No Facebook surgem anúncios de investimentos que prometem lucro em apenas três horas. Mas, afinal, de que se trata? É o que nos vai explicar Maria (nome fictício).
Conforme relata ao Expresso das Ilhas, Maria nunca imaginou vir a envolver-se num sistema de investimentos online. A promessa de ganhos rápidos e o testemunho de pessoas próximas convenceram-na a experimentar. O que começou com uma simples transferência de 50 mil escudos transformou-se, em poucos meses, num suposto lucro de 150 mil escudos.
O processo, contudo, envolve uma teia complexa de plataformas digitais, transferências internacionais e utilização de criptomoedas, diz.
Segundo Maria, o caminho até ao investimento começa com o uso do Revolut, uma aplicação bancária internacional bastante popular entre os jovens cabo-verdianos.
“Para receber e para colocar o dinheiro no jogo usamos o Revolut. Depois entramos no WS Investimentos”, explica. A partir daí, um link é enviado por alguém que já participa no sistema.
“Alguém envia um link, entramos e criamos uma conta no WS Investimentos. Mas não entramos logo. Para veres que é algo seguro, menores de 18 anos não são aceites e cada pessoa só pode ter um investimento e um e-mail por pessoa”, tenta convencer.
Conforme o seu relato, o registo exige um processo rigoroso de verificação de identidade.
“Pedem o documento; temos de tirar fotos com o nosso documento, o documento sozinho e também fotos nossas, como se fôssemos prisioneiros (risos), segurando o documento, para comprovar que não somos robôs e evitar lavagem de dinheiro”.
Depois da verificação, o investidor precisa de instalar várias aplicações no telemóvel. Uma delas é o Telegram, onde são enviados os chamados “sinais”, códigos que indicam o momento certo para negociar o dinheiro investido.
“Agora também os sinais são enviados pelo Boomchat, uma nova ferramenta que passou a ser usada porque o Telegram restringe muita coisa. Enviam o código de sinal através do Telegram ou do Boomchat para fazermos as negociações. Há um horário fixo para enviar os códigos, por exemplo, às 10h50 e 16h30. A hora é fixa, mas os minutos variam”, conta.
As movimentações financeiras passam por diferentes plataformas. O investidor carrega o cartão Visa, transfere o dinheiro para o Binance, uma das maiores corretoras de criptomoedas do mundo, e, de lá, envia os fundos para outra plataforma chamada OPT, onde supostamente ocorre a negociação.
“A negociação não é falar com ninguém. Após receber os códigos, fazemos tudo automaticamente”, explica.
Quanto mais dinheiro se investe, maior é o retorno prometido. E há incentivos para atrair novos participantes. “Se outra pessoa investir através do teu link, se entrar com 500 dólares, recebes três dias de códigos extra além dos dois diários garantidos. Se a pessoa investir mil dólares, dão-te um total de 24 sinais durante seis dias”, esclarece Maria.
Além disso, há bónus para os primeiros depósitos. “Quando investi 50 mil escudos, recebi 50 dólares de bónus. Nos primeiros dias, a pessoa ganha 1% do valor que tem na conta”, afirma.
No entanto, nem todo o valor ganho é entregue ao investidor. “Quando ganhas 5 mil e tal escudos, por exemplo, não o ganhas na totalidade, porque eles, os mentores, ganham a sua parte. Então acabas por receber apenas 3 mil e tal escudos. Imagina o quanto eles ganham com todas as pessoas. Por isso acredito que não seja uma fraude”, defende.
O sistema depende, segundo Maria, da entrada constante de novos investidores. Esta entrevistada afirma que já convenceu cinco pessoas a investir. “No total, já fiz o levantamento de 150 mil escudos. Mesmo com este levantamento, ainda tenho dentro 700 dólares, porque convenci mais uma pessoa. O fundo do investimento nunca pode ser retirado. Nunca posso deixar a conta a zero, senão não poderei negociar”, comenta.
Para os levantamentos, prossegue, o sistema prevê também algumas regras. “Só podes fazer o levantamento após duplicar a quantia investida. Se quiseres juntar mais dinheiro, é uma escolha tua. Quanto mais dinheiro estiver dentro, maior é o valor que ganhas por dia”, detalha.
As transferências, no entanto, não são feitas directamente para contas bancárias. O processo envolve trocas informais entre participantes.
“Para fazer o levantamento, tenho de transferir do OPT para o Binance e depois envio para o OPT de uma responsável, porque fazemos troca. Dou-lhe USDT, uma moeda digital que equivale ao dólar americano, e essa responsável dá-me em escudos. Por exemplo, quando decido retirar mil dólares, não o recebo na íntegra devido aos descontos. Transfiro mil USDT e ela dá-me 100 mil escudos”, acrescenta.
“No dia em que fui levantar o dinheiro, o Binance alertou os donos, que entraram em contacto comigo por meio de um chatbot a perguntar se era mesmo eu a fazer o levantamento. Eles são americanos, mas usam tradutor. É tudo bem controlado”, afirma com convicção.
Arriscar para ganhar
Enquanto alguns já se consideram investidores experientes dentro do sistema, outros observam à distância, avaliando se vale ou não a pena arriscar. José (nome fictício), de 42 anos, soube da existência do esquema por intermédio de uma amiga.
“Fiquei a saber desse esquema porque fui convidado a entrar. Uma amiga convidou-me e depois participei numa reunião que eles fazem, onde explicaram e apresentaram propostas”, relata.
Segundo José, o encontro foi cuidadosamente organizado para convencer novos participantes, com apresentações que combinavam promessas de ganhos elevados e garantias de segurança. “Falaram da prevenção para não perder dinheiro, dos possíveis riscos e dos ganhos. Incidiram mais nos ganhos. Não explicaram como se pode perder dinheiro”, reconhece.
Na reunião, as projecções financeiras foram apresentadas como acessíveis e tentadoras. “Quanto aos ganhos, disseram que a cada mês há a probabilidade de ganhar 60 mil escudos, dependendo do valor do investimento. Se entrar com 100 mil escudos, pode-se ganhar 60 mil mensais. Se entrar com menos, o valor será menor. É preciso entrar com uma quantia mínima de 50 mil escudos”, refere.
A segurança dos dados pessoais é outro ponto que tranquiliza os potenciais investidores, segundo o entrevistado. “Eles não vão ter acesso à minha conta bancária, porque entramos com Visa”, acrescenta José, que planeia investir uma quantia considerável, mesmo não tendo o valor disponível. “Estou a pensar começar o investimento com 100 mil escudos. Não tenho essa quantia actualmente, mas quero fazer um empréstimo para poder fazê-lo. Da forma como explicaram, tudo tem risco, mas se não arriscar não tenho como saber se vou ganhar ou não”, argumenta.
As histórias de sucesso relatadas durante a reunião reforçaram o desejo de entrar. “Na reunião, todos os que participaram ganharam. Havia lá uma senhora que entrou com 500 mil escudos e triplicou para 1 milhão e 500 mil escudos em pouco mais de dois meses. O dinheiro que triplicou ela vai investir agora através dos filhos para ganharem mais”, sustenta.
José admite que vê o sistema como uma forma de atingir estabilidade financeira num curto espaço de tempo. “Eu, se ganhar, em dois meses vou retirar o dinheiro do empréstimo que estou a pensar fazer e deixo a outra parte, que sei que é minha. Esse vou deixar para acumular, já que o ganho é de acordo com o dinheiro que estiver dentro, 1% do valor dentro todos os dias”, enfatiza.

Já ouviu falar em esquema Ponzi?
Promessas de ganhos rápidos, investimentos “garantidos” e lucros sem risco. Assim se apresentam os esquemas Ponzi, uma forma de fraude financeira.
“É uma fraude financeira onde os ganhos dos investidores mais antigos são pagos com o dinheiro dos novos investidores”, explica o economista José Teixeira. Segundo o especialista, o funcionamento depende da entrada constante de novos participantes.
“Para que este esquema funcione, é necessário recrutar constantemente mais investidores para a pirâmide, de modo a sustentar o pagamento dos ganhos já comprometidos. O esquema colapsa quando já não há novos investidores e, neste caso, a maioria perde o capital investido”, esclarece.
Além de ser insustentável, este tipo de esquema chama a atenção por oferecer ganhos fora da realidade do mercado. “Normalmente, os ganhos são elevados comparativamente aos mercados formais, como a bolsa de valores, o que desperta o interesse de quem procura lucro rápido”, aponta.
Mas por que tantas pessoas acreditam em propostas tão arriscadas? Para o economista, a resposta está na falta de literacia financeira. “Se as pessoas não tiverem conhecimentos sobre os mercados e produtos financeiros, serão facilmente alvo de esquemas fraudulentos”, observa.
Segundo José Teixeira, a promessa de “dinheiro rápido e garantido” é especialmente atractiva em contextos de dificuldade económica. “Quem tem conhecimento dos mercados sabe que altos rendimentos estão sempre associados a maiores riscos. O esquema Ponzi funciona ao contrário: promete retorno garantido, altos rendimentos e sem risco. E, em mercados onde as pessoas não possuem grandes conhecimentos financeiros, isso é um argumento muito forte”, sublinha.
O especialista explica que não existe um perfil único das vítimas. “São pessoas de diferentes idades, níveis e áreas de formação e condições económicas. Todas têm algo em comum: procuram retorno rápido e não querem arriscar perder o dinheiro”, refere.
Ainda assim, José Teixeira destaca que a maioria dos atingidos são pessoas com baixa literacia financeira, financeiramente vulneráveis e, em alguns casos, sem acesso ao sistema financeiro formal.
Sem citar casos específicos, o economista lembra que o BCV tem alertado para o aumento de fraudes financeiras ligadas a plataformas digitais. “Há entidades que promovem serviços financeiros ilegais e esquemas suspeitos, prometendo lucros rápidos sem qualquer base real de investimento”, afirma.
Muitas dessas plataformas, acrescenta, não têm autorização para operar em Cabo Verde e são, na prática, esquemas Ponzi disfarçados. A ausência de presença física e de supervisão local aumenta o risco de fraude e limita os mecanismos de protecção para o investidor cabo-verdiano.
“Uma plataforma pode actuar online sem sede física local, mas isso não significa que possa operar de forma legítima ou regulada. No caso de Cabo Verde, as plataformas financeiras que pretendam actuar junto de residentes ou estabelecimentos no país devem cumprir regras de registo, transparência e supervisão impostas pelas autoridades locais, como, por exemplo, o BCV e a Auditoria-Geral dos Mercados de Valores Mobiliários”, menciona.
Quando estes esquemas colapsam, as perdas financeiras afectam o orçamento familiar e podem aumentar o nível de endividamento dos investidores, alerta o economista.
“Sem falar que a multiplicação de casos reduz a confiança dos cidadãos no sistema financeiro formal e pode gerar uma crise de confiança, afastando os investidores dos mercados legítimos”, alerta.
A médio e longo prazo, avisa, estes esquemas representam um risco sistémico. “Diminuem as poupanças, provocam fuga de capitais, reduzem o investimento formal e prejudicam o crescimento económico do país”.
Como distinguir um investimento legítimo de uma fraude?
“Em Cabo Verde é recorrente e comum as pessoas jogarem o chamado totocaixa, uma forma de fazer poupança. O esquema Ponzi é diferente do totocaixa, mas com uma particularidade. Enquanto o totocaixa é um circuito fechado de poupadores, o esquema Ponzi é aberto à entrada de novos investidores, alargando a sua base e formando assim um formato de pirâmide”, clarifica José Teixeira.
Aliás, reforça, do ponto de vista da legalidade, são legítimos os investimentos em instituições reconhecidas pelo Banco de Cabo Verde (BCV) e constituem fraudes as propostas feitas por WhatsApp ou redes sociais sem documentação formal, promessas de lucros elevados, garantidos e rápidos, promessas de lucrar recrutando amigos, adesão via sistema de transferência informal ou criptomoedas não autorizadas, e plataformas que desaparecem após receberem o dinheiro.
Durante duas semanas, o Expresso das Ilhas aguardou a resposta do BCV para complementar a reportagem, mas até ao fecho desta edição não obteve retorno.
Entretanto, no dia 8 de Outubro, o Banco de Cabo Verde divulgou um comunicado informando ter tomado conhecimento de uma alegada empresa, “OPTCOIN”, que estaria a propor ao público a recepção de fundos reembolsáveis sem a devida autorização.
O BCV esclareceu ainda que a referida empresa, com instalações na Cidade da Praia, não está autorizada a exercer qualquer actividade financeira nem possui registo no Banco Central.
Contactado pelo Expresso das Ilhas, o IGAE esclareceu que, relativamente ao alerta emitido pelo BCV sobre “supostas empresas” sem autorização para prestar serviços financeiros, a sua inspecção incide apenas sobre actividades económicas, sendo, neste caso, da responsabilidade do próprio banco central.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1249 de 05 de Novembro de 2025.
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