As críticas mais duras vêm da parte de Felisberto Vieira.
Num texto intitulado ‘Quebrando o silêncio’, Felisberto Vieira promete fazer uma análise à “estratégica dos resultados eleitorais e o exercício de formulação de "novos caminhos" de futuro para o PAICV”.
Para Felisberto Vieira os resultados eleitorais alcançados, este ano, pelo PAICV pedem, “pelas elevadas responsabilidades que detém no sistema político cabo-verdiana e na sociedade em geral”, que se realize “um debate genuíno e profundo” em todos os órgãos do partido. Um debate que deve envolver igualmente toda a sociedade civil e que deve ser organizado “sem “faxi faxi, sem “foga djogo””.
O objectivo do debate deve ser, defende Felisberto Vieira, “identificar algumas das causas e factores que conduziram aos resultados eleitorais absolutamente desfavoráveis ao nosso Partido” e das conclusões que saírem desse debate deve-se partir, continua Felisberto Vieira, para a definição “de linhas de acção políticas que permitam ao Partido ir aperfeiçoar e aprofundar a sua intervenção política na sociedade cabo-verdiana, indo ao encontro das necessidades e expectativas das pessoas e das comunidades e em busca de mais justiça e equidade”.
Para o antigo vice-presidente do PAICV terão sido “vários e de natureza diversa os factores que concorreram para a derrota eleitoral do PAICV nas últimas eleições de 2016” e pode-se centrar a análise a essa derrota “nos factores cuja origem é consequência da actuação do Partido e do seu Governo ou naqueles que decorrem das circunstâncias que transcendem o Partido”. Mas, uma coisa é certa, como defende Felisberto Vieira, só “poderemos melhorar e evoluir positivamente em relação aos aspectos que dependeram e dependerem ainda das acções do Partido, da sua liderança e não de factores que lhe são exteriores e à sua esfera de intervenção”.
E é aqui que começam as críticas à liderança de Janira Hopffer Almada que, segundo Felisberto Vieira, promoveu uma “completa desadequação de estilo, de linguagem política”, cometendo igualmente, no seu entender, “erros crassos de formulação de processos de escolhas de candidatos em praticamente todos os círculos eleitorais e de algumas posições públicas”.
“Quanto as declarações públicas”, prossegue Felisberto Vieira, elas foram “na maioria das vezes reactivas, defensivas, despidas de intencionalidades políticas e com interlocutores sem autoridade política e credibilidade”.
“Em geral, a liderança de JHA (e o seu triângulo de vices, segundo a voz de rua, é caracterizado e caricaturizado, como sendo o trio do "mudo, gago e salbaxe", ou por outras palavras, "nka obi, nka sabi, nka mati")”, crítica Felisberto Vieira. Uma liderança que “ficou marcada pelas atitudes peremptórias, extremadas, e unilaterais, envolvendo a exclusão, a inflexibilidade e a recusa do diálogo”.
A ruptura das negociações sobre a reforma do parlamento, cuja aprovação do Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos foi apenas um episódio, é um dos processos que Felisberto Vieira considera ter sido mal conduzido por Janira Hopffer Almada a quem acusa de ter financiado a “manifestação de rua contra o Parlamento”. Mas Felisberto Vieira não se fica por aqui e prossegue o ataque a Janira Hopffer Almada acusando-a de fazer um “ataque visceral nas redes sociais contra os deputados do PAICV e o Primeiro-ministro, a colocação do Conselho de Ministros sobre "guerrilha" para ascensão ao posto de vice-primeira ministra ou ministra do Estado, a divulgação na praça pública de alguns dossiers sensíveis discutidos somente nos Conselhos de Ministros, o ataque, sob o anonimato, nas redes socias contra vários dirigentes e membros do Governo, etc, etc, etc.”.
Atitudes que, defende Felisberto Vieira, “os eleitores tradicionais do PAICV com ideias de justiça social e habituados às lideranças sensatas e com profundo sentido de Estado, demonstraram reiteradamente nada querer com posições extremadas e afastadas do que o senso comum identifica como posições equilibradas e de bom senso. Aqui a JHA falhou rotundamente”.
Um falhanço que, escreve, contribuiu para o “afastamento dos eleitores maioritariamente do PAICV, a perda de identidade e confiança, as enormes incertezas, os ruídos, os " infantilismos”, que a liderança de JHA introduziu na vida do partido e na sociedade”.
A finalizar, Felisberto Vieira entende que o “núcleo duro de JHA, mostrou-se demasiado reactivo e menos proactivo do que seria necessário, projectando uma imagem de interlocutor belicoso, que alinha demasiadamente na picardia política, nas bagatelas politicas, no esquema de intrigas e, por isso, ficou sem tempo disponível e ou com pouca disponibilidade para o diálogo político genuíno, o que levou a que não se conseguisse afirmar como fazendo parte das forças políticas que concorrem para encontrar caminhos alternativos viáveis e credíveis para o país”.
Reacções ao manifesto foram as esperadas
“Tão logo o Manifesto à militância tivesse sido anunciado quão lesto as reacções em cadeia apareceram e algumas intempestivas e a atacar os autores e subscritores do documento. Nada que não se esperava”, escreve Júlio Correia na sua página do Facebook.
Lamenta Júlio Correia que “está -se a agarrar o debate pelo viés da ofensa quando se podia pausadamente discutir. Ora a mim me parece que nenhum Partido democrático do mundo pode pretender silenciar os seus militantes sobretudo quando estes pretendem ser factor contributo para a democracia interna. Levar por diante este intento é um grande paradoxo”.
Júlio Correia garante que “não é a liderança legitimada em congresso” que está em causa mas sim “um dirigismo instalado com pretensão de silenciar vozes críticas”.
O antigo secretário-geral do PAICV defende que não “se pode tomar decisões pela lógica do absurdo e tendencialmente lesivas ao interesse de um colectivo e, paradoxalmente, exigir-se silêncio”. “As maiorias não matam a cidadania e não se pode mandar calar quando a cidadania nos interpela a falar”, crítica Júlio Correia que prossegue, de imediato, afirmando que não “pode nenhuma liderança mandar calar sob pena de cairmos noutro registo de regimes que não o democrático”.
Garantindo que concorda com a ideia que os debates se devem realizar em sede própria, Júlio Correia defende que “sede própria” não pode, por isso, usada como “subterfúgio para a imposição de vontades ou estratégia para o silenciamento da diversidade, mas para se falar a verdade e construção de consensos”. E acrescenta: “Para mim um Partido tem de ter paredes de vidro, já que nos regimes democráticos, o capital político dos Partidos está na sociedade. Toda a dinâmica dos Partidos deve estar sujeita ao crivo dos militantes e da própria sociedade”.
Ser militante de um partido, defende Júlio Correia, não significa abdicar da cidadania. “Não se pode ver o exercício da militância numa contradição ao exercício da cidadania. Doutra forma estaríamos até nas antípodas do lema “Cabo Verde Sempre””, acrescenta.
Contra eleições antecipadas
Júlio Correia revela, no seu texto, que quando se realizou o Conselho Nacional do PAICV entrou para o debate “o absurdo das eleições antecipadas” havendo quem defendesse, na reunião, que estas se deveriam realizar a 11 de Dezembro. Sem “a vacatura do cargo e nem o fim do mandato, fomos contra”. E, garante Júlio Correia, nunca os signatários do Manifesto foram a favor de eleições antecipadas. “Corrige-se portanto e por favor o que se tem dito pelas redes sociais e prove-se o contrário”.
Quanto ao Conselho Nacional, não lhe compete “apoiar ou desapoiar candidatos”, explica.
“Discutamos ideias e corrijamos o que tem de ser corrigido, sem ameaças, sem medo e sem ofensas. Combatamos as ideias dos homens e não os homens, caso contrário, um dia acabamos sozinhos”.
Quanto à actual liderança de Janira Hopffer Almada, “ao colocar o cargo à disposição fê-lo, presume-se, em nome da lealdade partidária e sem cartas na manga. A pergunta que não se quer calar é esta: justifica-se esta acção desesperada de arregimentar às pressas os militantes para o voto? Não me parece”, conclui.
Reacções que não contribuem para serenidade
Quem também recorreu ao Facebook para defender e explicar o seu posicionamento foi José Manuel Andrade.
“A publicação do Manifesto da Militância, de que sou um dos subscritores, provocou algumas reacções epidérmicas que não contribuem para um debate sereno, tão necessário à nova largada do Partido, para que este possa assumir o estatuto de oposição qualificada e construtiva que, nas últimas eleições, lhe foi determinado pelo voto popular”, começa por escrever.
José Manuel Andrade pronuncia-se, de seguida, e à semelhança de Júlio Correia, sobre a marcação das eleições internas do PAICV explicando que “alguns membros do CN posicionaram-se dentro desse órgão para que as eleições fossem realizadas em data mais alargada” e não a 29 Janeiro, data já anunciada para as eleições, por forma a “permitir que outros aspectos organizacionais e estratégicos do Partido sejam também equacionados e operacionalizados, de forma participada pelos militantes”. “O frenesim da votação no CN tolheu de algum modo a discussão serena, que era necessária”, acrescenta.
Garantindo que não é a legitimidade de Janira Hopffer Almada que está a ser posta em causa, ou sequer as eleições para a presidência do partido, José Manuel Andrade explica que isso “não retira valor ao posicionamento dos subscritores do Manifesto, de que as eleições directas para Presidente do Partido não são o meio adequado para resolver sentimentos de fragilidade da liderança, por causa das derrotas eleitorais recentemente sofridas pelo Partido”.
Recordando que o Conselho Nacional “permitiu-se a dar conforto à Presidente do Partido para continuar a comandar o PAICV” até à realização das eleições, José Manuel Andrade aponta que os subscritores do Manifesto “defenderam e ainda defendem que esse conforto se prolongasse até ao termo do mandato da Presidente que cessa estatutariamente em 2017”.
O que os subscritores do Manifesto pretendem é, garante José Manuel Andrade, no texto publicado no Facebook, “a reavaliação da data da realização das eleições directas, tendo em conta um conjunto de objectivos organizacionais e estratégicos pendentes, para que, de uma forma estatutariamente congruente, para uma nova largada. Proposta que é feita numa perspectiva construtiva, assumindo suas responsabilidades, porque, quanto mais não seja, foi aberto o período eleitoral interno”.
Candidatura à vista?
Até agora a única candidatura conhecida à liderança do PAICV é a de Janira Hopffer Almada que procura renovar o seu mandato à frente do partido. No entanto, o texto de José Manuel Andrade deixa a porta aberta à possibilidade de outra ou outras candidaturas surgirem. “Outrossim, o CN não estabeleceu nenhuma candidatura única. Nem poderia, por não lhe caber. Qualquer militante, desde que cumpra os pressupostos estatutários, pode apresentar-se ao pleito eleitoral como candidato a Presidente do Partido.
Por isso, nas actuais circunstâncias, não se pode defender, senão por tacanheza, que eventual candidatura de um militante, que não seja da actual Presidente, tem cunho delitual. Vale lembrar que a liberdade é um dos princípios caros ao PAICV e enfatizado na sua Declaração de Princípios. Leia-se com atenção e cumpra-se, consequentemente”, aponta, acrescentando de imediato que “as eleições pressupõem haver candidaturas, plurais, concorrentes. Assim, estando aberto o período eleitoral, a consequência imediata e natural desse facto é o surgimento de candidaturas concorrentes que possam oferecer aos militantes um quadro alternativo de escolhas”.