No combate aos mosquitos o principal desafio é a mudança de comportamentos da população

PorSheilla Ribeiro,23 ago 2025 8:50

Assinalou-se a 20 de Agosto, o Dia Mundial do Mosquito, data que serve de alerta para o perigo deste insecto responsável pela transmissão de doenças como dengue, malária, zika e chikungunya. Em Cabo Verde, a abertura ao mundo aumenta o risco de entrada de casos infectados, muitas vezes com longos períodos de incubação. Embora não exista registo oficial de chikungunya no país, doença transmitida pelo mesmo mosquito que espalha a dengue, o Aedes aegypti está presente em todas as ilhas, com densidade particularmente elevada na Cidade da Praia, na ilha do Fogo e em algumas zonas de São Vicente. Segundo o ministro da Saúde, Jorge Figueiredo, o principal desafio é a mudança cultural da população para evitar focos de mosquitos, com cuidados no saneamento básico, manejo adequado da água e controlo dos poços sem fiscalização.

As doenças de transmissão vectorial são um conjunto de doenças transmitidas por vectores que são animais, na sua maioria insectos, que têm a capacidade de transmitir um agente infeccioso de um hospedeiro para outro hospedeiro, conforme explica o administrador do Instituto Nacional de Saúde Pública (INSP), Hélio Rocha.

Dentro das doenças de transmissão vectorial, os mosquitos destacam-se como os vectores de maior importância para a saúde pública, responsáveis pela transmissão de doenças virais com alto potencial epidémico, como dengue, zika, febre-amarela e chikungunya, bem como do parasita Plasmodium, causador da malária, doença que mata mais de 250 mil pessoas por ano, sobretudo crianças menores de cinco anos.

Segundo Hélio Rocha, embora a taxa de mortalidade da dengue, chikungunya, zika e febre-amarela não seja tão elevada quanto a malária, têm uma morbilidade muito elevada e uma capacidade de causar epidemias bastante elevada, principalmente porque estão associadas a um mosquito específico, nesse caso chamado Aedes aegypti, nas zonas tropicais, mas nas zonas um pouco mais temperadas estão associados ao mosquito Aedes albopictus.

“Essas doenças têm uma capacidade de deixar as pessoas com uma comorbidade, ou seja, a pessoa fica bastante doente e debilitada. É verdade que a taxa de mortalidade é bastante baixa, mas as consequências para a saúde são muito elevadas”, explica.

Como, por exemplo, aponta que o vírus da zika, em mulheres grávidas, leva, ao desenvolvimento de fectos com microcefalia (cabeça menor que o normal, podendo afectar o desenvolvimento cerebral).

Além disso, prossegue, muitas dessas doenças víricas estão associadas a problemas neurológicos, pois alguns vírus podem atingir o tecido nervoso, provocando doenças degenerativas com consequências graves para os afectados.

Zika e chikungunya

Hélio Rocha afirma que em Cabo Verde existe sempre o risco de reintrodução da dengue, zika, chikungunya e malária devido à presença do mosquito vector, capaz de transmitir esses patógenos.

“E esses mosquitos continuam em Cabo Verde. E há uma densidade, ou seja, uma quantidade de mosquitos que permite a reintrodução dessas doenças. Isso é um facto”, diz.

“E temos aqui que ser claros para perceber que essas doenças viajam com as pessoas e Capo Verde é um país aberto ao mundo. Então, a probabilidade de alguém entrar no país infectado com essas doenças, com esses micro-organismos, é muito elevado. E todos esses micro-organismos, por uma má sorte, se quisermos, têm um período de incubação relativamente alto”, explana.

Hélio Rocha afirma que não têm sido diagnosticados casos de chikungunya em Cabo Verde, mas ressalta que estudos anteriores identificaram pessoas com presença de anticorpos contra o vírus.

“Foram duas ou três pessoas com presença de anticorpos de chikungunya. Isso quer dizer que já tivemos aqui em Cabo Verde, pode ser que em algum momento entrou e teve uma circulação muito baixa e não deu origem a uma epidemia, essa é uma hipótese”.

A outra hipótese também é que a pessoa tenha viajado para um país onde haja chikungunya circular e foi exposto a esse vírus de forma assintomática.

“Mas o alerta fica sempre. Primeiro porque a chikungunya é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, que é de longe o mosquito mais prevalente e com maior densidade em Cabo Verde”, esclarece.

Conforme complementa o administrador do INSP, esse mosquito está presente em qualquer área do país. “Nas montanhas mais altas encontramos, nos vales mais profundos encontramos, nas ilhas mais desérticas, nas ilhas mais verdes, portanto, o Aedes aegypti está presente e com uma densidade relativamente alta”.

“Em determinadas regiões, bastante altas, principalmente aqui na Cidade da Praia, por exemplo, na ilha do Fogo em algumas zonas, em São Vicente às vezes aumenta um pouco”, detalha.

O INSP faz o acompanhamento deste mosquito o que permite saber a densidade deste mosquito que, segundo Hélio Rocha, é sempre alta.

O responsável alerta que o vírus chikungunya está actualmente a circular em várias regiões do mundo, incluindo o Brasil, com o qual Cabo Verde mantém muitos contactos, nomeadamente através dos estudantes, na costa ocidental africana, na Europa, no Sudeste asiático e em partes tropicais dos Estados Unidos.

Conforme explica, o vírus é transmitido principalmente pelos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, que, originalmente ligados a zonas rurais, adaptaram-se às cidades e actualmente infestam áreas urbanas, onde a sua densidade pode ser muito elevada.

Luta contra mosquito

“O acompanhamento é fundamental. Ele indica se a densidade dos mosquitos está a aumentar ou a reduzir e ajuda a avaliar as intervenções realizadas”, explica Hélio Rocha.

Conforme o responsável, o programa de luta contra o mosquito do Ministério da Saúde trabalha em estreita colaboração com as delegacias de saúde, cujas equipas de luta antivectorial realizam acções de campo e recebem formação contínua.

“Hoje, por exemplo, toda a equipa da ilha de Santiago está na Praia a fazer um refreshing das informações para poderem, neste período de chuva, actuar de forma mais assertiva”, ressalta.

As acções de combate incluem a aplicação de insecticidas e larvicidas para eliminar mosquitos adultos e as suas larvas. Além disso, a comunicação com as comunidades é considerada uma das estratégias mais importantes.

“Fazemos comunicação de risco e de prevenção junto das comunidades porque sabemos que os mosquitos necessitam de água parada para se desenvolver, e grande parte desta água está dentro das casas”, aponta.

O administrador do INSP salienta que, embora 98% da população tenha conhecimento sobre a transmissão por mosquitos, nem sempre os comportamentos reflectem essa informação.

“Sempre apelamos às pessoas para mudarem atitudes relativamente à água. Sem água parada, não existe mosquito adulto”, sustenta.

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A comunicação de prevenção é feita durante todo o ano, por meio de acções porta-a-porta, rádio, televisão e redes sociais.

“Mesmo com quase 500 jovens voluntários a percorrerem casas, só conseguimos alcançar cerca de 20 mil residências na Cidade da Praia em três meses. Mas continuamos a usar todos os meios disponíveis, porque sabemos que a televisão e o rádio atingem mais de 70% da população”, justifica.

Desafio

No que diz respeito ao diagnóstico de doenças transmitidas por mosquitos, Cabo Verde dispõe de know-how, competência técnica e equipamentos adequados, mas a aquisição de reagentes continua a ser um desafio devido ao custo elevado.

“Temos parceiros nacionais e internacionais que nos ajudam a colmatar essas deficiências, garantindo a confirmação do diagnóstico. Para os primeiros casos, enviamos amostras para o Instituto Pasteur de Dakar, laboratório de referência da OMS na sub-região”, esclarece.

Entretanto, clarifica que o envio de amostras para Dakar não significa falta de capacidade, mas sim porque o Instituto Pasteur de Dakar é um laboratório de referência da OMS na sub-região.

“A OMS exige que as amostras sejam, mesmo que sejam confirmadas, que sejam enviadas para o laboratório de referência. Mas já temos no país todas as condições para fazer esses diagnósticos”, garante.

O administrador do INSP deixa ainda um alerta à população de que o mosquito é o animal mais perigoso do mundo, responsável por milhões de mortes anuais devido às doenças que transmite.

“Só consegue sobreviver em água parada. Se conseguirmos eliminar essas águas, estaremos também a contribuir para a eliminação dessas doenças no país”, associa.

Estudo aponta Cabo Verde com potencial de transmissão de chikungunya

O estudo “Competência vectorial de populações de Aedes aegypti da ilha de Santiago, Cabo Verde, aos vírus Zika e Chikungunya”, de Eliane Dias, analisou a competência vectorial do mosquito Aedes aegypti na transmissão dos vírus chikungunya e zika na ilha de Santiago. A investigação abrangeu localidades como Cidade da Praia, Tarrafal, Santa Cruz e Assomada.

“O principal objectivo da dissertação foi investigar a competência das populações da Aedes aegypti nestas localidades”, explica. Os ovos recolhidos foram enviados ao laboratório de entomologia da Fiocruz, em Pernambuco, Brasil, onde se manteve o desenvolvimento até a fase adulta.

“Estes adultos foram sujeitos a uma infecção com os vírus chikungunya e zika, e depois foi feito o processamento para avaliar se tinham capacidade de transmitir estes vírus”, detalha.

Apesar de algumas localidades não registarem casos das doenças, a amostragem foi escolhida para garantir representatividade. “Não foi sobre casos, foi para ter uma maior robustez em termos da amostra e para ser mais representativa”, esclarece.

Os resultados mostraram que os mosquitos da Cidade da Praia são competentes na transmissão de ambos os vírus. “Chikungunya nunca se registou em Cabo Verde. Acredito que tem a ver com a variabilidade genética. Relativamente ao zika, já houve casos. Estes resultados indicam que Cabo Verde pode ser um país com potencial de transmissão destas doenças”, afirma Eliane Dias.

No que diz respeito às medidas preventivas, a investigadora sublinhou a importância de acompanhamento contínuo e avaliação da resistência dos mosquitos a diferentes vírus.

“Este estudo vem como pioneiro, já que não havia nenhum estudo sobre chikungunya no país. Recomendamos o monitoramento contínuo e a avaliação da resistência a diferentes arbovírus, fundamentais para estratégias de controlo mais eficazes e para prevenir futuras epidemias”, recomenda.

Eliane Dias indica ainda que a consciencialização sobre chikungunya ainda é limitada, uma vez que não houve casos registados.

“As pessoas não têm muita percepção sobre a doença. A chikungunya pode causar dores nas articulações que deixam sequelas, e isso deve ser explicado à população”, comenta.

Nesse sentido, sugere campanhas de sensibilização e palestras para informar sobre as arboviroses e preparar a população para possíveis surtos.

Segundo Eliane Dias, a investigação pretende servir como referência para novos estudos e apoiar as autoridades na implementação de estratégias de combate a epidemias.

“Espero que este trabalho seja uma porta de saída e referência para outros estudos, ajudando também as autoridades a implementar estratégias para o combate destas epidemias”, conclui.

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Segundo a OMS, a chikungunya provoca sintomas como febre súbita, forte dor nas articulações, fadiga, erupções cutâneas e dor muscular. Em alguns casos, pode haver dor de cabeça, náuseas e conjuntivite.

As consequências podem incluir dor articular prolongada, fadiga crónica, inflamação nas articulações e, em casos raros, complicações neurológicas ou problemas cardíacos.

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No início deste mês, após a reunião da Comissão Interministerial de luta contra os vectores transmissores do paludismo e outras doenças transmitidas por mosquitos, o ministro da Saúde, Jorge Figueiredo, destacou o esforço contínuo do governo para manter Cabo Verde livre da doença. Sublinhou a importância da cooperação entre ministérios, câmaras municipais e população e fez um balanço positivo das acções em curso.

Segundo o ministro, o principal desafio é a mudança cultural da população para evitar focos de mosquitos, através de cuidados no saneamento básico, manejo adequado da água e controlo dos poços sem fiscalização.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1238 de 20 de Agosto de 2025.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,23 ago 2025 8:50

Editado pormaria Fortes  em  23 ago 2025 13:15

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