Activistas LGBTI querem criminalização da homofobia em Cabo Verde

PorChissana Magalhães,17 mai 2019 15:08

Activistas das associações de LGBTI de Cabo Verde estão a organizar-se por forma a terem maior visibilidade e prioridades bem definidas. Uma das reinvidicações que querem trazer para o topo da agenda é a criminalização da homofobia e transfobia. No Dia da Luta Contra a Homofobia, o Expresso das Ilhas falou com os activistas Samory Araújo e Helen Lopes sobre estes e outros aspectos da luta.

Passou algo despercebido o episódio no final do ano passado envolvendo um transexual que tentava viajar de regresso para o seu país a partir do aeroporto da Praia.

Não se sabe ao certo o que se passou, mas o ICIEG chegou a reagir nas redes sociais face a uma alegada discriminação de pessoa transexual e meses depois, já este ano, o Conselho de Ministros aprovou a introdução nos postos de fronteira dos aeroportos a opção de género “não especificado” juntamente com “masculino” e “feminino”.

“ Isso é muito bom!”, diz Samory Araújo, activista dos direitos LGBTI e que trabalha de perto com várias instituições e associações nesta área.

No entanto, o mesmo também vê o episódio, e a confusão e dúvidas que suscitou a nível legal, como um alerta para os activistas e associações LGBTI para a necessidade de estarem mais informados e melhor preparados para reagir a esse tipo de situações.

“ Falta muita formação, até para coisas práticas como escrever uma nota de imprensa. Os mais participativos e engajados no activismo, na luta pelos direitos LGBTI são aqueles com menos formação académica e que apresentam dificuldades a nivel da comunicação”, diz Samory Araújo lembrando que a única formação dirigida a membros da comunidade LGBTI e activistas de que tem memória aconteceu em 2010, promovida pelo ICIEG com apoio de uma associação espanhola.

Em 2017 estava prevista uma formação a organizar pela Comissão Nacional de Direitos Humanos mas o projecto não se concretizou.

“Estamos a precisar urgentemente de formações para os jovens LGBTI. Esclarecer, apropriar-se dos conceitos, empoderar-se de modo a saber que reivindicações, que prioridades”.

Para o activista, as carências a nível de conteúdos e de linguagem acabam por limitar esses elementos da comunidade e não lhes permite serem os porta-vozes da causa que defendem a um nivel mais elevado.

“Por exemplo, em Junho vai se votar a permanência do perito em questões LGBTI nas Naçóes Unidas. Todas as associações são chamadas a participar, convidam-se os activistas a fazerem lobby, a fazer o engajamento necessário para que os seus países e outros votem favoravelmente. Cabo Verde neste momento não tem direito a voto (é uma comissão composta por 28 países onde a participação é rotativa), mas tem poder de influência e o nosso historial é de sempre votar favoravelmente nas questões ralativas aos direitos humanos e o nosso embaixador junto das Nações Unidas diz mesmo isso, Cabo Verde é sempre pela defesa dos Direitos Humanos. O que vai na contralinha do resto de África: nas questões LGBTI África tem votado sempre “Não”. Bem, há várias reuniões preparatórias online antes dessa votação e eu é que tenho participado a representar Cabo Verde. E sou só eu. Sinto-me um pouco isolado porque todos os outros países têm sempre mais do que um representante”, relata.

Helen Lopez, presidente da Associação de Gays Lésbicas e Transexuais de Cabo Verde admite essa necessidade de formação, de maior capacitação dos activistas, até porque a Associação tem como objectivos nos próximos tempos aumentar a sua visibilidade e traçar e divulgar as suas prioridades.

A necessidade de uma carta reinvidicativa bem definida já está assumida e o primeiro item a constar da mesma já está identificado:

“Queremos uma lei contra a discriminação, queremos que Cabo Verde tenha legislação contra a homofobia”, vinca a activista. 

Há 43 países no mundo onde a homofobia é crime de ódio punido por lei. Nenhum deles é africano.

Helen Lopes pretende ainda dar mais visibilidade a nível nacional e internacional à Associação. A nível individual há anseios como um simples desejo de andarem na rua sem serem importunados.

Em Novembro do ano passado, a activista disse numa entrevista a UN Women:

"Em Cabo Verde, as relações homoafectivas ainda são discriminadas. Ser LGBT significa lutar contra discriminação e violência todos os dias".

Tanto Helen Lopes como Samory Araújo têm várias histórias para contar sobre episódios de homofobia e discrimação vividos por amigos e conhecidos. Histórias como o de um grupo de lésbicas que foi assaltado na rua e ao dirigirem-se à policia foram atendedidas “com chacota”, “não foram levadas a sério”. Em outra situação, um jovem gay dirigiu-se à policia para apresentar queixa contra o companheiro que o agredira e a queixa não foi registada como VBG. Conforme conta o activista, a polícia caracterizou a situação como se fosse uma briga “normal” entre dois homens.

“A polícia já tem recebido várias formações mas ainda há situações dessas.O atendimento ainda deixa muito a desejar”, resume Samory Araújo.

Grupo particularmente afectado por tratamento discriminatório são os transexuais. Apesar de ser de opinião de que as coisas são hoje em Cabo Verde menos piores do que há alguns anos, Helen Lopes reconhece que para os transexuais ainda é “muito difícil” conseguirem outro emprego que não seja o trabalho doméstico.

Samory Araújo corrobora. “Sim, quase 100% dos transexuais trabalham no ramo doméstico. E são mal tratados, lidam com eles com uma espécie de paternalismo, ou condescendência”.

O sentimento é de que a comunidade LGBTI continua marginalizada, até a nível institucional e apontam como exemplo o facto de a Comissão Nacional de Direitos Humanos ter assinalado os 70 Anos da Carta Universal dos Direitos Humanos com uma campanha televisiva para a qual convidou uma série de pessoas e “nem um único activista LGBTI”.

“E o lema era “Não Deixar Ninguém Para Trás”!, frisa Helen Lopes.

“Portanto, a questão não é só a necessidade de formação. É também necessidade das organizações assumirem os seus compromissos internacionais. Por exemplo, temos no país a OIT que costuma realizar uma série de formações na área do Trabalho. Porque não uma formação que abarque essa situação dos transexuais`” . Temos várias organizações em Cabo Verde que têm boa vontade mas, ao final do dia...”, aponta Samory Araújo.

O Dia Internacional contra a Homofobia é festejado a 17 de Maio. A data foi escolhida em referência à exclusão da Homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS) a 17 de Maio de 1990.

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Autoria:Chissana Magalhães,17 mai 2019 15:08

Editado porChissana Magalhães  em  11 fev 2020 23:21

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