Um retrato detalhado da conectividade e da inclusão digital

PorAndré Amaral,6 jul 2025 15:05

O mais recente relatório da DataReportal traça um retrato exaustivo do ecossistema digital cabo-verdiano em 2025, oferecendo uma visão detalhada sobre a adopção e o uso de dispositivos e serviços conectados no arquipélago. Este documento, que se insere no projecto "Digital 2025", revela uma realidade marcada por avanços significativos na cobertura móvel e no uso de redes sociais, mas também por desafios persistentes no acesso universal à internet.

Em Janeiro de 2025, Cabo Verde registava uma população estimada em 526 mil pessoas. Este valor representa um crescimento modesto de 0,5% face ao ano anterior. O arquipélago continua a ser predominantemente urbano: 68,6% da população vive em centros urbanos, enquanto apenas 31,4% reside em zonas rurais. A distribuição por género mantém-se equilibrada, com 50,9% da população a identificar-se como masculina e 49,1% como feminina.

A estrutura etária é marcadamente jovem, com uma idade média de 29 anos. Os dados demográficos revelam ainda que 41,6% da população cabo-verdiana tem menos de 25 anos, uma realidade que apresenta oportunidades e desafios para as políticas públicas, nomeadamente na área da educação digital e do acesso à tecnologia.

Mais cartões SIM do que habitantes

O número de ligações móveis celulares activas em Cabo Verde atingiu os 604 mil no início de 2025, um valor que corresponde a 115% da população total. Este indicador ultrapassa a taxa de penetração populacional, devido à existência de utilizadores com mais de um cartão SIM para fins pessoais e profissionais. Com a proliferação dos eSIMs, tornou-se ainda mais comum a existência de múltiplas subscrições por utilizador.

Em termos de qualidade, 91,4% destas ligações móveis são consideradas de "banda larga", significando que se ligam a redes 3G, 4G ou 5G. Ainda assim, nem todas estas ligações implicam acesso à internet, pois alguns planos contemplam apenas chamadas de voz e SMS.

Internet: Penetração estagnada, mas expansão sustentada

Com 387 mil utilizadores activos, a taxa de penetração da internet em Cabo Verde fixou-se em 73,5% da população total no início de 2025. Este número representa um crescimento marginal (+0,5%) em relação a 2024, apontando para uma estagnação no ritmo de adopção. Cerca de 139 mil cabo-verdianos continuam offline.

Importa salientar que os dados de uso da internet estão sujeitos a atrasos metodológicos, podendo a realidade actual ultrapassar os números oficiais. Mesmo assim, a necessidade de políticas de inclusão digital é evidente, particularmente nas zonas rurais e entre faixas etárias mais velhas.

Redes Sociais: Facebook domina, TikTok cresce

Em Janeiro de 2025, havia 262 mil identidades de utilizadores de redes sociais em Cabo Verde, o equivalente a 49,9% da população total. Destes, 71,5% eram adultos com 18 anos ou mais, com uma divisão por género equilibrada (49,6% mulheres, 50,4% homens).

Apesar da estabilidade no número de utilizadores, a plataforma mais popular — o Facebook — registou uma diminuição de 1,4% entre Janeiro de 2024 e Janeiro de 2025. Esta queda está associada não apenas a alterações comportamentais, mas também a revisões metodológicas nas ferramentas de publicidade da Meta, o que pode ter subestimado o número real de utilizadores activos.

O Instagram, com 127 mil utilizadores, e o TikTok, com 119 mil, continuam a sua ascensão.

Entre Janeiro de 2024 e Janeiro de 2025, o TikTok registou um crescimento notável de 11,3%, sendo particularmente popular entre os homens (61,3%).

O LinkedIn alcançou 88 mil utilizadores, apontando para uma crescente profissionalização da presença online dos cabo-verdianos.

O Messenger, com 215 mil utilizadores, representa 40,8% da população, embora tenha sofrido uma leve retracção (-1,1%) no último ano. Já o X (antigo Twitter) mantém uma presença reduzida, com apenas 16 mil utilizadores, o que corresponde a 3% da população. A maioria dos utilizadores desta plataforma é masculina (71%).

A interpretação dos dados apresentados no relatório exige cautela. Muitos dos números referem-se a "identidades de utilizadores", o que não equivale directamente a indivíduos únicos. Há duplicidades, contas não humanas (empresas, marcas, etc.) e limitações na inferência de dados demográficos, especialmente em plataformas como o X, onde o género dos utilizadores é estimado com base em algoritmos.

Ademais, a inclusão ou exclusão de contas nas ferramentas de publicidade depende de políticas internas das plataformas, que frequentemente fazem "limpezas" de contas falsas ou inactivas, afectando a comparação anual.

O caminho para a inclusão digital

Apesar dos progressos registados, ainda persistem importantes desafios para uma verdadeira inclusão digital em Cabo Verde. A estagnação na taxa de penetração da internet e as desigualdades no acesso entre zonas urbanas e rurais, bem como entre diferentes grupos etários, exigem uma resposta coordenada.

Investimentos em infraestrutura, capacitação digital e conteúdo local relevante são essenciais para garantir que nenhum cabo-verdiano fique para trás na era digital.

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Num arquipélago onde a juventude representa uma fatia significativa da população, apostar na educação digital é também apostar no futuro do país. O "estado do digital" em 2025 mostra que o potencial está presente — agora, é preciso consolidá-lo.

Entre a diversão e a consciência dos riscos

Carolina Soares tem 13 anos e, como muitos adolescentes da sua idade, já faz uso frequente das redes sociais. As suas plataformas preferidas são o WhatsApp, o Instagram e o TikTok. Utiliza o WhatsApp principalmente para comunicar com os amigos e com os pais, enquanto o Instagram e o TikTok servem sobretudo para se divertir.

Apesar da idade, Carolina mostra ter alguma consciência dos riscos associados ao uso destas plataformas. Refere, por exemplo, que tem o cuidado de manter a sua conta do TikTok em modo privado, precisamente para evitar que desconhecidos tenham acesso aos seus conteúdos. “Se eu deixar a minha conta pública, toda a gente pode ver o que eu posto, o que eu faço”, explica, revelando também que limita os seguidores à família e amigos mais próximos.

O Facebook, curiosamente, é uma rede que Carolina não utiliza. E a razão é simples: os pais não permitem. Esta limitação parental acaba por ser uma medida de protecção que reflecte preocupações comuns entre muitas famílias no que toca à exposição digital dos mais jovens.

Questionada sobre os benefícios das redes sociais, Carolina destaca o lado lúdico e a possibilidade de aprender, reconhecendo que estas plataformas podem ser úteis não só para o entretenimento, mas também para o desenvolvimento pessoal, dependendo do uso que se faz delas.

Mia Reis tem 13 anos e, tal como outras adolescentes da sua idade, está presente nas redes sociais mais populares entre os jovens. Utiliza regularmente o Instagram, o TikTok e o Snapchat. Quando questionada sobre o motivo da sua escolha, a resposta é simples: “São as únicas que uso, e todas as minhas amigas também usam.” Para ela, estas redes são uma forma de se manter conectada com o seu grupo de pares e de ver conteúdos que lhe despertam interesse.

Embora não consiga identificar com precisão o que distingue cada plataforma, Mia reconhece algumas particularidades que tornam o TikTok e o Snapchat mais interactivos. Um exemplo é o sistema de “foguinhos”, uma funcionalidade do Snapchat que contabiliza os dias consecutivos em que duas pessoas comunicam entre si. “Vai crescendo um fogo, tipo se fosse um filho”, explica. Já no Instagram, essa funcionalidade não existe, o que, para Mia, representa a principal diferença entre as plataformas.

Apesar de passar tempo nas redes, Mia não as utiliza como fonte de apoio escolar. “Eu não uso essas redes sociais para tirar dúvidas. Prefiro tirar a dúvida com livros ou com a professora”, afirma. Embora reconheça que há vídeos educativos, especialmente no TikTok, diz não confiar nas redes como meio de aprendizagem.

Quanto aos riscos, Mia está consciente dos perigos que o uso das redes pode envolver. Essa consciência não surgiu na escola, mas sim em casa, através dos pais. “A minha mãe e o meu pai é que me explicaram”, conta. Embora não se recorde de ter recebido orientações nesse sentido nas aulas de Cidadania, admite que, em Informática, já foram abordados temas como a importância de criar uma palavra-passe segura e de não a partilhar com ninguém.

Para Ellin Silva, as redes sociais são uma forma de entretenimento e uma maneira eficaz de fazer o tempo passar. Com 12 anos, utiliza principalmente o TikTok, plataforma onde passa parte do seu tempo livre a ver conteúdos engraçados e outros temas que lhe despertam interesse. “Gosto de ver vídeos de curiosidades, vídeos engraçados e essas coisas. Também porque o tempo passa mais rápido quando não tenho nada para fazer”, afirma.

Ellin entende que o principal objectivo das redes sociais é o de entreter, conversar ocasionalmente e explorar conteúdos adaptados aos gostos de cada utilizador. “O algoritmo adapta-se ao que nós gostamos, então aparecem coisas que nos interessam”, explica, destacando a personalização como uma das grandes vantagens destas plataformas.

Apesar da naturalidade com que usa as redes, Ellin demonstra ter consciência dos perigos associados. Reconhece que há riscos ao interagir com pessoas desconhecidas, que podem ter más intenções, e aponta também a presença de conteúdos falsos, comentários ofensivos e a possibilidade de se desperdiçar tempo em excesso nas redes sociais. “Podemos acabar por perder muito tempo”, alerta.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1231 de 2 de Julho de 2025.

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Autoria:André Amaral,6 jul 2025 15:05

Editado porSheilla Ribeiro  em  7 jul 2025 12:34

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