Agricultores e criadores de gado de Porto Novo encontram respostas a um clima em mudança

Mudança nas práticas agrícolas e florestais reforçam resiliência e aumentam sustentabilidade, combinando investigação, experimentação e partilha de conhecimento.

No Município do Porto Novo, em Santo Antão, agricultores e criadores de gado tentam driblar os efeitos das alterações climáticas, apostando numa alternativa inteligente e sustentável. Implementado desde 2024, um projecto liderado pela Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM), em parceria com várias organizações locais, procura criar modelos agrícolas e florestais adaptados a um clima em mudança.

Ana Sanches, coordenadora de projectos da ADPM, explica a importância da iniciativa e o trabalho desenvolvido nos três campos de experimentação, nomeadamente, Casa de Meio, Planalto Norte e Planalto Leste, todos no Município do Porto Novo.

“Este é um projecto que surge na sequência de outros dois, em que foram criados campos experimentais nestas três zonas. Cada uma enfrenta desafios próprios na agricultura e na pecuária. Em Casa de Meio, os desafios estão mais ligados à produção de hortícolas. No Planalto Norte, à produção de gado, especialmente de cabras. No Planalto Leste, à agricultura de sequeiro e à conservação de plantas endémicas. O objectivo é mostrar que, através da agro-ecologia, é possível aos agricultores, e a quem quer iniciar-se na prática agrícola, adaptar-se ao contexto e garantir sustentabilidade a longo prazo”, explica.

O trabalho da ADPM divide-se entre intervenção local, educação ambiental, investigação, experimentação e transmissão de conhecimento. Segundo Ana Sanches, já são visíveis os primeiros resultados.

“Todo este trabalho de experimentação, formação e partilha de conhecimento através de workshops procura mudar mentalidades e a forma como as pessoas encaram a agricultura, permitindo que apliquem essas aprendizagens nas suas produções. Actualmente, temos casos de estudo e replicadores, agricultores que voluntariamente aplicam nas suas parcelas aquilo que foi testado nos campos experimentais. Eles procuram-nos para implementar coberturas de solo, barreiras de vento, túneis e sistemas de rega gota-a-gota. Isto mostra que o que temos ensaiado chegou aos agricultores e está a mudar a sua forma de produzir, tornando-a mais sustentável, com menor consumo de água e de produtos químicos, e menos impacto para o ambiente”, refere.

“Na Casa de Meio, havia agricultores a abandonar a actividade e jovens a deixar a comunidade. Com estes projectos, conseguimos que os mais velhos mantivessem a actividade agrícola e que os mais jovens tivessem parcelas próprias para iniciar a produção”, acrescenta.

A Associação de Defesa do Património de Mértola tem sido contactada por comunidades de de outras zonas e ilhas que procuram aplicar algumas das soluções.

Os moradores confirmam que as intervenções têm feito a diferença. É o caso de Davidson Monteiro, presidente da Associação dos Jovens Agricultores de Casa de Meio.

"É um projecto que veio tentar ajudar os agricultores e colmatar os efeitos das mudanças climáticas. Sabemos que Casa de Meio é uma zona litoral, muito seca e, além disso, há muito vento. Foi extremamente importante aplicar as práticas agroecológicas em benefício dos agricultores e, por outro lado, colmatar as dificuldades da prática tradicional da agricultura”, comenta.

O técnico agrícola e agricultor, Armindo Duarte, destaca que Santo Antão tem um “enorme potencial” para o desenvolvimento da agro-ecologia, sobretudo pela capacidade de regenerar terrenos.

“Há todo um campo aberto e, desde que começas com as práticas, vais em degraus, ganhas espaço, dimensão e acabas por restaurar os terrenos que já estão sem vida”, resume.

Para Armindo, a agro-ecologia é uma resposta eficaz às alterações climáticas.

“Envolve um conjunto de técnicas que privilegiam o aproveitamento dos recursos locais, como as barreiras de vento, as coberturas mortas, a produção de compostagem, biofertilizantes e biopesticidas a partir de plantas, o que nos impede de usar pesticidas químicos. Ou seja, aproveitas tudo o que a terra te dá para comer e usas os restos para fertilizar os solos”, detalha.

No Planalto Norte, Ary Amilton Delgado, técnico local do projecto, destaca a experiência de cultivo de espécies forrageiras, fundamentais para a alimentação do gado.

“Uma agro-floresta em Casa de Meio nunca seria igual no Planalto Norte, porque as condições são diferentes. Este Parque Natural [do Topo de Coroa] tem comunidades que vivem essencialmente da criação de gado, especialmente de cabras. Desde o início do projecto, pensámos num sistema agro-florestal para a produção de espécies forrageiras. Estas plantas destinam-se à alimentação de ruminantes, como cabras e vacas, e os campos foram desenhados em conjunto com as pessoas no Planalto Norte, seguindo sempre o mesmo formato, com linhas de árvores. Este campo tem-nos demonstrado resultados promissores para os nossos estudos, porque quase não há rega”, sublinha.

A experiência em Santo Antão demonstra como os sistemas agro-florestais e a agro-ecologia podem contribuir para a sustentabilidade ambiental, o fortalecimento das comunidades e o desenvolvimento económico, com práticas agrícolas adaptadas ao clima e valorização da produção local.

O projecto “Sistemas Agroflorestais: Agroecologia e Biodiversidade em Santo Antão” termina a 31 de Dezembro. Foi co-financiado pela Cooperação Portuguesa, através do Camões e pelo GEF SGP Cabo Verde, “The Small Grants Programme”.

Os beneficiários passam a estar integrados noutro projecto, o CIRAWA (Agro-ecological strategies for resilient farming in West Africa), em curso desde 2023.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1251 de 19 de Novembro de 2025.

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira, Lourdes Fortes,22 nov 2025 8:40

Editado porAndre Amaral  em  22 nov 2025 13:31

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