A nível internacional, e segundo o Relatório Anual do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (2022), mais de 292 milhões de pessoas consumiram drogas em todo o mundo. Destas, mais de 64 milhões desenvolveram dependência, mas apenas uma em cada onze teve acesso ao tratamento adequado.
Emildo do Rosário, hoje com 29 anos, teve o primeiro contacto aos 14 anos, ainda no liceu.
"Comecei a consumir substâncias com 14 anos, por influência, mas também por minhas escolhas. Identifiquei-me com um grupo, como se diz em crioulo, mas diabom, e todos nós abandonámos a escola. Começámos com drogas leves e o nosso consumo foi progredindo", conta.
O consumo continuado de substâncias afasta os utilizadores da família, dos amigos e das próprias ambições, como explica Emildo do Rosário.
"A droga divorciou-me da minha família. Praticamente perdi a minha família, perdi a confiança da minha mãe, perdi a confiança de amigos. A droga corre com todos ao seu redor", reconhece.
A toxicodependência não é apenas uma luta contra uma substância. É uma batalha interna. O vício consome, isola e destrói. Romilton Monteiro, de 36 anos, também começou a consumir na adolescência, sendo o álcool o primeiro produto que experimentou. Aos 15 anos, movido pela curiosidade, experimentou a 'padjinha'.
“Mesmo quando trabalhava, a minha prioridade era sempre o consumo. A única necessidade que eu tinha era a droga. Já não me preocupava com responsabilidades", afirma.
A família, embora muitas vezes sofra em silêncio, é frequentemente o primeiro apoio para quem deseja mudar. Mas a decisão é individual.
Romilton Monteiro tentou afastar-se, indo para a ilha do Maio, mas acabou por afundar-se mais.
"Ganhei dinheiro, mas praticamente tudo ia para o consumo. Voltei para São Vicente e disse à minha mãe que iria procurar ajuda na Granja. Esperei seis meses até conseguir um lugar”, lembra.
Procurar ajuda para abandonar o consumo de drogas constitui, muitas vezes, um dos obstáculos mais difíceis de superar no processo de recuperação.
É necessária coragem para admitir a vulnerabilidade e enfrentar o estigma. Emildo do Rosário tomou a decisão por si próprio.
"Comecei a fazer mal a todos. Tentei pedir ajuda, mas muitas vezes desistia. Então comecei a fazer tudo sozinho. Fui a um psicólogo, fiz as análises e quando faltavam dois dias para eu ir ao centro de tratamento contei à minha família. Queria sair daquela vida. Já não queria ficar ali", declara.
A decisão de procurar auxílio é um momento decisivo que define não apenas o início do tratamento, mas também a esperança de reconstrução de laços familiares e de reintegração plena na sociedade. Vencer a dependência é apenas o começo.
Um centro pioneiro
Na Cidade da Praia, a Comunidade Terapêutica da Granja de São Filipe é pioneira no tratamento da toxicodependência em Cabo Verde.
Desde 2005, mais de mil jovens passaram pela instituição, que oferece um programa de nove meses, combinando apoio clínico com actividades culturais e desportivas.
Romilton Monteiro encontrou na instituição o apoio de que precisava.
“Apareceu a oportunidade de ir para Praia ir tratar na comunidade terapêutica Granja São Filipe e fui. Sou grato ao António Horta, um dos maiores terapeutas da comunidade, e das melhores pessoas que já conheci na minha vida, D. Vanessa, que também era minha terapeuta, e a todos os colaboradores dessa casa”, conta.
Emildo destaca a transformação vivida. Voltou a estabelecer vínculos de confiança com a família e adquiriu novas competências para lidar com desafios emocionais, sem recorrer às substâncias.
“Tenho uma paz dentro de mim. Reconstruí a minha família, vou para o trabalho sem ressaca, hoje sou feliz. Vivia numa prisão, consegui retirar as correntes”, destaca.
A toxicodependência tem impacto profundo e duradouro na saúde mental dos indivíduos.
O uso continuado de drogas está associado ao desenvolvimento de transtornos como depressão e ansiedade, bem como o aumento do risco de psicoses e alterações preceptivas, além de danos cognitivos.
A psicóloga Albertina Coelho alerta para a complexidade dos efeitos das substâncias psicoactivas.
“O nosso cérebro é responsável pela nossa saúde mental e, quando se faz uso dessas substâncias, ocorrem alterações. Muitas provocam transtornos psiquiátricos e distúrbios mentais”, afirma.
A reintegração de um ex-toxicodependente não é tarefa simples. Não se faz apenas com medicação ou terapia. É um processo longo, de reconstrução interior. Requer, o compromisso próprio, mas também da comunidade, família, amigos, empregadores e instituições para oferecer acolhimento, oportunidades e espaços seguros de convivência.