“Relativamente aos órgãos externos ao parlamento é fundamental que os atores políticos se entendam. A nossa Constituição é compromissória neste domínio e não podemos deixar que os órgãos fundamentais para regulação de setores sensíveis para o Estado de direito democrático cabo-verdiano tenham um mandato que ultrapasse os limites legalmente estabelecidos”, afirmou José Maria Neves, questionado à margem de um ato oficial no Palácio Presidencial, na Praia.
“É preciso que os atores políticos cumpram a sua responsabilidade institucional. Aqui não há necessidade de acusações mútuas, o importante é procurar aumentar a confiança mútua, fazer o diálogo e encontrar uma resposta. O que não podemos continuar é a ter órgãos que terminam o mandato, ficam um, dois, quase três anos com mandato prorrogado e isso não pode ser em democracia. E todos têm que cumprir as suas responsabilidades institucionais”, acrescentou o chefe de Estado.
O primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, que lidera também o Movimento para a Democracia (MpD, maioria), disse em 27 de Outubro que vê “com alguma preocupação” o chumbo, no dia anterior, de alguns nomes propostos para integraram órgãos externos ao parlamento e pediu consensos.
Esta reação surgiu menos de 24 horas após alguns nomes propostos nas listas para integrarem órgãos externos ao parlamento não terem sido aprovados pela maioria qualificada dos deputados, nomeadamente para o Tribunal Constitucional, o Conselho Superior de Magistratura Judicial, o Conselho Superior do Ministério Público e Conselho de Disciplina e Avaliação do Tribunal.
“São órgãos importantes do sistema judicial, mas estamos a falar também da Comissão Nacional de Proteção de Dados, da Comissão Nacional de Eleições, que tem que ser renovada a sua composição, da Entidade Reguladora da Comunicação Social”, apontou.
Quatro dias depois, o deputado João Baptista Pereira, líder parlamentar do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) – que chumbou os nomes propostos e anteriormente consensualizados – disse que o MpD preparava-se “para dar um golpe na eleição dos órgãos externos à Assembleia Nacional”, e que o maior partido da oposição, ao chumbar as listas, aplicou um “contragolpe em legítima defesa preventiva”.
“O meu apelo é para que os partidos políticos se entendam e o mais rapidamente possível resolvamos estes problemas que existem, não só nos órgãos da Justiça, mas também na autoridade de regulação da comunicação social, na Comissão de Proteção de Dados, na Comissão Nacional de Eleições, para além do Conselho Superior da Magistratura Judicial e o Conselho Superior do Ministério Público. Então, é fundamental tomarmos consciência da gravidade da situação e encontrarmos uma resposta a essas questões”, acrescentou hoje o Presidente.
O primeiro-ministro afirmou anteriormente que estão em causa instituições “muito importantes”, recordando que a lei exige dois terços, maioria qualificada, para aprovação dos seus nomes propostos, pelo que considerou que é preciso consenso.
“É preciso assumir responsabilidades, isso representa, de facto, mais do que posicionamentos que possam levar para interesses outros ou táticos, ou interesses partidários, é preciso colocar o Estado de Cabo Verde e o país acima de tudo e as suas instituições”, aconselhou.
Sublinhando que o Governo não intervém no parlamento, o primeiro-ministro sublinhou que essa é uma responsabilidade dos deputados, que, considerou, “devem colocar o alto sentido de responsabilidade da Nação acima de tudo”.
Após os chumbos, Ulisses Correia e Silva disse esperar que não se corra o risco de outras pessoas virem a recusar integrar esses órgãos, para evitar estarem expostas na praça pública e garantir a confiança das instituições. “Espero que se consiga resolver da melhor forma esta situação”, pediu.
No mesmo dia, o presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correia, disse que o processo de votação dos órgãos externos será submetido à “análise jurídica aturada” conforme decisão tomada na conferência de representantes.
Segundo a mesma fonte, inicialmente o parlamento tinha um entendimento em relação ao processo de votação, sublinhando que foram realizadas três conferências de representantes sobre este processo, analisaram e interpretaram o regimento e entenderam que o processo de votação deveria ser como o fizeram.
Entretanto, explicou, alguém foi lendo o regimento e chegou-se a entendimento que havia uma disparidade entre o número dois do artigo 315.º do regimento e o número dois do artigo 316.º do mesmo documento.
“Estávamos numa fase de um processo eleitoral já muito avançado, em que tínhamos a contagem dos votos. Tínhamos duas saídas, concluíamos o processo porque não poderíamos suspender para evitar impugnações”, explicou o presidente da Assembleia Nacional.
E, revelou, havendo essas dúvidas de fundo, consensualizaram a nível da conferência no sentido de “cumprir o apuramento e não avançar com as resoluções, mas submeter esse processo de votação à análise jurídica aturada e depois retomar o processo”.