Um sistema de Justiça mais rápido e eficiente e maior garante dos Direitos Humanos, nomeadamente os direitos das crianças. Estes são desafios a que o Ministério da Justiça quer dar resposta através da criação de Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF). Nesse sentido, e para debater o formato, a importância, enquadramento e alcance desse Instituto, decorreu ontem, 20, uma conferência que contou com a participação de especialistas portugueses da área e diversas organizações e entidades cabo-verdianas.
“Estamos convencidos que o reforço da medicina legal e a criação do Instituto irá inaugurar uma nova era no domínio da Justiça em Cabo Verde”, frisou a ministra da Justiça na abertura da conferência “Necessidade e importância da criação do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, em Cabo Verde”.
De acordo com Janine Lélis, numa posição partilhada pelos participantes e convidados da Conferência, a criação de tal instituto dotará o país de maior e melhor apuramento de meios de prova, mais celeridade nos processos em tribunal e uma “maior e melhor certeza jurídica nos procedimentos” o que melhorará a “eficácia no combate à impunidade”.
Agressões e crimes sexuais são, destacadamente, uma área onde os processos judiciais ganharão outra eficácia, ficando assim ultrapassada, por exemplo, a corrente falta de provas testemunhais.
Uma outra questão jurídica em que a actuação do INMLCF é de suma importância é a averiguação oficiosa da paternidade. “ Só para se ter uma ideia da premência da situação, no ano judicial de 2014/2015, foi de 7266 o total de processos” a esse nível, apontou Janine Lélis.
A ministra da Justiça reconheceu que, embora a Polícia Judiciaria já possua “possui condições técnicas para a realização de testes de DNA”, estas não têm sido realizadas devido ao custo dos reagentes, impossibilitando assim a efetuação de provas de paternidade. Porém, esse desafio será ultrapassado no “quadro da eficácia e da realização da justiça”, garante. Em estudo estará, inclusive, se o INMLCF englobará ou não o laboratório da PJ.
Conferência é mais um passo para criação INMLCF
A conferência sobre a criação do INMLCF em Cabo Verde é na realidade mais um passo na efectivação desse desígnio, precedido pelo Decreto-lei n.º 47/2016 de 27 de Setembro que aprova, no âmbito da nova orgânica do Ministério da Justiça, a criação do mesmo. Ademais é desde logo assumido o seu objectivo que é o de “assegurar a prestação de serviços periciais e forenses, bem como a promoção da formação e da investigação nesse domínio”, conforme explicado na nota de imprensa sobre o evento de ontem.
O objectivo principal da conferência foi então o de encontrar caminhos, opções e soluções à medida cabo-verdiana para a edificação de um INMLCF funcional e sustentável, e ao mesmo tempo sensibilizar para a importância do mesmo, envolvendo instituições do estado, públicas e privadas, nacionais e internacionais “nas discussões sobre os mecanismos para a implementação” do INMLCF-CV.
Também o ministro da Saúde, Arlindo do Rosário, que presidiu a sessão de encerramento da conferência, apontou que o primeiro passo para a implementação do INMLCF foi dado com a aprovação da nova orgânica do MJ, sendo que este evento “reforça a decisão”.
Entretanto vários representantes dos órgãos nacionais, como o Procurador-Geral da República, Óscar Tavares, reiteraram o seu total apoio à criação deste Instituto, pelas vantagens que traz (nomeadamente maior segurança jurídica e justiça mais célere).
A conferência, realizada pelo Ministério da Justiça, através da Direcção Geral da Política de Justiça, contou com o apoio da UNICEF. A esta iniciativa associam-se a embaixada de Portugal, e técnicos portugueses do INMLCF, assim como várias entidades nacionais: ICCA (parceiro), o Ministério da Saúde, os Conselhos Superiores da Magistraturas Judiciais e do Ministério Público, a Ordem dos Advogados de Cabo Verde, a Ordem dos Médicos de Cabo Verde, a Polícia Judiciaria e a Polícia Nacional.
Da conferência saíram oito recomendações, apresentadas pelo Director Geral da Política de Justiça, Benvindo Oliveira, entre as quais a de um investimento na formação, a necessidade de aprovar o quadro geral da actividade, e os valores a reger o Instituto: objectividade; imparcialidade e autonomia financeira e administrativa.
Perícias médico-legais são insubstituíveis
“Por muito boa que seja a justiça, em muitas circunstâncias, se não conseguirem ter perícias médico-legais, é justiça que não é feita, são casos que não são resolvidos. As perícias médico-legais constituem uma prova, de extremo valor e que não é substituível por outras”, defende o presidente do INMLCF de Portugal, Francisco Corte-Real.
Quanto aos passos para a instalação de um INMCF, aponta o especialista que o primeiro é definir o enquadramento legal, depois pensar as instalações físicas, os laboratórios e a forma como é estruturada a rede do Instituto para que tenha alcance nacional. Não menos importante, o terceiro aspecto é a formação. Em relação ao primeiro e último aspectos, em concreto, Francisco Corte Real mostra-se optimista com o INMCF-CV: há vontade política para a sua instalação e recursos humanos com bom nível de qualificação.
Para este médico, um INMLCF mais do que significar a reunião de um conjunto de perícias que por vezes já se fazem de forma isolada em outras instituições – reunião essa que só por si já traz mais valias ao nível da qualidade, concertação e visão holística -, incorpora maior certeza de autonomia a independência. E vem acompanhada de uma maior aposta na formação. “Não podemos fazer boa perícia se não se fizer investigação e formação. Ou seja, a prestação de serviços, a formação e a investigação devem andar sempre em conjunto. E todas as áreas têm de falar entre elas andar conjugadas, estar articuladas”. Medicina, Toxicologia, Genética, patologia, enfim todas as áreas da MLCF. As consequências são perícias “mais rigorosas, mais eficiência, maior capacidade de resposta, mais abrangência, resultados mais seguros, objectivos , independentes.”
A conferência, que decorreu na Praia, teve como oradores Francisco Corte Real, Presidente do INMLCF de Portugal; Cristina Cordeiro e Carla Monteiro também do INMLCF e António Tralhão, Administrador Hospitalar.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 812 de 21 de Junho de 2017.