Ângelo Vaz, o actual edil, está entre os que sempre defenderam a criação dos novos municípios, pois, na sua opinião, apesar de todos os constrangimentos, a criação dos novos municípios não pode ser vista só do ponto de vista económico. Nas suas palavras, ter trazido o poder para junto das pessoas, teve e tem um impacto positivo. “No caso concreto deste município, nos 13 anos da sua criação, registou-se um avanço significativo que dificilmente teríamos atingido se não tivéssemos sido graduados a essa categoria”, afirma o edil salvadorenho nesta entrevista em que aborda os constrangimentos que condicionam a alavancagem do município e as medidas em curso para reverter a situação agravada pelo mau ano agrícola.
São Salvador do Mundo assinala esta quinta-feira os 13 anos da criação do município. Valeu a pena?
Com a elevação da freguesia à categoria de município nós assumimos as rédeas do nosso destino e estamos satisfeitos com o nosso percurso. Treze anos, uma idade bonita, uma idade jovem, o que significa que temos um longo caminho pela frente e acreditamos que o futuro é promissor.
O 13 não é um número aziago para si?
O 13 não pode ser um número de azar para nós, porque acreditamos, temos fé naquilo que fazemos, contando sempre com a dedicação e colaboração de todos os salvadorenhos. Não tenho dúvidas de que este ano a celebração do 13º aniversário do município vai ser um momento de muita festa, de muita confraternização e de celebração dos ganhos que já conseguimos até agora.
Há vozes que contestaram a criação de municípios com parcos recursos, entre eles o de São Salvador do Mundo. Com razão?
Estou entre os que defendeu e defende a criação dos novos municípios, neste caso o de São Salvador do Mundo e os demais que foram criados em 2005. Não obstante esses municípios terem parcos recursos e passarem por muitas dificuldades, acho que a sua criação não pode ser vista só do ponto de vista económico. Ter trazido o poder para junto das pessoas, teve e tem um impacto positivo. No caso concreto deste município, nos 13 anos da sua criação, registou-se um avanço significativo que dificilmente teríamos atingido se não tivéssemos sido graduados a essa categoria. Portanto, sou a favor, fui-o no passado, sou e seria sempre defensor da criação desses novos municípios, incluindo São Salvador do Mundo.
Entretanto os indicadores apontam para outra direcção: quase metade da população é pobre, quando a média nacional é de 35%; baixa cobertura em termos de serviços desconcentrados; infraestruturas incipientes e só 24% têm acesso à água canalizada.
Os dados que apontou interpelam a todos os políticos, actores socais e religiosos, porque, de facto, o município enfrenta ainda esses constrangimentos que no seu todo condicionam a sua alavancagem do ponto de vista do desenvolvimento económico, social e cultural. Assumimos o município com esses indicadores, mas já demos sinais de melhorias. O município denota agora outra dinâmica e apresenta outros dados que precisam ainda ser actualizados. Seja como for, esses constrangimentos fazem com que nos dediquemos muito mais a esta causa, porque o município tem potencialidades e condições endógenas que podem reverter esse quadro não muito positivo que coloca São Salvador do Mundo num ranking não muito abonatório no conjunto dos municípios de Cabo Verde.
Diz que o município já deu sinais de melhorias. Em que sectores?
Nós temos muito orgulho em apresentar alguns dados que vão alterar os indicadores que referiu referentes a 2016. Esta Câmara encontrou, em 2016, um município complemente encravado, com excepção de poucas zonas, como Achada Igreja, Achada Leitão, Purgueira, Babosa, Chão Rodrigues e Aboboreiro que têm acessibilidade durante todo o ano. São localidades que ficam na linha da estrada nacional que liga Cidade da Praia a Tarrafal. Na campanha tinha prometido que o município precisava dar um salto e que a prioridade das prioridades seria o desencravamento das localidades. Tenho muito orgulho em dizer-lhe que no primeiro ano do nosso mandato construímos uma estrada em Covão Grande de quase dois quilómetros que veio a desencravar uma das zonas com maior potencialidade do município que é a localidade de Pico Vermelho que custou 12 mil contos aos cofres da Câmara Municipal. Neste momento, em parceria com o Governo, já estamos a finalizar a estrada de Picos Acima que é a zona que tem maior densidade populacional de São Salvador do Mundo. É uma zona com muita potencialidade agrícola, turística e a nível do artesanato, mas que durante anos e anos reclamava por uma infraestrutura desta natureza. Já no dia 19 de Julho iremos inaugurar um pequeno troço de estrada em Mato Fortes que irá desencravar uma das maiores zonas agrícolas do município que fica abaixo da barragem da Fafeta que num passado recente os agricultores não tinham como fazer escoar os seus produtos, mas agora facilmente podem levar os seus produtos para os mercados da Assomada e da Praia. Em termos de desencravamento vê-se que já estamos a dar sinais de alguma melhoria e o município já conhece outra dinâmica com impacto directo na vida das pessoas. Em relação à ligação domiciliária de água, somos o município de Cabo Verde com menor acesso à água canalizada. Neste momento, com o investimento que já fizemos nas zonas de Pico Freire e da Fafeta, estamos em condições de dizer que esses dados de 2016 já fazem parte do passado. São duas localidades que vão ter ligação a 100 por cento, fruto de um volume de investimento que ascende a 50 mil contos. Sem falar da electrificação que no passado mês de Março levamos a energia eléctrica à zona de Burbur que até então não tinha acesso a esse bem essencial. Faltam ainda mais três localidades para que possamos cobrir o município a 100 por cento em termos de ligação eléctrica. São esses os ganhos alcançados em menos de dois anos de mandato e que apontam claramente que queremos alterar o estado em que o município se encontrava. Ainda resta-nos um pouco mais de dois anos de mandato e até lá estou convicto de que teremos um município com melhores indicadores e mais capacitado para ombrear com outros municípios, quer da ilha de Santiago, quer de Cabo Verde.
A população de São Salvador do Mundo tem decrescido de forma contínua nas últimas décadas. Quais são os atractivos e chances para estancar a emigração dos munícipes?
Não obstante os dados estatísticos que podem constituir algum entrave para fixação dos munícipes ou para quem queira viver aqui, São Salvador do Mundo tem enormes potencialidades, a começar pelo clima formidável. Temos vales verdejantes, temos miradouros naturais e estamos numa localização geográfica que nos permite em pouco tempo deslocar tanto para a Cidade da Praia, como para Assomada ou Tarrafal. Tudo isso faz com que São Salvador do Mundo disponha de um conjunto de valias tanto para quem queira viver ou trabalhar aqui.
A questão da habitação é um dos principais problemas do município que apresenta acima de meio milhar de casas degradadas com os moradores sem condições de repará-las. O que é que a Câmara tem feito para debelar esta situação?
Como disse atrás, além do encravamento em que o município se encontrava, temos também a nível da habitação social um grave problema. Temos uma bolsa de mais de 600 casas que precisam ser reabilitadas urgentemente. Esta Câmara, sob a minha liderança, assumiu a questão da dignidade humana como uma das prioridades. Já entregamos duas casas construídas de raiz a duas famílias, já apoiamos dezenas de famílias na reabilitação das suas habitações e brevemente, em parceria com o governo, vamos poder intervir em 30 habitações com um montante de nove mil contos. Isto tudo para poder garantir e dar melhores condições de vida e de habitabilidade às famílias. Convém realçar aqui que São Salvador do Mundo é um dos municípios com maior índice pluviométrico do país. Por altura das chuvas há um misto de sensações e emoções porque o cabo-verdiano quer que chova, mas por causa da fragilidade habitacional muitos moradores ficam com o credo na boca, porque sabem que irão enfrentar momentos difíceis. Mas nós estamos sempre juntos dessas famílias e com os investimentos a que já me referi penso que paulatinamente iremos melhorar essas situações. Além das 30 requalificações, o nosso objectivo é atingir até o final do nosso mandato 100 famílias. Certamente que este número está ainda aquém do óptimo, mas já é um sinal de que estamos empenhados em melhorar paulatinamente esse score com vista a melhor as condições de habitabilidade das nossas famílias.
Qual é o impacto da seca num município cuja esmagadora maioria das famílias vive da agropecuária?
O impacto é terrível, se posso utilizar esta expressão. São Salvador do Mundo é um dos municípios com maior vocação agrícola do país. Num ano em que não choveu, obviamente as famílias sofrem, e a Câmara, enquanto maior instituição pública no município, é confrontada todos os dias com esta situação. Com a falta de chuva põe-se a questão do acesso a bens básicos. A Câmara Municipal, dentro das nossas possibilidades, e em parceria com o governo, tem conseguido fazer face ao mau ano agrícola e ajudado as famílias a ultrapassar esta fase menos boa. Devo dizer que este município, por menos chuva que caia, consegue dar sempre alguma coisa, mas este ano, de facto, a produção foi quase zero. O maior impacto foi a nível do sector pecuário e os animais sofrem com a falta de pasto e de alguma água, mas com medidas e políticas assertivas do governo, através do plano de mitigação da seca e do mau ano agrícola, temos conseguido aguentar com alguma razoabilidade este impacto. Sentimos, de facto, que para as pessoas que têm maior ligação à agricultura e à pecuária que este ano foi extremamente difícil e, enquanto Câmara Municipal, estivemos sempre presentes e juntos das pessoas para lhes dar um alento e passar-lhes a esperança de que esta fase menos boa está quase a passar, uma vez que seguramente este ano vai ser diferente pela positiva. Vai haver muita chuva e abundância na nossa terra que muito precisamos.
De não for o caso. Já há um Plano B?
É a grande questão, porque nós também temos que aprender a conviver com a seca. Como sabemos, a falta de chuva em Cabo Verde não é novidade, então todos nós temos que estar preparados, direcionar políticas mais assertivas para que, em situações de seca severa, não haja disseminação de animais, não haja falta de acesso a bens básicos para as famílias, mas isso é um trabalho de todos. Não é apenas daqueles que têm responsabilidades públicas, mas cada munícipe deve também precaver-se, sobretudo os agricultores, para que possamos, em situação de falta de chuvas, viver com alguma tranquilidade. Temos a experiência de países com iguais características de Cabo Verde, em que esta situação já não se coloca, porque souberam tirar ilações dos erros do passado e nós também poderemos seguir este caminho e entender que pela nossa localização geográfica é mais provável não chover do que termos chuva. Daí que temos que saber conviver com esta situação e tranquilizar as pessoas que se isto acontecer, teremos outras formas e instrumentos de ultrapassar essa situação, baseada na experiência de outros países com condições similares.
Bom, estes países diversificaram a sua economia para não ficarem dependentes de um ou dois produtos agrícolas como é o caso de São Salvador do Mundo que depende quase exclusivamente do sector primário.
Na verdade, não devemos focar a prática da agricultura tanto no município como no país somente no cultivo do milho e feijão. Poderemos optar pelo cultivo de outros produtos menos exigentes de água. Hoje já temos uma barragem aqui no concelho; com esta disponibilidade da água e a opção por produtos que não sejam apenas o tradicional milho e feijão poderemos perfeitamente resolver em parte esta questão.
Que mais-valia trouxe a Barragem de Fafeta ao município?
A barragem foi um bom investimento, mas desde a sua construção até agora não se conseguiu extrair aquilo que, de facto, uma barragem pode oferecer. No princípio a barragem tinha fissuras e perdia muita água. Apesar dessa grande infraestrutura, os agricultores também não conseguiram desenvolver uma agricultura mais voltada para o mercado. Continuamos a ter uma agricultura de subsistência e portanto a barragem não teve impacto directo na vida dos agricultores. Basta ver que num ano de seca a barragem retém ainda 50 por cento da sua capacidade de água. Ou seja, do ponto de vista prático os nossos agricultores não conseguiram ainda dar o salto qualitativo ao nível da produção e do escoamento e desta forma tornar a sua actividade mais atractiva por forma a terem mais rendimentos para as suas famílias. Nós temos agora quer fazer um trabalho mais direcionado para este sector – fazer com que os agricultores tenham acesso à água e que possam produzir em maior quantidade e qualidade e que possam retirar daí sustento e rendimento para as suas famílias. Como disse, a barragem é um bom investimento para o município, mas é necessário que todas partes envolvidas – delegação do ministério da Agricultura, Câmara Municipal e a Associação dos Agricultores – trabalhem de mãos dadas para que possam definir uma política que vá ao encontro daquilo que os agricultores, de facto, necessitam que é produzir com qualidade, colocar os seus produtos nos mercados consumidores e desta forma extrair rendimento para as suas famílias.
Surpreende que a barragem num ano de seca retenha ainda 50% da água acumulada.
A disponibilidade dos terrenos à volta não é muita e por isso a necessidade de água para regadio não foi tão exigente. Na verdade, constitui motivo de alguma admiração quando as pessoas passam por esta infraestrutura, num ano de seca, e deparam-se com uma boa quantidade de água que poderia servir para cultivar produtos, mas, como disse atrás, falta uma acção concertada de todas as partes envolvidas para que a disponibilidade da água possa ser canalizada para que os agricultores possam utilizar a água de melhor forma. Ou seja, nas áreas mais próximas da barragem os agricultores não têm tido grandes razões de queixa, mas já nas zonas a jusante carecem de água e em parceria com o ministério da Agricultura estamos a trabalhar para mobilizar água para essas áreas para que possam também desenvolver as suas actividades. Mas isto requer algum investimento e neste momento já decorre no município a construção de reservatórios para aduzir a água para um ponto mais alto para que possa ser disponibilizado em zonas que estão a jusante da barragem.
O que deseja aos salvadorenhos no dia das festas do município?
Queria dizê-los que nós vamos comemorar no dia 19 de Julho mais um aniversário da elevação da freguesia de São Salvador do Mundo à categoria de município. Sabemos de onde partimos, mas também sabemos aonde queremos chegar. Queremos chegar lá onde nos é possível, com muito trabalho, com muita dedicação e com muita entrega. Gerir São Salvador do Mundo, gerir um município pobre como este, não obstante os recursos de que dispõem, não é tarefa fácil. Temos registado alguns ganhos e vamos comprometermo-nos a trabalhar para o desenvolvimento deste município em todos os sectores, em todas as zonas para que as pessoas sintam a intervenção desta Câmara Municipal, porque o nosso compromisso é com São Salvador do Mundo, é com as gentes de São Salvador do Mundo e, portanto, nós vamos continuar a gizar todos os esforços juntamente com o nosso parceiro estratégico que é o Governo de Cabo Verde para que possamos materializar aquilo que consideramos ser vital para o desenvolvimento do nosso município. Quero desejar boas festas do município a todos os salvadorenhos, quer os que residem no município, quer na diáspora e que continuemos juntos a trabalhar e continuemos a sonhar com um Picos cada vez mais e melhor para que possamos oferecer melhores dias a todos os salvadorenhos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 868 de 18 de Julho de 2018.