Felisberto Vieira, o popular Filu, sociólogo de formação, tem um longo caminho dentro do Partido Africano da Independência de Cabo Verde. Foi líder parlamentar do PAICV quando este tinha a minoria no Parlamento, nos anos 90, foi candidato à liderança do partido há 14 anos, foi presidente da Câmara da Praia, ministro e é novamente líder da bancada parlamentar, agora em maioria. Volta agora a apresentar-se como candidato à presidência do partido, uma organização que, diz, quer mais aberta aos diálogos, internos e externos, e capaz de enfrentar os desafios dos próximos anos. Traz na agenda uma proposta revolucionária, mudar o partido tendo por base a matriz de uma esquerda humanista.
Expresso das Ilhas – A primeira pergunta é a básica: porque avança para a presidência do PAICV?
Felisberto Vieira – Concorro na perspectiva de protagonizar um projecto credível, com uma liderança servidora, federadora, inclusiva e próxima, fazendo uma leitura objectiva do ciclo que aí vem, que será complexo, de muitos desafios para o PAICV e para o país, e este ciclo precisará de uma liderança forte, carismática, galvanizadora e capaz de unir o partido e mobilizar a sociedade num triangulo: PAICV, mais sociedade, mais capital social. E sei que a minha liderança terá a elasticidade suficiente para ir buscar fora do PAICV as forças sociais e assim conseguir o alargamento das bases eleitorais para vencer as eleições e colocar o PAICV na liderança do processo político nacional para além de 2016.
Quando fala de desafios, quais considera os principais para o partido e para o país?
Para o PAICV o principal desafio será a união e a coesão interna. Concorro com o objectivo de reforçar a matriz inter-geracional do PAICV. Em termos sociológicos, somos a única e a mesma geração. Pretendo aproveitar todas as potencialidades internas do partido e criar espaço para a emergência de novas lideranças. Penso que o PAICV é um partido de líderes, e o líder nacional tem de ter a consciência que deve legitimar a sua liderança, todos os dias, num compromisso interno de diálogo político intenso, de circulação de informação privilegiada a todos os militantes do partido e o líder deve contribuir para um crescimento da confiança nas relações interpessoais e reforçar o funcionamento das estruturas do partido. A nossa diferença em relação ao MpD é que o MpD é um partido de eleitores que se galvanizam no processo eleitoral, enquanto o PAICV é um partido de organização, de estruturas e de lideranças a vários níveis. Temos de estar mais presentes nas organizações profissionais, nas organizações sindicais, nas lideranças desportivas, nas lideranças religiosas, será esse partido societário a dar-nos força e a elasticidade suficiente para ganhar as eleições. Portanto, o primeiro desafio é ter um partido, de facto, cada vez mais vivo, mais actuante na sociedade, com uma agenda própria, não subalternizada a uma agenda governativa e, em todos os níveis, para que o sistema PAICV – seja nas autarquias, no Parlamento ou na frente política nacional – seja forte, com capacidade de penetração na sociedade e de fazer passar a sua mensagem. Até para evitar o que, por vezes, se ouve durante as eleições: vocês estiveram aqui há quatro anos e regressam só para nos pedir os votos. Por isso é que queremos um partido em diálogo constante com a sociedade, a auscultar as suas expectativas e fazer a intermediação com os poderes públicos. Daí que o meu estilo de liderança seria, como já disse, servidora, federadora, inclusiva e próxima.
E em relação aos desafios do país?
São grandes desafios. Vivemos numa crise internacional de contornos imprevisíveis, já com efeitos nefastos em Cabo Verde. Tivemos uma redução drástica da ajuda pública ao desenvolvimento, tivemos uma caída drástica do investimento directo estrangeiro directo, temos um desemprego qualificado que afecta maioritariamente os jovens, temos ainda um nível de pobreza, qualitativa e quantitativa, expressivo, sobretudo nas cinturas à volta das principais cidades, o que na sociologia chamamos de pobreza em extensão e em profundidade, portanto, é preciso criar as condições para que esta nova liderança possa gerar novas políticas públicas, que dê mais confiança aos cabo-verdianos, um novo sonho, para acreditarem que o PAICV ainda é a única e a melhor alternativa para o país.
Novas políticas públicas direccionadas para onde?
Para aumentar o crescimento económico, para fortalecer o sector empresarial, para libertar o crédito à economia real, para criar o espaço de consumo e garantir a distribuição equitativa da riqueza nacional pelas ilhas, pelas regiões e pelos municípios. Penso que são desafios complexos, mas eu gosto de abraçar desafios difíceis e sempre pus a minha cabeça à prova em momentos cruciais da vida da nação e do PAICV e acho que este é um bom momento para me pôr à prova e mostrar capacidade de liderança.
E não teme enfrentar aquele conceito que a democracia exige rotatividade partidária? Ou seja, ao fim de três mandatos do PAICV, os eleitores não poderão pensar que chegou a hora de dar o lugar a outros?
Há um axioma de Max Weber que nos diz que não há maiorias eternas nem minorias eternas. Nós, que estamos na política, devemos ter este princípio muito claro, até porque a história de Cabo Verde o tem demonstrado. Agora, não há, do meu ponto de vista, ciclos prévios de mandatos. Em 2011, houve vários analistas políticos a demonstrar que o ciclo do PAICV era de dois mandatos e nunca de três, mas a história foi ao contrário. Do ponto de vista sociológico, as três maiorias do PAICV demonstram crescentes níveis de confiança e uma cultura de resultados da governação.
E isso quer dizer o quê?
Que as próximas vitórias do PAICV vão depender desta transição que estamos a fazer no partido, da forma como sairmos dela, do projecto político que a nova liderança irá apresentar à sociedade e do trabalho para convencer os eleitores que são as melhores ideias. Acredito que mais de 70 por cento da possibilidade real de ganhar as eleições estão nas mãos do PAICV.
Acho curioso que considere um dos factores decisivos a maneira como o partido sairá destas eleições internas. Um partido pós-sufrágio demasiado dividido fará com que as pessoas ponham em causa o seu funcionamento?
Sim, naturalmente. Acho que estas eleições internas pedem-nos cuidados especiais. Já tivemos uma experiencia recente amarga, mas, cada jogo é um jogo, estamos a trabalhar para uma nova liga e devemos mesmo ter cuidados especiais, porque é uma fase histórica do partido. Estamos num processo de sucessão de um líder que conseguiu resultados históricos no PAICV e na governação do país e temos a obrigação moral de trabalhar também com ele para construirmos este novo caminho. Acredito no sucesso destas eleições internas, sucesso que fará com que o partido esteja galvanizado para vencer as próximas eleições. Acredito que teremos a maturidade suficiente, a competência emocional, para fazer essa transição com grande nível e assim mostrar à sociedade, e ao mundo, que este PAICV é um partido verdadeiramente democrático e um partido que saberá em cada momento difícil fazer as escolhas certas. O PAICV tem tido líderes com características especiais: desde Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Pedro Pires, Aristides Lima, José Maria Neves…
Com quem disputou a liderança em 2000…
Disputei a liderança e José Maria Neves venceu por 25 votos. Sociologicamente, naquela altura, ficou claro que houve um líder eleito democraticamente, mas havia também um líder emergente, alternativo e sempre construi este caminho, porque entendo que o processo de liderança começa com a construção de uma vontade e eu construi esta vontade.
E achou que é chegado o momento?
Fiz-me uma série de perguntas, às quais respondi afirmativamente, e neste momento sinto-me capaz, motivado e preparado para apresentar uma grande equipa e um grande projecto para vencer o partido e vencer Cabo Verde.
Está a dizer-me que houve uma preparação de quase 15 anos para chegar até aqui?
Não é uma preparação de 15 anos, mas é um caminho percorrido. Sempre estive disponível, nos momentos bons e nos momentos maus do PAICV, e não seria agora que daria as costas a mais um desafio. A minha mensagem para os militantes é: eis-me aqui para vos servir e servir ainda melhor Cabo Verde, para levar o PAICV e Cabo Verde para novos caminhos de sucesso.
Dos candidatos que já deram entrevistas ao Expresso das Ilhas, Cristina Fontes não parece muito inclinada a abdicar da sua candidatura, Júlio Correia pareceu mais aberto a convergências. E qual é a sua posição? É uma candidatura para levar até ao fim, ou estaria disponível para integrar outro projecto?
A minha candidatura é firme, genuína e autónoma. Não obstante as sucessivas sondagens que me dão preferência como sucessor do camarada José Maria Neves, mantenho-me disponível para encontrar plataformas de diálogo e de convergência com os restantes pré-candidatos, para que possamos construir um caminho sólido. Estaria disponível para o fazer. Repare, fui candidato em 2000, perdi por essa diferença de 25 votos, o meu lema, na altura, era ‘unidos por Cabo Verde’ e o lema do camarada Zé Maria era ‘construir uma ponte para o futuro’. Quando se soube o resultado, abracei o camarada José Maria Neves e disse-lhe: ‘a partir de agora sou o teu soldado, unidos por Cabo Verde vamos construir esta ponte para o futuro’. E temos construído essa ponte até hoje. Portanto, já dei provas de maturidade, de humildade e de generosidade para quando os interesses relevantes do partido estão em causa, estarei sempre disponível para abraçar o melhor caminho para o partido e para Cabo Verde. É nestas condições que reafirmo a minha disponibilidade para construir convergências. Aliás, fui o primeiro a propor uma espécie de conclave, um retiro de dois dias ou três para reflectirmos.
E em que base se construiria essa convergência?
A minha ideia de convergência não é pedir ao Júlio para sair ou para ficar, não é convidar a Janira para desistir a meu favor, a minha perspectiva de convergência é termos um quadro referencial claro e objectivo.
Como por exemplo?
Como por exemplo sondagens. Se mostrarem que há um candidato que reúne as preferências do povo do partido e dos cabo-verdianos, estarei, humildemente, disponível para alinhar com esse camarada. Acho que é um quadro ético e objectivo. As convergências não se fazem no vazio. Conheço a minha força dentro do partido, mas também reconheço a força dos outros.
Está a caminho de São Vicente [a entrevista realizou-se no domingo], por isso faço-lhe esta pergunta: em Santiago deve ter uma grande força, mas esta base de apoio prolonga-se no Barlavento?
Foi publicada, há dias, uma tese do Dr. José Semedo, sobre as elites políticas cabo-verdianas da nova geração e a sua dimensão regional e nacional, e eu surjo neste estudo como um líder de dimensão nacional, ou seja, as bases têm de ser transversais às ilhas e à diáspora, e eu sinto que tenho essa base. A minha candidatura está muito forte em Santo Antão, no Sal, mesmo em São Vicente. É uma ampla base de apoio e não é de agora. Claro que, naturalmente, há ilhas onde tenho mais, como Santiago, mas sinto que sou um líder de dimensão nacional e capaz de protagonizar uma nova liderança.
A regionalização está também na sua agenda?
Naturalmente. A regionalização, neste momento, é um tema que não pode deixar de estar sobre a mesa. Já estivemos em São Vicente há duas semanas, num debate promovido pela Comissão Política Regional, e penso que é um tema actual e importante. Agora, temos de colocar este debate de uma forma serena e responsável. Há muita gente que está a falar de regionalização pondo nos diferentes pratos da balança Santiago e São Vicente. Temos de trabalhar para construir o caminho da regionalização começando com um diálogo sério e responsável e indo, em última instância, até um processo referendário. Defendo um referendo para a questão da regionalização, seja qual for o modelo. Acho que devemos fazer uma reflexão abrangente, pôr todos os modelos sobre a mesa e ir fazendo opções. E, seja qual for a escolha, deve passar por um referendo.
Daquilo que é conhecido do seu projecto, assume uma vontade de evolução e mudança. Evoluir para onde e mudar como?
Neste momento, há uma agenda de transformação em curso, foi feito o II Fórum sobre a temática, com a perspectiva de Cabo Verde atingir o desenvolvimento avançado até 2030, mas eu penso que devemos continuar a reflectir Cabo Verde a médio prazo. África está a propor a si própria uma nova visão para o horizonte 2062. Penso que esta fase, liderada por José Maria Neves, foi transformadora e o próximo ciclo exige, primeiro, a consolidação desta agenda de transformação, mas exigirá também uma mudança evolucionária no processo de desenvolvimento de Cabo Verde – condições para aumentar a produção de riqueza nas ilhas, geração de emprego, contribuição para o crescimento do PIB, redução das assimetrias regionais e conseguir estancar a pobreza, aumentando o rendimento das famílias – é a isto que eu chamo de mudança evolucionária.
Quer dizer que não será refém da agenda 2030?
Não necessariamente. É preciso consolidar esta fase, mas (pausa). Olhe, vou dizer-lhe em primeira mão, vou propor para os próximos tempos um novo programa político para o PAICV. Estou a trabalhar na perspectiva de pensar um novo pensamento político e humano, dentro da matriz do partido de esquerda e humanista. Temos trabalhado com declarações de princípio, nos últimos anos, tivemos um programa político na época da libertação nacional, por isso, acho que neste tempo de grandes transformações, de grandes mudanças, o PAICV tem de continuar a liderar a produção de novas ideias e novos pensamentos políticos para as próximas décadas do século XXI, aqui em Cabo Verde, mas também que possa contribuir para uma África mais próspera.
Mas, estamos a falar de quê? De uma espécie de 3ª vaga do socialismo como houve na Europa? Uma esquerda a piscar o olho ao capital?
Não diria que é uma terceira vaga, mas poderemos estar na iminência de construir elementos fundadores para uma Terceira República em Cabo Verde. Pode-nos conduzir à revisão da Constituição, dependendo do modelo de regionalização que se vai adoptar, por exemplo, dependendo de um conjunto de opções de políticas de desenvolvimento que poderão desembocar num pacto nacional a nível do estado constitucional dos partidos políticos, na criação de condições para a revisão do código eleitoral, capaz de estimular e permitir a entrada de pequenos partidos, para romper o processo de bipolarização, criar um ambiente consensual a vários níveis. Portanto, o que irei propor terá ingredientes para a Terceira República de Cabo Verde, por isso falo de processo evolucionário, mas com grandes rupturas em termos de opções políticas de desenvolvimento do país nos próximos tempos.
Quando saberemos mais novidades sobre esse projecto?
Estou a trabalhar para apresentar a minha moção de orientação política logo que forem marcadas as eleições e a sociedade cabo-verdiana terá grandes surpresas e grandes novidades neste pensamento político que irei apresentar.
Não teme ser catalogado novamente como divisionista, ou autor de mudanças radicais, por parte dos outros candidatos?
Não. Penso que isto é importante. Um líder tem de ter uma visão, tem de a partilhar e trabalhar para a materializar. Sinto que há esta empatia, a nível nacional, com algumas das ideias que tenho partilhado com os camaradas do partido e as várias lideranças do país. Inequivocamente, o próximo ciclo exigirá esta clarividência ao líder do partido, esta ousadia e também esta elasticidade para podermos continuar a vencer.
No que se conhece do seu projecto, fala também em mais diálogo e mais comunicação, tanto interno como externo. O Dr. Felisberto Vieira foi, aliás, uma das vozes dentro do PAICV a pedir, exactamente, mais diálogo e mais democracia interna, essa será uma das grandes diferenças da sua liderança para a liderança de José Maria Neves?
Eu não estou focalizado na questão das diferenças. É claro que cada líder tem a sua personalidade, o estilo também será sempre diferente, e eu quero consolidar as principais conquistas da liderança do Dr. José Maria neves, como já disse, e encontrar novos caminhos, com novas políticas, com novos programas de desenvolvimento para avançarmos mais. Um crescimento mais acentuado, menos desemprego e menor nível de pobreza.
Refere também que quer dialogar mais com a oposição. É preciso fazer-se mais do que se faz hoje?
A democracia constrói-se no jogo de tensões entre o poder e as oposições, como dizia Max Weber, e num processo democrático, ainda mais numa sociedade pequena como Cabo Verde, é fundamental cultivar o primado do diálogo com base em dois princípios fundamentais: confiança e boa fé. Sinto que sou um articulador nato, um homem de diálogo, rápido a construir consensos, e a prova é que em pouco tempo da minha liderança na bancada parlamentar já fizemos grandes acordos, estamos neste momento no processo de construir outros grandes consensos até ao fim da legislatura e como líder nacional terei responsabilidades maiores e acrescidas.
Uma última questão em que o vou deixar falar para os militantes do PAICV. Porque devem votar em si?
Primeiro, porque sou um fiel servidor do partido, em qualquer momento e em todas as horas. Segundo, porque sou um líder confiável, credível e um dirigente que está com o partido e com os militantes em todos os momentos. Do lado estratégico, sou capaz de apresentar um projecto inovador, uma equipa na base do compromisso inter-geracional e que pode colocar o PAICV na continuação da liderança do processo político, construindo o caminho com as pessoas e pelas pessoas e assim uma nação geradora de novas oportunidades.