Uso da lace: uma tendência que levanta um alerta para a saúde capilar

PorEdisângela Tavares,1 jun 2025 9:07

O uso da lace – perucas que podem ser coladas directamente ao couro cabeludo – tornou-se uma tendência cada vez mais popular, sobretudo entre mulheres que procuram versatilidade, praticidade ou desejam proteger o cabelo natural. Contudo, o uso contínuo, prolongado e, muitas vezes, desinformado destas extensões capilares tem revelado um lado preocupante: os danos sérios à saúde do couro cabeludo e dos fios.

A crescente popularidade das laces — próteses capilares que oferecem versatilidade e inovação no visual — tem levantado preocupações quanto aos cuidados necessários para garantir a saúde do cabelo e do couro cabeludo.

Em entrevista ao Expresso das Ilhas, a terapeuta capilar Aleida Semedo abordou os sinais alarmantes que tem observado no seu espaço de atendimento e as recomendações para quem pretende aliar estética à saúde capilar.

“Sim, tenho notado o aumento de pessoas com problemas capilares relacionados com o uso de lace. Todas as semanas recebo clientes com diferentes problemas do couro cabeludo”, relata a especialista, acrescentando que as queixas mais comuns incluem desde comichões leves a intensas, inflamação, caspa, dermatite seborreica, até alopecia por tração – uma forma de queda de cabelo provocada pela tensão constante exercida sobre os fios.

“Dos clientes que atendi no espaço, as principais queixas são a tração dos fios na parte frontal e occipital da cabeça, inflamação do couro cabeludo, afinamento dos fios e ressecamento por falta de higienização e pelo uso prolongado da lace”, explica.

Num dos casos mais marcantes que acompanhou, Aleida Semedo descreve uma paciente de 37 anos, usuária de lace há 15 anos. “Ela relatava comichão persistente, descamação leve e, por vezes, feridas e dores na parte frontal da cabeça. Apresentava áreas evidentes de alopecia por tração nas linhas frontal e laterais, com afinamento acentuado dos fios remanescentes e início de rarefação difusa no topo.”

Patologias associadas

Segundo Aleida Semedo, a utilização frequente e inadequada de lace pode estar na origem de várias patologias capilares, sendo as mais comuns a alopecia por tração, dermatite de contacto, eflúvio telógeno e foliculite.

“A alopecia por tração é provocada pelo tempo que a peruca fica colada e pode evoluir para alopecia cicatricial, com perda definitiva dos folículos. Já a dermatite de contacto resulta dos produtos usados para colar e remover a lace. O eflúvio telógeno e a foliculite decorrem da inflamação do couro cabeludo, falta de ventilação e má higiene.”

Além disso, o uso contínuo da lace pode agravar quadros pré-existentes, como dermatite seborreica, psoríase e foliculite, sobretudo quando há abafamento, acumulação de suor, resíduos e ausência de luz solar.

“No caso da dermatite seborreica, por exemplo, a lace favorece a proliferação do fungo Malassezia, o que intensifica a inflamação e a descamação. Já na foliculite, a humidade cria um ambiente ideal para a proliferação bacteriana, especialmente do Staphylococcus aureus. A psoríase responde mal ao stress mecânico, térmico e químico. O calor, a cola e a fricção agravam as lesões e dificultam a recuperação da pele”, alerta.

Recomendações

“No exame que avalia em detalhe o couro cabeludo e os fios, indicamos um descanso temporário do uso da lace, aplicação de óleos anti-inflamatórios e calmantes, sessões quinzenais de terapia capilar, estimulação com aparelhos de alta frequência e a introdução de produtos específicos para higienização.”

A terapeuta capilar defende que, para prevenir estes problemas, é necessária a adopção de práticas saudáveis e conscientes. “É fundamental reduzir o tempo de uso contínuo da lace e alternar com dias de couro cabeludo livre. Usar laces com bases leves, que permitam a ventilação, introduzir tónicos calmantes e antifúngicos naturais, fazer limpezas regulares e suaves, e evitar colas agressivas são medidas básicas mas muito eficazes.”

Quanto à frequência de uso, a terapeuta capilar esclarece que existe um tempo máximo recomendado. “O uso contínuo de lace com cola adesiva não deve ultrapassar os 5 a 7 dias. Com gel fixador ou colas leves, o ideal é 2 a 3 dias. Já as laces fixadas apenas com elásticos devem ser retiradas ao fim de 8 horas e nunca usadas para dormir.”

Quando os danos já estão instalados, Aleida Semedo esclarece que o processo terapêutico exige diagnóstico e acompanhamento profissional.

“O primeiro passo é conversar com o paciente para entender a razão do uso da lace. Depois, faço uma avaliação do couro cabeludo com tricoscópio e uma análise completa, incluindo hábitos de cuidado e uso de químicos.”

Os tratamentos recomendados passam pela aplicação de óleos e extractos naturais com propriedades hidratantes e anti-inflamatórias, massagens capilares para estimular a circulação, sessões com alta frequência e suplementação nutricional. Aleida Semedo também reforça a importância de práticas como actividade física regular, redução do uso de químicos agressivos e o uso de produtos adequados ao tipo de cabelo e couro cabeludo do paciente.

Equilíbrio entre estética e saúde

A terapeuta capilar lembra que o uso da lace, quando feito de forma moderada e consciente, pode, sim, ser compatível com a saúde capilar. No entanto, a ausência de orientação, os longos períodos de uso contínuo, o abafamento do couro cabeludo e a falta de higienização são factores que transformam esse recurso estético numa ameaça à saúde.

“A beleza não deve custar a saúde do nosso couro cabeludo. Cuidar da nossa identidade capilar é também cuidar do nosso bem-estar geral. Informar-se, procurar ajuda especializada e respeitar os limites do nosso corpo é essencial para quem deseja usar lace sem comprometer a saúde dos cabelos”, conclui Aleida Semedo.

“Não é o uso, é o abuso que danifica”

Em conversa com a especialista em cabelos naturais e com curvaturas, Mitza Alfama, fundadora da marca “Kualé Miniz”, dedicada especialmente a cuidados capilares, defende que a adaptação às tendências deve ser criteriosa e sempre com atenção à saúde capilar.

“Estamos sempre atentos às tendências que podem intervir na saúde dos fios de cabelo, retirando o seu aspecto natural. A partir do momento em que constatamos que uma técnica pode degradar a originalidade do fio em si, é motivo de alerta.”

Mitza Alfama salienta que métodos como as laces, a tisagem ou outros estilos devem passar por supervisão técnica. “Não aplicamos química ou alisante para abrir a curvatura do cabelo natural, mas isso não significa que somos contra. Muito pelo contrário, defendemos que cada pessoa deve usar o seu cabelo da maneira que se sinta melhor com ele”, destaca. “Temos as tranças, tisagem, lace, que ajudam na versatilidade do cabelo e na autoestima e estética pessoal. O alerta que fazemos não é para o uso, mas sim para o abuso desta técnica.”

“O couro cabeludo precisa de respirar”

A especialista em cabelos naturais e com curvaturas aponta que o uso prolongado das laces, sem o devido intervalo e manutenção, pode ter consequências sérias. “O que temos notado ultimamente é o uso excessivo desta técnica. Temos penteados como os chamados rabo-de-cavalo, onde aplicamos uma pomada mais firme para dar o efeito de alisamento, ou até mesmo as pomadas fixadoras. Mas não é um penteado para ficar muito tempo no cabelo. É recomendada a remoção no dia seguinte. Podemos reaproveitar, mas não usar em excesso, porque o produto pode danificar os seus fios.”

No caso das laces, os produtos utilizados para fixação merecem atenção redobrada. “Não se pode usar por vários dias seguidos, porque os produtos utilizados para a aplicação podem prejudicar o cabelo e o couro cabeludo. O facto de estar com os poros do couro cabeludo tapados durante vários dias já é prejudicial. Ao aplicar um produto para manter a lace fixa, estamos a obstruir os poros do cabelo, o que pode provocar várias patologias capilares, como dermatite e dermatite seborreica.”

Cuidados

Além do tempo de uso, a forma de aplicação e, principalmente, a remoção das laces são pontos críticos. “O maior problema, a nível estético, do uso das laces está na aplicação e na remoção. Temos notado que pessoas estão a aplicar a lace com colas não apropriadas para a lace e para o couro cabeludo. Isso provoca a tão temida alopecia.”

Mesmo quando se utiliza cola profissional na colocação, os danos podem surgir na remoção. “Se na remoção não usamos o produto correcto, podemos provocar o rompimento de vários fios, arrancando mesmo os fios junto com a lace. Isso pode provocar, por exemplo, a alopecia por tração, que é quando causamos uma agressão mais profunda no couro cabeludo, seja por aplicação de algum produto ou uso inadequado de escovas.”

Segundo a especialista, os fixadores e até mesmo as pomadas exigem cuidados extremos. “Se não tivermos cuidados na remoção, podemos provocar patologias que podem impedir o crescimento do cabelo numa região do couro cabeludo.”

Mitza Alfama destaca que o cuidado com o cabelo natural deve ser a prioridade. “É ele que sustenta a lace ou a tisagem, porque qualquer uma das técnicas precisa do cabelo para ter onde se fixar. Suponhamos que, por algum motivo, a pessoa tenha de usar laces ou tisagem, temos de ter atenção ao modo de aplicação, aos produtos utilizados, como será aplicado, o nível de cosméticos, conhecer bem os produtos a ponto de questionar se podem ser usados no nosso cabelo.” A especialista reforça que não se deve improvisar. “As laces têm produtos específicos para aplicação, manutenção e remoção. Não tentar improvisar ou substituir o produto que não seja para o fim específico.”

Mitza Alfama conclui com um apelo à profissionalização e ao consumo consciente: “Hoje em dia, temos profissionais cada vez mais capacitados. Investir em qualidade é a melhor opção. Temos de entender o cabelo em si, o produto a ser aplicado, como ser aplicado, por quantos dias devemos permanecer com a lace e, principalmente, como a remover sem intervir na saúde dos fios.”

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1226 de 28 de Maio de 2025.

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Autoria:Edisângela Tavares,1 jun 2025 9:07

Editado porAndre Amaral  em  2 jun 2025 15:40

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