Governo tinha sido avisado que ia enfrentar um problema grave

PorJorge Montezinho,18 mar 2017 6:17

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O governo já sabia onde estava a meter-se quando, há cinco anos, decidiu avançar com a primeira recapitalização do Novo Banco (NBCV). Um parecer do Banco de Cabo Verde, de 2012, baseado no Plano de Negócios actualizado da instituição, em teoria, vocacionada para a economia social, recomendava muita cautela na tomada de decisão quanto ao projecto NBCV e, em particular, “quanto à possibilidade reforço da participação directa e indirecta do Estado no projecto”. As razões para esse cuidado? Os problemas de eficácia na acção do Estado na área financeira, os riscos inerentes para o sistema financeiro e os possíveis custos fiscais explícitos e implícitos.

 

Há cinco anos, o Banco de Cabo Verde era claro: era necessária uma maior atenção e aprofundamento de alguns aspectos de modo a permitir uma decisão mais informada sobre a recapitalização. E entre esses aspectos, salientam-se: a clarificação da estratégia de intervenção do NBCV em particular no que respeita à procura dos seus produtos e serviços e ainda à concorrência; a clarificação da parceria com os CCV e com o BPG; a definição da política de gestão de recursos humanos, garantindo assim pessoal com capacidade, motivação e estabilidade para garantir a concretização da estratégia preconizada para a instituição; a reavaliação dos Custos com o Pessoal com vista à sua possível redução, designadamente no que respeita aos encargos com os órgãos sociais; e a análise realista das probabilidades de aumento do capital social, designadamente pela via de compromissos firmes por parte dos accionistas actuais e de potenciais novos accionistas.

Apesar destes avisos, em Dezembro de 2012, o Capital Social do Novo Banco foi aumentado em 100%, ascendendo a 600.000.000$00 (seiscentos mil contos). Três anos depois, a 29 de Julho de 2015, o Capital Social do Novo Banco seria aumentado novamente para 849.500.00 (oitocentos e quarenta e nove milhões, quinhentos mil escudos). Os sucessivos aumentos de capital tinham sempre um objectivo, responder aos contínuos maus resultados da instituição bancária.

O projecto inicial do NBCV começou torto, previa um capital social inicial de 750.000 contos, evoluindo para 2.000.000 contos em cinco anos. Porém, o Banco arrancou com um capital social de 300.000 contos, o mínimo exigido pela regulamentação aplicável. O Plano de Negócios refere este facto, mas não apresentou nem analisou as razões desse “recuo” por parte dos accionistas. Aliás, as informações iniciais prestadas pelo Novo Banco são férteis em “buracos” e omissões.

Como referia o BCV em 2012, o Plano de Negócios do Novo Banco de Cabo Verde (NBCV) partia do pressuposto da necessidade de uma instituição financeira do tipo no país, de cariz social e orientado para segmentos não bancarizados da população. Mas, diz o parecer, “embora se aceite que determinados sectores da economia e da sociedade cabo-verdianas carecem de acesso adequado a serviços financeiros, convinha que fossem apresentados dados específicos relativos a esses sectores. Por outro lado, o Plano de Negócios assume que o problema está do lado da oferta, um pressuposto relativamente ao qual convinha também que fosse fundamentado. Por último, ainda que se aceite que o problema esteja efectivamente do lado da oferta, convinha fundamentar a tese de que um Banco, ainda que de cariz social, seja a forma adequada de resolver o problema”.

Outro exemplo, o projecto NBCV assentava fortemente em parcerias com os Correios de Cabo Verde (CCV) e com o Banco Português de Gestão (BPG). Porém, apesar da importância dessas parcerias, as informações sobre as mesmas eram escassas no projecto. Além disso, os CCV já tinham uma parceria com a Caixa Económica de Cabo Verde (CECV), mediante a qual a CECV prestava serviços financeiros através da rede de agências dos CCV. Apesar da relação entre estas duas instituições durar há quase um século, o projecto do NBCV nunca abordou essa relação nem o possível impacto que uma relação entre o NBCV e os CCV, também para prestação de serviços financeiros, poderia ter sobre a referida relação histórica.

 

Falta de informação

Uma das constatações que chama a atenção, no parecer do BCV, é que apesar de alguns documentos relevantes do processo, designadamente o projecto inicial e o Plano de Negócios inicial, terem sido referidos por diversas vezes no Plano de Negócios actualizado, que estava em análise, esses documentos não foram disponibilizados para exame. O que provocou algumas questões ao Banco Central.

O Plano de Negócios inicial previa que em 2015 o valor acumulado das receitas de prestação de serviços de assessoria atingiria os 620.000 contos. No Plano de Negócios actualizado a previsão desse valor caia para 47.068 contos, o que afectaria fortemente a previsão de resultados. Referia o PN actualizado que “… para ultrapassar esta situação, o Banco será forçado a aumentar consideravelmente a sua carteira de crédito”. Ou seja o aumento da carteira de crédito decorreria das necessidades do Banco e não de procura eventualmente existente e actualmente não satisfeita.

O Plano de Negócios actualizado referia que, com excepção dos anos 2011 e 2012, para os quais o PN previa diminuição dos efectivos, nos anos 2013 a 2015 previa-se um aumento, embora ligeiro, do número de colaboradores. Porém, como salientou o BCV, o documento não especificava qual a razão de tal evolução. “Aliás”, lê-se no parecer, “o documento é praticamente omisso em termos de política de gestão de recursos humanos (selecção, retenção, remuneração, motivação, progressão, e desenvolvimento)”.

Ainda no que se referia à gestão dos recursos humanos, o Plano de Negócios actualizado não especificava o perfil dos Técnicos Superiores (que seriam em número de 6 em 2016) nem dos Técnicos (que seriam em número de 22 em 2016), “o que dificulta a análise da sua adequação à estratégia do NBCV”.

Os Custos com o Pessoal eram apresentados por grupos, o que não permitiu aferir a sua adequação face ao perfil dos titulares e às responsabilidades desempenhadas, mas era referido que nos anos 2012 a 2014, as Despesas com o Pessoal rondariam os 50% dos Custos Operacionais. Para esse mesmo período, os Custos com Órgãos Sociais rondariam os 20% das Despesas com o Pessoal. No comentário do BCV, em 2012, lia-se: “os órgãos sociais são integrados por um total de 13 elementos, sendo 5 Administradores e 3 membros do Conselho Fiscal. Considerando a dimensão do NBCV, coloca-se a questão da adequação desses custos em particular o número de Administradores. No que respeita ao Conselho Fiscal uma possível alternativa seria a contratação de uma firma para assumir as funções de Fiscal Único”.

A tipologia de produtos do NBCV (operações activas) baseava-se numa abordagem de oferta. No que respeita à procura, o documento referia que “ … o NBCV assenta uma parte importante da sua estratégia na bancarização de vastos sectores da economia cabo-verdiana …”, ou seja, elementos abstractos que limitam a qualidade das projecções. O mesmo se podia dizer relativamente aos pressupostos de estruturação da carteira de depósitos. Em relação à concorrência, o documento referia que “ … a sua carteira será concorrente das actualmente existentes no mercado”, nunca especificando como é que se pretendia fazer face a essa concorrência;

O Plano de Negócios actualizado previa ainda um cenário base com aumentos de capital accionista de 500.000 contos por ano no período 2012 a 2014 e um cenário alternativo em que esses aumentos seriam de 350.000 contos, 400.000 contos e 410.000 contos, respectivamente. Mas o documento não explicava se seriam os actuais accionistas a aumentar o seu capital actual ou se seriam novos accionistas a engajar. “De qualquer forma”, referia o BCV, “o documento não refere porque é que os accionistas actuais não inscreveram a totalidade do capital social inicial. Daí que se torna difícil aferir seja a probabilidade desses mesmos accionistas aumentarem agora a sua participação, seja a probabilidade de engajamento de novos accionistas”.

 

Princípio e fim

O que o parecer do BCV deixa entender, há cinco anos, é que o Novo Banco era um projecto, praticamente, construído sobre o joelho, sem grandes estudos, certezas ou formas de justificar a própria existência. Criado em 2010, em período de pré-campanha eleitoral, vocacionado para a economia social e para o microcrédito, com uma estrutura que deveria ser pequena e barata, nunca cumpriu nenhum destes objectivos e teve o epílogo, na passada quarta-feira, quando entrou em processo de resolução ordenado pelo Banco de Cabo Verde, processo esse que vai ditar o fim do Novo Banco dentro de um máximo de três meses, segundo o Ministro das Finanças.

Como o Expresso das Ilhas adiantou na edição anterior, o principal problema, na verdade ilegalidade, era  o facto dos fundos próprios serem inferiores ao capital mínimo exigido aos bancos, por causa da acumulação de resultados negativos. Além disso, a instituição não cumpriu outras exigências prudenciais, nomeadamente a respeitante à solvabilidade. Os fundos próprios regulamentares (BCV nº 3/2007 19 Novembro), em 2015, atingiram os mil e duzentos contos, ficando muito aquém dos 800 mil contos que corresponde ao mínimo exigido pela regulamentação. Perante este nível dos fundos próprios, o banco não cumpriu com o rácio de solvabilidade – um dos principais rácios prudenciais - (BCV nº 4/2017 de 19 Setembro), tendo ascendendo aos 0,06%, valor muito abaixo dos 10% exigidos. Na verdade, o Novo Banco acumulou prejuízos desde a sua constituição e só não entrou numa situação de falência técnica devido às sucessivas entradas de capital por parte dos accionistas.

No fundo, o que fica destes anos de actividade? Custos de estrutura elevadíssimos com impacto directo no desempenho do banco, rácios prudências deteriorados, com os fundos próprios e os rácios muito abaixo dos mínimos exigidos pela autoridade de supervisão. Além disso, o Novo Banco nunca passou nos testes de stress realizados pelo Banco de Cabo Verde. Por último, é de salientar o peso de apenas 4,7% do microcrédito no total da carteira de crédito do Novo Banco, o que demostra o desvio do negócio da instituição.

O expresso das ilhas tinha adiantado, na edição da semana passada, que a factura a pagar pelos contribuintes seria elevada, agora já se sabe quanto é: um milhão de oitocentos mil contos, é este o preço do negócio ruinoso em que se transformou o Novo Banco.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 798 de 15 de Março de 2017.

 

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Autoria:Jorge Montezinho,18 mar 2017 6:17

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  20 mar 2017 9:24

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