reparei é que emigrar pode ser uma boa oportunidade para quem está disposto a lutar, sacrificar-se e construir a sua vida. Por outro lado, pode ser desafiador para aqueles que não têm determinação, que buscam apenas entretenimento nos fins de semana e que não assumem responsabilidades."

Segundo Mike Bento, as dificuldades para os imigrantes aumentaram significativamente nos últimos anos, tornando o processo ainda mais exigente.

"Entre cinco a dez anos atrás, talvez fosse mais fácil vir para Portugal. O custo de vida era mais baixo, as rendas de casa eram mais acessíveis e as oportunidades pareciam mais promissoras. Agora, as dificuldades são muitas, como problemas na saúde, no transporte, no emprego, na documentação de residência e na habitação. Eu não aconselharia ninguém a deixar a sua casa, família e trabalho sem ter condições adequadas ou promessas concretas de um bom emprego e de um lugar para ficar. Isso é um risco enorme."

O ativista também destaca um problema estrutural que afecta tanto Portugal quanto Cabo Verde: a perda de mão de obra qualificada.

"Portugal precisa criar melhores condições em áreas como saúde, transporte, habitação e emissão de documentos de residência. Contudo, também acredito que o nosso país de origem deve criar condições que incentivem as pessoas a permanecerem em Cabo Verde."

Muitos imigrantes chegam a Portugal com o objetivo de estudar, mas acabam por enfrentar dificuldades financeiras que os obrigam a abandonar a escola e ingressar no mercado de trabalho.

"Nem todos os que vêm conseguem alcançar a vida que imaginavam. A realidade pode ser dura e a luta diária exaustiva. É preciso preparação, determinação e, acima de tudo, consciência do que se enfrenta ao emigrar."

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1215 de 12 de Março de 2025.

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Autoria:Edisângela Tavares,16 mar 2025 16:41

Editado porSheilla Ribeiro  em  16 mar 2025 23:28

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