“Hoje o cidadão tem maior e melhor acesso à justiça do que tinha há 30 anos”

PorExpresso das Ilhas,24 set 2022 5:56

Lígia Dias Fonseca, ex-Bastonária da Ordem dos Advogados

Que balanço faz dos 30 anos da Constituição da República de Cabo Verde?

Uma das áreas sociais que sofreu um grande impacto com a CRCV de 92 foi a área da Justiça, com a consagração do acesso à justiça (23º) como direito fundamental, a possibilidade de através do recurso de amparo (21º) se obter imediatamente a tutela dos direitos, liberdades e garantias, fundamentais, a criação da figura do Provedor da Justiça(21º) como entidade independente e à qual se pode recorrer sem grandes formalismos para apresentar queixas por ações ou omissões dos poderes públicos , a criação do Tribunal Constitucional (215º) que se tem revelado de uma extrema importância na compreensão e aplicação dos princípios constitucionais e na defesa dos direitos, liberdades e garantias dos indivíduos.

Igualmente, com a CRCV ficou consagrado o direito do cidadão ser indemnizado pelos danos resultantes da violação dos seus direitos e interesses legalmente protegidos por ação ou omissão dos agentes públicos no exercício das suas funções (245º).

A utilização de todos estes recursos por parte dos cidadãos não estaria devidamente assegurada e garantida se a CRCV não assumisse, também, a importância imprescindível dos advogados e a proteção do exercício da sua profissão (229º).

A declaração expressa logo no artigo 1º de que o Estado de Cabo Verde de funda na dignidade da pessoa humana, impôs a criação de todos estes mecanismos de proteção dessa dignidade da pessoa, de qualquer pessoa, face a todo e qualquer poder e mesmo nas relações interpessoais.

Ao longo destes 30 anos de vigência da CRCV fomos acompanhando a materialização dos institutos acima referidos e o aperfeiçoamento dos mesmos no cumprimento dos objetivos constitucionais. Podemos dizer, sem qualquer pejo, que hoje o cidadão tem maior e melhor acesso à justiça do que tinha há 30 anos. Naturalmente que ainda estamos longe do cumprimento integral dos desígnios constitucionais, mas essa é precisamente a força motriz da Constituição: proporcionar aos cidadãos exigir sempre mais e melhor dos poderes constitucionalmente instituídos.

Qual o nível de consenso à volta da Constituição?

A perceção que tenho como advogada e pessoa politicamente ativa é que a bandeira assumida pelo 4º PR, Jorge Carlos Fonseca, de que a Constituição da República era o seu caderno de encargos, deu um grande impulso na apropriação da Constituição pelos cidadãos. Fomos reparando que rapidamente todos os atores sociais (das organizações da sociedade civil, passando pelos representantes dos trabalhadores e mesmo as entidades religiosas) começaram a invocar cada vez mais a CRCV na afirmação e defesa dos seus direitos. Ora, esta compreensão de que a CRCV é a base de toda a organização do Estado e que os direitos, liberdades e garantias nela consagrados prevalecem sobre tudo, tem gerado um maior consenso (ou aceitação) da própria Constituição. Quanto mais se conhece a Constituição, mais se apela à ela para defender e exigir o seu cumprimento, mais se compreende a força da mesma e maior aceitação se tem da mesma.

Que perspectivas para futuras reformas da Constituição da República?

Não defendo que a CRCV precise de reformas, mas sim de alguns aperfeiçoamentos no seu texto e também da adaptação para contemplar expressamente situações que a sociedade tem vindo a enfrentar e para as quais, às vezes, é difícil encontrar na Constituição uma previsão. Muito recentemente vimos como foi difícil enfrentar a crise sanitária provocada pelo COVID-19, sem pôr em causa a separação de poderes prevista na CRCV. Infelizmente, não foram raros nem pouco graves as situações de interferência nas competências do legislativo por parte do executivo. E estas situações não eram apenas formais, afetavam fortemente os direitos dos cidadãos. Neste ponto vimos como o medo (da doença, neste caso) pode levar o cidadão a não se importar com a defesa da sua liberdade, não cuidando sequer de perceber que liberdade e segurança não são valores opostos e que num Estado de Direito Democrático, os dois têm de caminhar de «mãos dadas».

É importante, também, dizer que há comandos da CRCV que continuam por cumprir ao fim destes anos. Por exemplo, não temos o Conselho Económico, Social e Ambiental (art.257º), nem o Conselho das Comunidades ( 258º). Será necessário rever os mecanismos para a eleição dos titulares destes órgãos.Outra ideia a ponderar é também a do alargamento à Ordem dos Advogados da competência para requerer a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade das normas.

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Autoria:Expresso das Ilhas,24 set 2022 5:56

Editado porAntónio Monteiro  em  24 set 2022 6:41

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