A minha Primeira Vez

PorLígia Dias Fonseca,16 abr 2021 10:48

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Ainda me lembro da minha primeira vez. Estávamos no ano de 1982. Ano em que entrei na Universidade, na prestigiada Faculdade de Direito de Lisboa, local onde o meu pai tinha estudado e onde, cada vez que lá entrava, me sentia quase doutora, sem ainda perceber muito bem o peso que é carregar um Dra. Enfim!

Mas estava eu a falar dessa 1ª vez. Tinha feito 18 anos no ano anterior e apesar de continuar a viver sob a alçada dos meus pais, já me eram impostas algumas responsabilidades de adulta e alguns privilégios, como ter uma conta bancária aberta (ainda alimentada pela mesada dos pais e pelas prendas dos tios, mas também com os rendimentos dos trabalhos de férias). Hoje, quando acompanho os programas de educação financeira para os jovens, designadamente a Global Money Week que tem por objetivo sensibilizar e formar crianças e jovens relativamente a assuntos financeiros, dotando-os de conhecimentos, habilidades, atitudes e comportamentos necessários à tomada de decisões financeiras, penso no meu tempo, em que cada um de nós aprendia tudo isso por instinto e necessidade, tendo presente os conselhos de poupança que os pais transmitiam.

Eram outros tempos, nem melhores, nem piores. Tempos diferentes, com desafios diferentes e que ajudaram a construir os tempos atuais. E nessa construção do hoje, todos nós fomos chamados a participar. Claro que, se recuarmos algumas décadas, um século atrás, percebemos que nem sempre foi permitido a todos participarem na construção da sua sociedade, no seu desenvolvimento, na definição dos seus destinos.

Tempos houve em que muitos tiveram de dar a vida para que nós outros pudéssemos ser os responsáveis pelo nosso destino. E nós mulheres, então, mais ainda temos de ter presente quantas mulheres pelo mundo fora deram a sua vida, perderam a sua liberdade para que cada uma de nós pudesse ser senhora da sua primeira vez!

Confesso que estava muito nervosa, os meus pais tinham-me explicado tudo, que não tivesse medo, que ninguém podia se intrometer nesse ato, que seria feito de forma que eu quisesse e ninguém jamais me poderia censurar. O importante é que eu percebesse o que estava em jogo, as propostas feitas e que eu pensasse como as coisas estavam e decidisse quem merecia a minha confiança. Mas também me disseram que esse momento importante, não é definitivo, que ele se renova e que com o tempo eu ficaria mais apta e confiante para participar e o medo inicial se transformaria numa sensação de júbilo e de poder que ninguém jamais me poderia retirar. Sim, porque eu fui criada e educada por um homem e uma mulher que compreendiam a importância da liberdade! Uma liberdade que nunca dissociaram da responsabilidade.

Depois dessa 1ª vez, fui crescendo como mulher, aprendendo a arte e desenvolvendo o meu pensamento crítico, percebendo que todas as teorias e discussões que tinha nas aulas e nos corredores da FDL tinham aplicação no meu dia a dia, nas minhas aspirações e que as promessas preliminares só são cumpridas quando nós as fiscalizamos. Quantas vezes as lágrimas não me vieram ao rosto ao pensar em tantas e tantas pessoas que me eram tão próximas (tantas mulheres como eu) não gozavam desse direito de livremente escolher a quem confiar o seu destino e tinham de viver sob as escolhas de outros, sendo o seu sim, nada mais do que um ato de subserviência para com quem tinha o poder sobre o seu corpo.

Por isso, dentro de mim, foi-se infiltrando o bichinho da luta contra a opressão e resignação, contra a violência e a negação da liberdade. Se eu era livre para escolher, outras e outros também tinham de o ser. Todos temos o direito de escolher livremente e para isso temos de ser informados, saber o que se passa, sonhar ardentemente com o queremos, levantar o manto e deixar cair a ignorância. Assim, a preparação para o ato é plena e para ele nos conduzimos de espírito leve, fortes da nossa certeza, ansiosos pelo clímax.

E este ato é de tão grande e sublime importância que nunca deixei de o praticar. Sempre que o momento era agendado, toda a minha vida era (é) organizada e reorganizada para nele participar. É o meu momento, não o dou a ninguém, não o troco por nenhum outro prazer ou pela preguiçosa vontade de não me mexer, deixando que os outros usufruam do que me pertence. Não, jamais. É meu e só eu tenho direito a ele e de tão precioso que é, não posso deixar de o viver ativamente, em pessoa, comandado pela minha vontade e executado pela minha mão delicadamente.

E assim tem sido, desde 12 de Dezembro de 1982, quando pela 1ª vez exerci o meu direito de voto. Estava em Lisboa, Portugal, e era dia das eleições autárquicas. Para o próximo exercício, faltam uns dias! É um evento sempre tão importante que, obrigatoriamente, tem de ser realizado num Domingo ou num dia feriado. Sim, porque uma boa festa deve ser agendada para um dia em que todos possam estar livres para comparecer.

Dedico este momento a todos os jovens cabo-verdianos que a 18 de Abril participarão pela primeira vez na definição do que queremos para o nosso Cabo Verde di Speranza.

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Autoria:Lígia Dias Fonseca,16 abr 2021 10:48

Editado porDulcina Mendes  em  19 abr 2021 6:49

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