Pedro Morais: «Tem que haver descentralização para que as políticas públicas possam chegar às pessoas»

PorNuno Andrade Ferreira,5 mar 2017 7:07

Venceu as eleições de Setembro de 2016 e protagonizou uma das mudanças políticas saídas das autárquicas do ano passado. Alguns meses depois, dá uma grande entrevista conjunta à Rádio Morabeza e ao Expresso das Ilhas, enquanto Presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava, São Nicolau. Pedro Morais quer aproximar o poder da população, porque acredita que “o desenvolvimento é local”. Conheça as ideias de um autarca em início de mantado.

Vamos começar pelo início. Ficou surpreendido com a vitória? Presumo que me diga que não.

Não, claramente. Não ficámos nada surpreendidos porque estamos no Município há muito tempo. Conhecíamos as nossas dificuldades, mas também tínhamos noção do trabalho que era necessário para vencer as eleições. Sabíamos também que era difícil, mas era um desafio que valia a pena correr e hoje sentimos que valeu a pena.

 

A título pessoal, que sabor teve essa vitória, tendo em conta todo o processo até aqui, com a criação do movimento independente, a campanha eleitoral, a contagem e recontagem dos votos?

O sabor é um sabor normal. Eu disse logo, durante toda a eleição, que nós não prometemos nada a ninguém. Eu não tenho nada para dar a ninguém. As pessoas conhecem-nos bem. Aqui todo o mundo conhece todo o mundo. Acreditámos até ao fim e esse acreditar é que nos tem aqui.

 


Como é que foi o processo de transição?

O processo foi normal. Tivemos um encontro, logo depois das eleições. O substituto do senhor presidente da Câmara fez o processo, nós fizemos a passagem. Recebemos os documentos e inteirámo-nos daquilo que se estava a passar no município.

 

Que município é que encontrou? A realidade que encontrou era diferente daquela que esperava?  

Foi diferente porque tínhamos um município que estava a trabalhar com duodécimos, porque o plano de actividades não tinha passado. O município trabalhou o ano todo [2016] sem um plano de actividades e sem um orçamento. Ora, trabalhar sem plano, sem orçamento é uma desordem, porque ninguém sabe como fazer. Você faz o serviço mínimo, não tem como pegar nos projectos, elencar e trabalhar de forma rigorosa. Perde a capacidade de investimento. Não estava por dentro da gestão, mas tinha clara consciência que seriam dias difíceis de gerir.

 

Quais eram os principais problemas?

Os principais problemas são as dívidas. Muitas dívidas a terceiros, dívidas com a banca. As dívidas com a banca, são projectos, são investimentos que se fazem. Podemos até aceitar, é uma forma de gestão. Podemos não concordar com um ou outro projecto, mas depende de quem está a fazer a gestão. Agora, as dívidas a terceiros vão aparecendo aos poucos, a conta-gotas. São dívidas enormes. E como pagar estas dívidas? Este é o grande problema. Não há como.

 

Têm alguma solução para resolver este problema de endividamento?

Primeiro, temos que elencar as dívidas, saber quanto e chegar aos fornecedores. Essas dívidas são verídicas? Foram contraídas para que efeito? Como gestor, tenho que saber. A secretária [municipal] ficou, exactamente, para poder fazer esta ponte entre aquilo que existe e aquilo que nós vamos planear. Então, através do gabinete de planeamento estratégico, elencámos estas dívidas e, com os fornecedores, temos que fazer um plano de pagamento e negociar, juntamente com o governo, o que é que se pode fazer relativamente a essas dívidas.

 

O que é que o governo pode fazer?

É uma resposta difícil. O governo tem as suas atribuições e tem também as suas respostas para essas questões, mas nós quando estamos aflitos temos que procurar ajuda e o grande pai é o governo. Nós sabemos que todos os municípios ficaram endividados e todo o mundo vai bater na mesma porta. E como fazer? Nós temos que criar as soluções. Temos que procurar soluções. Eu não sei como é que o governo vai ajudar, mas prontificou-se em ver quais são as possibilidades.

 

O governo tem previsto o aumento de algumas verbas para os municípios. Pode ser parte da resposta?

Pode. Tem é que ser bem equacionado.

 

Viramos a página. Apesar destes constrangimentos financeiros que elencou, começa 2017 com projectos por concretizar. Quais são as prioridades para este ano?

Iniciámos o nosso mandato no primeiro trimestre de 2016 e começámos com tarefas simples, como ir às comunidades, chamar as pessoas para dizerem o que é necessário fazer nessa comunidade, como é que estamos, o que é que queremos, para onde queremos ir. Começámos com esse pequeno exercício, para começar a planear.  Começámos também com projectos que já tinham sido financiados.  Assinámos um contrato-programa com o Ministério de Educação, fizemos a reabilitação de quatro salas de aula na Chanzinha, na Escola Secundária Baltasar Lopes da Silva. Como sabe, aqui não há liceu de raiz. Conseguimos cinco mil contos do Ministério da Educação para fazer aquela reabilitação.  Fomos ao Carriçal. Há um professor que lecciona numa casa que não tem condições. Então, arrancámos com esse projecto também no Carriçal. A sala já tem todas as paredes, falta cobertura e finalizar o projecto. O nosso município é um município pequeno, a nossa ilha também é pequena e perdemos diariamente população para a ilha do Sal, Boa Vista, cidade da Praia, etc. O que fazer para fixar as pessoas? Temos que ter projectos estruturantes, mas antes de começarmos com projectos estruturantes, temos que começar com pequenos projectos. E os pequenos projectos têm a ver com aquilo que temos. O que temos são as pessoas, é a nossa gente. É isso que começámos a fazer, a procurar a nossa essência cultural para poder começar a atrair o turista. Temos que começar a trabalhar junto dos pequenos investidores, pequenos operadores turísticos, para ter um turismo virado para essa faceta: a cultura, o desporto de montanhas, o desporto náutico.

 

Para quem procura uma experiência autêntica...

Exactamente. Nós procuramos esta identidade. O que temos que fazer é ter pequenos meios e potenciá-los, fazer com que as pessoas visitem, mas também que deixem alguma receita. É por isso que temos que definir claramente o caminho.  Juntamente com o turismo vem atrelada a agricultura e a pesca, que nós temos, e a criação de gado.

 

De uma maneira geral, as condições de que fala estão criadas. O que é que tem faltado?

Na minha perspectiva, falta articulação. Temos muita coisa, mas cada uma funciona de forma estanque, isolada.  Hoje o desenvolvimento é local. O governo está lá em cima, no topo, e as pessoas estão aqui, na base. Então as políticas devem ser centradas nas pessoas. E qual é o poder que está mais próximo das pessoas? É a Câmara Municipal. Então, tem que haver uma descentralização do poder, nesta vertente, para que as políticas públicas possam chegar às pessoas. É necessário ter cooperação, descentralizar, fazer acontecer.

 

No fundo, pequenos projectos podem fazer grande diferença.

Exactamente. E esses projectos têm que existir. Muitas vezes, estes projectos não estão na cabeça de quem planeia, estão na cabeça das pessoas que moram nas localidades. Vai dizer claramente: eu consigo fazer esta coisa. Então, o que é preciso para concretizar aquilo em que está a pensar? É isto! A pessoa arranjou uma solução. Temos que ajudar as pessoas a edificarem aquilo que planearem, dar seguimento e não criar a ideia do assistencialismo que foi dada há muito tempo.

 

Além do papel da Câmara Municipal, há depois uma série de outras questões que ultrapassam a esfera municipal, uma das quais o transporte.

É um grande desafio. Temos que exigir mais e temos que mostrar dinâmica, capacidade interna.

 

O turista desiste logo, não tem tempo a perder.

A primeira coisa que o turista faz é excluir imediatamente as ilhas com esses problemas. Uma ilha tem que ter uma porta de entrada e uma porta de saída, tem que ter viabilidade no percurso. Os primeiros turistas que têm que ser trabalhado, e bem, são os cabo-verdianos. Cabo-verdianos, vocês conhecem as vossas ilhas? Os vossos municípios? Os vossos cantos? As viagens são caras, não temos como estabelecer mobilidade no nosso país. É mais fácil ir a Portugal do que ir à Praia.

 

E quase pelo mesmo preço.

Não. Menos ainda.

 

Dizia-me que é que preciso que a ilhe mostre dinâmica...

Tem que ter essa dinâmica. Tem que ter uma dinâmica cultural, tem que ter a capacidade de juntar as pessoas que têm a vocação, por exemplo, para receber turistas. Já temos pequenos núcleos. Hoje em dia, você não vem somente para hotéis, você tem alternativas. Existem outros ambientes, casas familiares, onde você pode descansar, conviver com animais, juntar-se ao agricultor, ordenhar uma cabra, montar num burro.

 

Para si, o mais importante é ter os recursos financeiros, ou a capacidade organizativa interna?

Essa capacidade vem à frente. Se você tem recursos, mas não tem capacidade, não tem um staff, não tem uma estratégia, não tem planeamento, não sabe para onde quer ir, pode ter todo o dinheiro do mundo, não faz nada. Então, a primeira coisa que se faz, na minha perspectiva, é organizar-se bem, criar um planeamento estratégico, partilhar com as pessoas que estão cá, que estão no país e que estão em todo mundo, que dão sugestões. Temos que ter essa capacidade organizativa, criando um plano, um planeamento estratégico, para poder delinear, para poder ter uma visão do futuro da ilha e do município.

 

É nisso que também vai trabalhar neste início de mandato?

Já estamos a trabalhar nesta perspectiva. As equipas já começaram a fluir, pessoas voluntárias que começaram a dar o seu tempo. Eu sou dessa ilha, eu tenho algo a dar. As pessoas apresentam-se, dão aquilo que têm, que é a vontade de ver a ilha desenvolver. Isto é possível e vai ajudar-nos a redescobrir a nossa história, uma história engraçada, uma história escrita no livro de Baltasar Lopes da Silva. Temos que nos recentrar. Temos que procurar o passado, para dizer que foi o nosso passado. O que é que podemos acrescentar? O quê é que eu, que estou aqui neste preciso momento, a viver essa história, esta realidade, posso acrescentar?

 

Está optimista em relação ao que aí vem?

Estou. Estou optimista, porque temos um grupo de trabalho, temos uma equipa. Temos uma equipa dinâmica, tripartida, por mais incrível que pareça, mas que tem uma dinâmica interna que nos deixa satisfeitos e que, neste pouco tempo, tem dado sinais de querer trabalhar nesta linha de ideias. Não é somente o pensamento do presidente da Câmara Municipal, é o pensamento partilhado com os outros, com os colegas. Por um lado, esta equipa dá-nos a satisfação de trabalhar sem muita pressão. Esse é o aspecto fundamental. Temos essa harmonia em termos do trabalho e esse respeito perante o trabalho do outro. Por outro lado, é esta relação criada, esta empatia que nós temos com o governo, nas suas políticas de descentralização, que tem dado frutos. Por exemplo, a parceria que rapidamente  estabelecemos com o Ministério de Educação. Havendo essa vontade, de parte-a-parte, havendo essa aliança, vamos conseguir fazer algo diferente. O imprescindível é arranjar a melhor solução que sirva a comunidade, que dê resposta, não somente imediata, mas uma resposta que dure, para que as pessoas possam ver que a resposta é viável. 

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 796 de 28 de Fevereiro de 2017.

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,5 mar 2017 7:07

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  6 mar 2017 11:41

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