Dinamismo sazonal impulsiona empregos e rendimentos

PorSheilla Ribeiro,23 nov 2024 7:08

As campanhas eleitorais mobilizam mais do que ideias e votos. Este período converte-se num motor económico temporário, gerando oportunidades de emprego e rendimentos em diversos sectores. Activistas contratados, carros alugados, equipamentos de som, gráficas e serviços de alimentação são apenas algumas das áreas impulsionadas por esta dinâmica.

Uma das figuras simbólicas das campanhas eleitorais são os activistas que fazem a ligação directa entre os partidos políticos e os eleitores.

Desempenham tarefas diversas durante esse período que inclui materiais promocionais nas sedes de cada bairro, distribuição de cartazes e camisolas, além das visitas porta-a-porta e a participação nos comícios, numa rotina que se estende por horas durante cerca de 15 dias.

O pagamento de mil escudos por dia, só é feito após o término da campanha.

Em Ponta d’Água, o Expresso das Ilhas encontrou Janira Borges, 32 anos, e José António Pereira, 35, dois activistas que normalmente trabalham no sector informal, mas que encontraram na campanha uma forma de ganhar um extra.

“Normalmente eu vendo roupas, sapatos e outros produtos para ganhar a vida, mas decidi suspender essa actividade e fazer trabalhar como activista por amor ao partido”, diz Janira Borges.

A mulher conta que antes do início das campanhas, procurou o responsável do partido no seu bairro e mostrou-se disponível para trabalhar. Este, por sua vez, apontou o seu nome e encaminhou para outro responsável que depois entrou em contacto com Janira.

O dia começa cedo, às 09h00, com pausas para almoço e um regresso que se estende até às 18h00, muitas vezes culminando em participações nos comícios. Para Janira, apesar das longas jornadas, a motivação principal não é apenas o rendimento, mas também o amor pelo partido.

“Eu gosto desse trabalho, faço por amor ao partido e ainda ganho alguma coisa. A maioria de nós que trabalha como activistas é por amor ao partido”, reconhece.

Do mesmo bairro, mas activista de outro partido, José António Pereira conta uma versão semelhante a da Janira. Também se ofereceu para o trabalho já que além do amor pelo partido poderá sempre ganhar um extra antes do Natal.

“Estou aqui mais por amor do que pelo dinheiro. Mesmo que não pagassem, se tivesse um tempo livre ainda ajudaria”, afirma.

Entretanto, a realidade económica também pesa. José António Pereira trabalha como ferreiro, quando há oportunidade e faz extras numa agência funerária. Com o aproximar do Natal, arranjou tempo para trabalhar como activista.

“Sei que poderei comprar algo ao meu filho, mesmo que simples, apenas colando os cartazes e mobilizando os eleitores para apoiar o meu candidato”, declara.

Sedes nos bairros

Durante o período eleitoral, é comum os partidos e candidatos arrendarem espaços nos diferentes bairros para as transformar em sedes de campanha. Esses espaços servem para alinhar as operações, organizar os materiais de propaganda e reunir os activistas antes de saírem para as suas actividades, além dos encontros estratégicos e distribuição de recursos.

Em Eugénio Lima, por exemplo, Santinho, arrendou a casa para sede de partido como uma alternativa ao vazio prolongado do imóvel.

“Decidi arrendar o rés-do-chão porque a casa estava fechada havia algum tempo, mais de um ano inclusive. Antes disso, tinha alugado a alguém para abrir um bar, mas a minha filha reclamava muito do barulho, já que vive no primeiro piso, então preferi que ficasse fechada até que aparecesse alguém com o intuito de alugar sem ser para abrir um bar”, conta.

O partido tomou as chaves no dia 1 de Novembro e as vai entrega-las no dia 2 de Dezembro.

“É uma casa de dois quartos, uma cozinha, casa de banho e uma sala grande. Decidimos arrendar a casa por apenas 20 mil escudos. Não é muito dinheiro, mas pelo menos vai ajudar de alguma forma”, comenta.

O preço do aluguer não inclui a electricidade. Aliás, Santinho refere que ao alugar o espaço, o partido estava ciente que teria de fazer um contrato de electricidade, já que muitos arrendam a casa e deixam dívidas que depois tem se de pagar.

Além da electricidade, para garantir que o arrendamento não traria problemas, Santinho tomou algumas precauções.

“Também estão cientes de que não podem colar cartazes nas paredes, a menos que seja com fita-cola bem fraca para não estragar já que pintei recentemente”, acrescenta.

Viaturas e equipamentos de som

Outra característica das campanhas, são as viaturas e os equipamentos de sons que promovem os candidatos nos diferentes bairros. Este serviço, geralmente negociado com proprietários locais, também oferece oportunidades de trabalho temporário para muitos.

Em Achada Santo António, encontramos a viatura de Marcos Silva, contratado pelo sogro, que por sua vez foi contratado por um dos partidos concorrentes.

O sogro, narra, é o dono da viatura, do gerador e dos equipamentos de som. Mas, como não pode estar ao volante por horas a fio, contratou Marcos. Este não sabe especificar quanto o sogro cobra pela viatura e pelos equipamentos de som. Mas, por exemplo, o aluguer do gerador custa dois mil escudos diários e o partido tem de pagar pelo combustível gasto todos os dias.

A rotina de Marcos começa cedo. “Tenho de estar no carro às 08h00 e fico até às 12h30, depois faço uma pausa para almoçar e volto às 14h00 até mais ou menos 18h30”.

Essa será a rotina de Marcos até o final das campanhas. “No dia 29, o meu sogro paga pelo meu serviço. Mesmo que seja pouco, vai dar para passar um Natal melhor”, profere.

Marcos, que normalmente depende de trabalhos esporádicos, explica que o rendimento deste trabalho temporário supera o que ganha habitualmente. “Normalmente trabalho, mas é quando aparece, e o que vou ganhar com este trabalho é mais do que normalmente ganho. Eu ganho pouco”, lamenta.

Tipografias: trabalho intenso e lucros limitados

Nas campanhas, as tipografias desempenham um papel essencial ao produzir materiais como cartazes, panfletos, camisolas, e outros artigos promocionais.

Apesar de sazonal, esse período traz um aumento de trabalho que, para muitas gráficas, se traduz numa oportunidade de impulsionar as vendas, ainda que os lucros permaneçam limitados devido aos elevados custos de produção.

Luísa Lobo, responsável pela Tipografia Santos, explica que quando as candidaturas decidem fazer esse tipo de trabalho no país, significa um aumento de vendas nesse período.

“O aumento de vendas não nos leva necessariamente a contratar mais pessoas para o trabalho, a menos que coincida com outros trabalhos sazonais em que o volume aumente consideravelmente”, explica.

Nesta campanha, entretanto, a empresária revela que a produção foi organizada durante um período de baixa procura, o que permitiu atender aos pedidos sem necessidade de reforçar a equipa.

Ainda assim, Luísa lamenta a estreita margem de lucro. “Hoje em dia os lucros não são grandes em nenhum trabalho porque os custos de produção são quase sempre altos, o preço da matéria-prima subiu muito na origem e os clientes não estão muito receptivos quando queremos aumentar o preço final”, lamenta.

Desde Julho, a tipografia começou a contactar os partidos para saber as suas intenções de fazer ou não os trabalhos no país de modo a fazer a programação da importação e fazer estoque, já que não há fornecedores locais para grandes quantidades de matérias-primas necessárias.

“Recentemente entraram em contacto e, mesmo sem estoques, recorremos a fornecedores para pequenas quantidades, ajustando o que tínhamos”, prossegue.

A desvalorização do mercado local é outro problema para as tipografias que poderiam ganhar mais com as campanhas. Segundo Luísa Lobo, muitos partidos optam por realizar parte das encomendas fora de Cabo Verde, alegando limitações do mercado interno.

“Se tudo que é produção possível fosse feito no país, mesmo com uma pequena diferença de preço, todos nós trabalharíamos com uma folga muito maior”, sublinha.

Música e imagem

Outra característica das campanhas são as publicidades musicadas, vídeos e fotos, geralmente criadas por DJs e ‘designers’ gráficos.

Em Assomada, o Expresso das Ilhas encontrou Cláudio Correia, mais conhecido como DJ 100 Juiz, que está a produzir músicas para algumas candidaturas e produção de imagens-fotos e vídeos para outras.

“Trabalho com campanhas eleitorais desde 2004, é um extra que compensa, mas é muito frustrante porque exige muito, tudo tem que ser imediato”, realça.

Cláudio diz que o prazo curto para entregar os materiais impacta a carga horária e o preço do trabalho. “Uma música de campanha tem de ser feita em uma hora, enquanto para outros trabalhos levaria três dias. Isso exige que suspendamos outros projectos e justifica o custo adicional”, relata.

Com uma equipa reforçada e turnos organizados, o DJ consegue atender às demandas. Contudo, aponta o risco de pagamentos em atraso, uma experiência que o levou a formalizar os serviços este ano, garantindo contratos para maior protecção.

“O pagamento é feito 50% antes e 50% depois das eleições. Se o partido não ganhar, é muito complicado conseguir receber o que resta. Antes eu não recorria a qualquer entidade que os obrigasse a pagar, primeiro porque trabalhava na informalidade e trabalhava sem contratos, não havia provas de que eu tinha feito aquele trabalho”, salienta.

Campanhas impulsionam economia, mas impacto a longo prazo é incerto

Segundo explica o economista Ailton Moreira, os partidos políticos e os candidatos, precisam de um apoio financeiro para financiar as actividades eleitorais. As principais receitas vêm de fundos próprios, contribuições de simpatizantes, empréstimos bancários e de subvenções do Estado.

Como exemplo, citou que nas últimas eleições legislativas e presidenciais, estima-se que as subvenções públicas tenham gerado um montante de cerca de 10 milhões de euros para actividades como comícios, passeatas e campanhas publicitárias, movimentando sectores como transporte, alimentação, eventos e comércio ambulante.

Conforme o economista, os vendedores ambulantes, transportes de aluguer, sectores de entretenimento como música e teatro, ganham destaque nesse período.

image

Quanto a circulação de dinheiro, acrescenta, se intensifica entre dez e 30 dias, contribui para o dinamismo económico local.

“Artistas e activistas ganham visibilidade e habilidades que podem ser aproveitadas em futuras oportunidades de emprego”, aponta.

Não obstante os efeitos positivos, Ailton Moreira diz que o impacto a longo prazo é limitado e depende das promessas feitas pelos candidatos e da sua concretização após as eleições.

“As actividades geradas pelas campanhas podem servir como experiência para o sector privado local e projectar futuras iniciativas, mas isso está directamente relacionado com as políticas públicas implementadas após o período eleitoral”, explana.

Nesse sentido, para maximizar o impacto económico das campanhas, o especialista sugere que os mesmos sejam canalizados para fortalecer a economia local de forma sustentável, aproveitando as habilidades adquiridas e incentivando a inovação nos sectores beneficiados.

___________________________________________________

O Código eleitoral estabelece que as receitas das campanhas eleitorais podem ser provenientes dos partidos políticos, subvenções do Estado, donativos de cidadãos e empresas nacionais, eleitores no estrangeiro, actividades de campanha, contribuições de candidatos e empréstimos em instituições de crédito nacionais.

As receitas devem ser documentadas e entregues. O documento estabelece ainda que a subvenção estatal, atribuída pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), varia conforme o tipo de eleição, calculada por voto válido.

Por exemplo, nas eleições presidenciais e legislativas a subvenção é de setecentos e cinquenta escudos, por cada voto validamente expresso, e de quinhentos escudos nas eleições autárquicas. Nesse último caso, a subvenção deve ser revista regularmente, tendo em atenção a taxa de inflação acumulada.

De referir que nas autárquicas de 2020, em termos de despesas reportadas à CNE, o MpD teve maior despesa (130,5 milhões de escudos, seguido do PAICV (105,6 milhões) e UCID (12,8 milhões), seguidos por outros partidos, como PP, LUTA e DSB, com valores menores.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1199 de 20 de Novembro de 2024.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Sheilla Ribeiro,23 nov 2024 7:08

Editado porSheilla Ribeiro  em  24 nov 2024 15:09

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.