“Eu herdei uma ilha sem barracas e vou deixar uma ilha sem barracas”, garante Miguel Rosa que aposta no turismo residencial e habitacional e num turismo cultural que integre as populações na dinâmica económica da ilha como o caminho a seguir.
São 18 meses de mandato. Que balanço já é possível fazer?
O balanço é muito positivo tendo em conta que assumimos o destino da ilha num momento muito interessante, numa fase de transição, e normalmente as transições podem ter algum sobressalto. No nosso caso tivemos a sorte de termos uma transição pacífica e acima de tudo temos estado a implementar as medidas de políticas e todos os compromissos que assumimos perante os maienses. Até este momento já investimos mais de 40 mil contos na requalificação urbana dos povoados da ilha, da cidade e das vilas. Neste momento diria que nos faltam apenas algumas localidades para fazermos uma intervenção de fundo. Mas para nós a requalificação urbana não fica por aqui. Vamos lançar o concurso para a requalificação urbana, por exemplo, da Ribeira de Fontona, onde estamos a falar de mais de 100 mil contos, e vamos iniciar a obra de requalificação urbana e ambiental da Ribeira de Calheta. Estamos em obras no Barreiro, Calheta, estamos em obras aqui na cidade, na zona da Shell, e Morrinho, já temos feito intervenções em Pilão Cão, Figueiras, bairro Nhu Dam, aqui no Porto Inglês, sempre na lógica de valorizar o espaço em que essas intervenções são feitas. Gostaria de fazer referência, em termos de requalificação urbana, aos trabalhos realizados no Morro. Também queremos criar outro estímulo nas pessoas e nos bairros como forma de combater toda a questão do saneamento e saúde pública que é, para nós muito cara, sem contar com a qualificação territorial. Noutros aspectos, nomeadamente a nível do ensino superior, quando nós assumimos o destino da ilha, havia muitos jovens que tinham problemas a nível de diplomas porque havia uma dívida de cerca de 13 mil contos da autarquia junto das universidades e institutos superiores. Já resolvemos todos estes problemas, hoje alguns desses jovens já estão no mercado de trabalho. Ainda a nível da educação lançamos o concurso para a aquisição de dois autocarros de transporte escolar no valor de 12 mil contos. Infelizmente ainda não os temos aqui no Maio, porque a empresa que venceu o concurso ainda não conseguiu colocá-los cá. Na educação, ainda, gostaria de frisar a relação boa que temos tido com o governo, através da delegação do ministério e da direcção da escola secundária, que permitem, hoje, ter ganhos visíveis neste sector. Outro destaque é a cultura. Hoje, diria mesmo que nesta área há uma excelência cultural. Temos uma agenda cultural forte durante o ano. Inclusive este ano realizou-se aqui, pela primeira vez, o Dia da Europa. Temos feito ouvir a nossa voz, temos cativado simpatias a nível nacional e internacional e a União Europeia e outros parceiros são prova disso. Falando da UE, encontramos um projecto muito interessante de requalificação turística e dinamização da ilha do Maio e que tem várias vertentes, desde a formação profissional às actividades económicas, à requalificação ambiental e urbana. No decorrer deste mandato acabamos por ter um outro projecto, já lançado, de turismo comunitário e solidário que conta com o apoio da UE, da SDTIBM, do Instituto Marquês Vale Flor e da Câmara Municipal de Loures. Na área da cooperação já assinamos dois acordos de geminação com a Câmara Municipal de Santa Cruz (Santiago) e com Proença-a-Nova e também, fruto da cooperação, recebemos dois camiões bombeiros, duas ambulâncias, para além de assistência técnica e de todo o apoio a nível de desenvolvimento da própria ilha e da partilha de experiências. O Centro de Formação Profissional tem uma nova dinâmica com cerca de seis formações ministradas e também temos feito cursos em articulação com a SDTIBM e com o Fundo de Turismo que permitem que os jovens do Maio frequentem a Escola de Hotelaria e Turismo. Estamos numa fase de empoderar as famílias. Temos feito intervenção na reabilitação de casas. Já reabilitamos mais de 30 casas e estamos a preparar um projecto para, ainda antes da época das chuvas reabilitar mais casas e neste concernente temos de admitir que na ilha são mais de 400 casas por reabilitar que têm problemas de fissuras e infiltrações de águas. São obras no valor de mais de 150 mil contos. mas estamos com os nossos parceiros e com o governo a ter um inicio de mandato muito interessante e com uma dinâmica muito boa.
O Maio tem um problema de transportes. Faltam ligações de e para o Maio. O que está a ser feito para mudar isso? Que expectativas é que a Câmara tem?
Não só a CMM mas os próprios munícipes. Mas nós temos um problema que é estruturante, que precisa de ser equacionado e que tem a ver com o próprio porto. Por mais que tenhamos barcos, bons barcos, temos um problema de atracagem. Temos informações, e estamos a acompanhar de perto, que brevemente vai ser requalificado o Porto do Maio. Pelo menos vai ser lançado o concurso brevemente com financiamento do BAD. Nós acreditamos que a partir do momento em que seja lançado o concurso e arranquem as obras poderemos começar a combater a inacessibilidade externa. Mas o desenvolvimento da ilha não passa apenas por combater a inacessibilidade marítima. A aérea também é fundamental. Uma ilha com as potencialidades e as características do Maio tem de estar conectada com o país e o mundo.
Justifica-se uma maior ligação aérea tendo em conta que a Praia está a pouco mais de 20km? A ligação marítima faz-se em pouco tempo...
45 minutos se estivermos a falar de navios adequados.
Não seria mais conveniente para o Maio um transporte marítimo com maior regularidade?
Sim, o transporte marítimo e depois o aéreo. Temos um aeroporto internacional a 10 minutos de distância. É aumentar a regularidade. Nos últimos meses temos tido uma procura muito interessante em relação à ilha do Maio. Tanto de investidores como de visitantes. Estamos a trabalhar também na questão da promoção da ilha junto dos cabo-verdianos mas também além-fronteiras. Queremos rasgar horizontes para que o Maio seja conhecido, seja tido em conta e mais importante, que as pessoas possam investir na nossa ilha e, neste aspecto, acho que independentemente de outras coisas, estamos num momento muito interessante porque estamos em condições de escolher os investidores. Os investidores que queremos devem ser aqueles que vão ao encontro da nossa visão de desenvolvimento. Um desenvolvimento harmonioso, inclusivo, sustentável em que as pessoas devem ser as primeiras beneficiadas e que tenha em conta questões como a coesão e justiça sociais, questões ambientais e promoção da biodiversidade e, claro, a dinâmica económica. Emprego. Queremos mais emprego.
O turismo é apontado como o grande fundo de rendimento da ilha. Qual é a vossa ideia, o vosso objectivo? Transformar o Maio num novo Sal, numa nova Boa Vista ou há uma visão alternativa?
Há uma visão diferente. Porquê? Porque nós estamos, felizmente, no momento de aprender com os erros. A Boa Vista e o Sal seguiram os seus caminhos com erros e ganhos, mas, o mais importante para nós, é aprender com os erros. Se quisermos aprender com os erros da Boa Vista, a primeira coisa tem a ver com a planificação. Neste momento está-se na fase de estudos, já foi feita a apresentação pública do master plan, estamos na fase da sua conclusão. O que nós queremos é que os habitantes da ilha beneficiem com o desenvolvimento do turismo, os cabo-verdianos beneficiem com esse desenvolvimento assim como as pessoas que visitem ou queiram viver na ilha do Maio. E que a questão ambiental também seja tida em conta. Daí o segmento turístico que queremos para a ilha do Maio não pode ir muito pelo all-inclusive. Há outros segmentos, desde o turismo cultural, a questão da gastronomia, do turismo residencial, de habitação. Porquê? Porque nós temos sol e praia. Pode-se aproveitar esta dádiva que temos, mas ao mesmo tempo explorar outras vertentes do turismo, porque as pessoas quando escolhem um destino ou destinos de referência, essa escolha tem a ver com os serviços, com as pessoas, com a cultura, com a identidade cultural e patrimonial da ilha e também com a questão da segurança. Tudo isso tem de ser equacionado. Nós temos uma visão clara em relação ao desenvolvimento da ilha do Maio. Em vez de quantidade queremos qualidade. E que esta quantidade seja equacionada e pré-definida, planificada e a população tem de estar preparada para isso. Daí estarmos a apostar na formação profissional, na capacitação e inclusive brevemente teremos formação em língua inglesa e francesa através do Centro de Formação Profissional. Temos parceiros que apontaram neste sentido, mas também outras formações. E nós queremos manter essa harmonia, esse desenvolvimento inclusivo. Daí termos de aprender com os erros. a questão do saneamento tem de ser equacionada. Não podemos falar em receber milhares de pessoas se não equacionarmos a questão do saneamento. Não podemos equacionar isso sem pensarmos na questão da habitação.
Poderá a Câmara Municipal exigir contrapartidas a um investidor? Por exemplo, habitação para trabalhadores, construção de acessos, investimentos no Centro de Saúde...
Sim e temos estado a fazer isso. Mais no sentido de sensibilizar as pessoas que vêm para cá. Qualquer investidor para ter sucesso aqui no Maio, sucesso a longo prazo, se não equacionar todas essas questões daqui a uns anos o próprio investimento vai ficar em causa. Daí nós sempre termos falado com os nossos investidores, precisamente no sentido de dar algum apoio a nível da educação ou intervir directamente nesses sectores como a saúda, do saneamento ou da própria habitação. Não só para as pessoas que vêm como também para os próprios trabalhadores. É aí que está o papel fundamental do governo e da sociedade.
Para evitar que existam bairro de barracas como no Sal ou na Boa Vista...
Isso não vai existir. Eu herdei uma ilha sem barracas e vou deixar uma ilha sem barracas, independentemente da dinâmica de desenvolvimento que se vai incrementar na ilha.
Foram dados primeiros passos no investimento na ilha que acabaram depois por não resultar. A ilha tem um esqueleto de um projecto turístico que não resultou. Que projectos há para aquele espaço, que diálogo com o promotor?
Nós, quando assumimos o destino da ilha, uma das primeiras coisas que fizemos foi reunir, com o promotor do Salinas Beach Resort, mas também com outros, e também encetamos diálogo com o governo e com a SDTIBM. A ilha do Maio não consegue atrair bons investidores com um mau cartão postal. À entrada da ilha este edifício não pode continuar, e a nós agrada-nos saber que há uma vontade política e o próprio promotor está a envidar todos os esforços no sentido de equacionarmos este problema. Tem de ser equacionado e acreditamos que brevemente o será. Porque, como eu disse, temos um mau cartão postal. A ilha não pode parecer um cemitério de investimentos, antes pelo contrário. Temos mantido um diálogo muito construtivo com todas as partes e estamos convictos de que em breve teremos uma saída para isso.
Já há possíveis soluções?
Há. O que eu não gostaria é de antecipar, pelo menos neste momento, quais são. Em breve as pessoas saberão. Uma é a conclusão e só aqui estamos a falar de 800 empregos directos. Se tiver de passar por outras soluções mais drásticas, que se faça. O mais importante é decidir. O pior é deixar como está.
Maio e Santiago são ilhas com fortes ligações. Como evitar que o Maio se transforme num subúrbio da Praia?
Isso é fundamental. O Maio é um destino e o Maio tem de se posicionar como tal. Cabo Verde é um destino, mas tem de haver diversificação. As Seychelles conseguiram ser um grande destino e diversificar outros destinos dentro do país e o Maio tem de ser visto como um destino com características e segmentos que vão ser e estão a ser trabalhados, com uma visão clara de desenvolvimento e que seja complementar e não um subúrbio. Primeiro porque somos outra ilha, somos diferentes e, mais do que isso, temos características diferentes e temos todas as condições para sermos um destino próprio contando com a complementaridade da Praia.
Falava há pouco na saída de alunos para o ensino superior. Ponho-lhe a questão desta forma: que condições é que o Porto Inglês tem para funcionar primeiro como pólo de atracção dessas pessoas que saem e ao mesmo tempo como tampão para evitar a saída das pessoas?
Já há alguns anos que a desertificação humana que se tem verificado prende-se mais com os jovens entre os 17 e os 24 anos. Uma das razões tem a ver com a educação e formação. A cidade pode servir como tampão começando primeiro por fazer uma aposta forte na formação profissional. Daí dizer que já estamos à procura de financiamento e já temos algumas garantias de que brevemente vamos transformar o nosso centro de formação em centro de empreendedorismo, de incubação de empresas, mas também num centro que tem muitas outras valências a nível de áreas ligadas à restauração e hotelaria, à construção civil, jardinagem e outras áreas. Para além de sermos um tampão temos de ser capazes de atrair jovens de outros pontos do país. Daí a aposta nas línguas estrangeiras.
Outro factor importante para o desenvolvimento da ilha é a questão da segurança e o Maio já teve alguns problemas com assaltos a residências e a turistas. Como é que isso está agora?
Disse e bem que temos tido algumas situações, mas a insegurança aqui no Maio não é um fenómeno e a percepção da segurança também é fundamental. As pessoas têm a sensação de que estão seguras e realmente, as informações que temos tido, não só a nível desses assaltos como da pequena criminalidade têm diminuído. Isso é fruto de um trabalho preventivo e muito interessante da Polícia Nacional, mas também da própria comunidade maiense. Claro que pontualmente pode acontecer algo grave e pensar-se que o Maio é inseguro, mas Maio é uma ilha segura. Todas as pessoas que visitam a nossa ilha sentem isso. Ainda se podem deixar as portas destrancadas. Eu diria que é uma ilha em que ainda a morabeza, a hospitalidade e a segurança existem.
O efectivo policial é suficiente?
Suficiente nunca é, mas diria que tem sido suficiente para as demandas, embora defendamos que não devemos ter polícia apenas aqui no Porto Inglês. Já é momento de termos noutras vilas, principalmente na Calheta e já houve no passado, mas eu diria que tem dado respostas cabais.
A relação com o governo como está?
Eu fui vereador de 2008 a 2012 e hoje sou presidente da Câmara. Eu posso fazer essa comparação e sem estar a apontar o dedo. Estamos a falar de factos. De 2008 a 2012, era difícil ver um ministro a visitar a nossa ilha e quando se visitava nós nem os conseguíamos ver. Hoje como Presidente da Câmara tenho mantido contactos a qualquer hora com os governantes e essa relação é fundamental. Mas o mais importante tem a ver com a questão de empoderar o município. Todas as intervenções que nós fizemos só têm sido possíveis por causa da transferência de verbas do Fundo do Ambiente, do Fundo do Turismo, da própria discriminação positiva faz com que haja uma relação saudável. Arrisco dizer que ainda não houve um governo como este na era democrática de Cabo Verde. Um governo que em pouco tempo tenha transferido tantas verbas para o município e que respeite o princípio de subsidiariedade. O desenvolvimento é local, o governo tem respeitado a nossa visão. Nós vamos aplicar 36 mil contos que recebemos do Fundo do Ambiente numa obra só. Os municípios têm a visão, o governo transfere as verbas, mas a autarquia é que aplica de acordo com a sua visão, com a estratégia que se tem do desenvolvimento. Claro que se tem de prestar contas, isso tem de ser.
Já falou da sua visão para o turismo. No diálogo que tem tido com o governo sente que há uma partilha de ideias ou o governo estará mais interessado em grandes investimentos como os que foram feitos no Sal e na Boa Vista?
Eu diria que estamos alinhados. É claro que um grande investimento daria fôlego ao governo, uma maior contribuição para o PIB, para o emprego, a todos os desafios que se têm colocado ao governo. Mas, ao mesmo tempo, traria problemas graves para a ilha do Maio. Daí estarmos a dialogar com o governo neste aspecto. O Maio tem de contribuir mais para o desenvolvimento do país, mas ao mesmo tempo não deve ser mais um espaço para os problemas que referi. Eu diria que há um diálogo. A minha viagem às Seychelles, por exemplo, aconteceu porque solicitamos ao governo que fizesse uma missão àquele país para aprendermos mais com o modelo de desenvolvimento turístico das Seychelles. Fomos numa missão liderada pelo ministro da Economia. É uma questão de aprendizagem. É claro que pode haver, pontualmente, algum ponto divergente, mas o mais importante é que este governo consegue dialogar e até este momento as coisas têm corrido muito bem e nós acreditamos que pelos investimentos que vamos ter seremos uma referência a nível nacional daqui a três anos. Precisamente porque há este dialogo. Os investidores que estamos a tentar atrair, ou que o governo está a tentar atrair são os investidores que vão ao encontro da visão do poder local e dos próprios cabo-verdianos à cerca do desenvolvimento da ilha do Maio. O desenvolvimento da ilha do Maio, hoje, constitui um desiderato de todos os cabo-verdianos. Todos dizem e querem fazer do Maio um modelo de referência e o papel do governo é fundamental nisso.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 863 de 13 de Junho de 2018.