Nesta entrevista, o Presidente do Conselho de Administração do FSGIP, o Economista João Fidalgo, partilha insights sobre a missão do Fundo, os critérios rigorosos para a seleção de projetos e a importância da sustentabilidade financeira e da inovação para o fortalecimento da economia de Cabo Verde. Esta conversa oferece uma oportunidade valiosa para compreender como o Fundo Soberano se posiciona como um agente de transformação e crescimento, contribuindo para um futuro mais próspero para todos os cabo-verdianos.
1 - Pode contar-nos um pouco sobre a História e Missão do FSGIP (“Fundo”)?
O Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado de Cabo Verde (FSGIP) é um instrumento financeiro estruturante e inovador, concebido para impulsionar o desenvolvimento económico nacional através do apoio direto ao investimento privado.
Contexto e Justificação
Ora, desde 1975, aquando da sua independência, Cabo Verde terá sido considerado um país inviável devido à sua insularidade e, principalmente, à falta de recursos naturais, de recursos minerais, petróleo, económicos e financeiros, passou a ser considerado um país confiável e credível.
Como cantava Cesária Évora:
“ Dêss povo franco sem igual
Li nô ca tem riqueza
Nô ca tem ôro nô ca tem diamante
Ma nó tem ess paz di Deus”
Hoje, com o reconhecimento como um país de rendimento médio, com PIB per capita de mais de três mil dólares americanos, uma população superior a 500 mil habitantes, Cabo Verde é um país insular, arquipelágico, com recursos naturais limitados, mas com uma ambição clara: posicionar-se como uma plataforma inserida no mercado global. A sua localização geoestratégica, aliada a uma economia aberta, democracia consolidada, estabilidade institucional, transparência, liberdade económica, segurança jurídica e acordos internacionais — como os de dupla tributação e paridade cambial fixa com o euro — conferem-lhe vantagens competitivas únicas.
Segundo perspetivas Económicas do FMI para 2025, a economia mundial crescerá 3.3%, Africa Subsariana 4.2% e Cabo Verde 4.9%.
Contudo, a vulnerabilidade do país às alterações climáticas e fenómenos meteorológicos extremos representa um risco significativo para a sua economia. Segundo estimativas internacionais, o PIB de Cabo Verde poderá sofrer uma contração de até 3,6% até 2050, exigindo mobilização anual de cerca de 140 milhões de dólares em financiamento climático. Diante destes desafios, o fortalecimento do setor privado e o acesso a mecanismos de financiamento torna-se ainda mais prioritário.
Fundo Soberano é um instrumento Estruturante e Inédito
O Fundo Soberano é um instrumento estruturante e, seguramente, uma das principais facilidades colocada à disposição das empresas cabo-verdianas apostadas na internacionalização e, nesta perspetiva, é o seu maior instrumento financeiro, como instituição de garantia, com capacidade para apoiar as empresas nacionais nos seus esforços de penetração e desenvolvimento em novos mercados.
Criação e Enquadramento Legal
O FSGIP foi criado através da Lei n.º 65/IX/2019, de 14 de agosto, posteriormente alterada pela Lei n.º 111/IX/2021, de 8 de janeiro. Trata-se de uma sociedade anónima unipessoal com natureza de património autónomo, que responde exclusivamente pelas suas obrigações.
O seu capital social inicial é de €100.000.000, dos quais €90.000.000 foram imediatamente realizados pelo Estado de Cabo Verde, através da afetação de recursos do extinto International Support for Cape Verde Trust Fund. Os €10.000.000 restantes serão realizados com o produto da colocação de títulos de rendimento no mercado de capitais.
Natureza
Ao Fundo Soberano foi atribuído a natureza jurídica de património autónomo, sob a forma de sociedade anónima unipessoal, pelo que responde exclusivamente pelas dívidas, encargos e responsabilidades em que incorra no decurso da sua atividade de prestação de garantias
Objeto de Atuação
O Fundo concede garantias exclusivamente a dois tipos de operações:
- Emissão de valores mobiliários por empresas privadas cabo-verdianas, para financiamento de investimentos em mercados regulamentados;
- Operações de crédito e instrumentos financeiros equivalentes concedidos a empresas privadas nacionais.
Limitações e operações vedadas
Em conformidade com o seu enquadramento legal, o FSGIP não pode prestar garantias:
- A títulos do Estado;
- A empresas com participação pública direta ou indireta superior a 25% do capital social.
Estas restrições visam garantir o foco exclusivo do Fundo no apoio ao setor privado e na criação de um ambiente propício ao investimento empresarial sustentável.
Importância Estratégica
O Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado surge num contexto global marcado por maior aversão ao risco por parte dos financiadores. Ao criar este instrumento, o Governo de Cabo Verde visa colmatar as lacunas existentes no acesso ao financiamento por parte das empresas nacionais, sobretudo em projetos de maior complexidade e exigência de capital. O FSGIP complementa outros instrumentos já existentes, como a Pró Garante, destinada às micro, pequenas e médias empresas.
Dessa forma, o FSGIP constitui-se como pedra angular do ecossistema de financiamento à economia cabo-verdiana, com o propósito de alavancar a internacionalização, o crescimento e a competitividade do setor empresarial privado.
2. O que nos pode contar sobre o processo de seleção de projetos?
(Isto é, a que tipo de projetos e setores dão preferência e que fatores avaliam?)
Pequeno reparo refere ao relatório 2023, àquele que público é conhecido. Alguns podem não querer que divulgue.
O processo de seleção e aprovação de projetos pelo Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado (FSGIP) pauta-se por critérios rigorosos de viabilidade económico-financeira, impacto sobre o tecido empresarial nacional, e conformidade com osprincípios de sustentabilidade social e ambiental.
3. Segundo pudemos apurar, o Fundo tem mecanismos de mitigação do risco, incluindo a exigência de contra-garantias (colateral dado pelas empresas que recebem as garantias) e a repassagem de parte das garantias a outras entidades (tal como as seguradoras fazem resseguros). Ainda assim, existe risco de perda. Como é que o Fundo aborda e gere o risco de perda?
Entretanto, é importante ressaltar que, para a concessão de garantias pelo Fundo, estabelecemos os seguintes os limites:
- i)O Fundo não pode conceder garantias a financiamentos em montantes inferiores a 75 milhões de escudos cabo-verdianos; 680 mil euros;
- ii) O Fundo não pode conceder garantias em montantes superiores a 50% do valor total da operação de financiamento ou de operações financeiras equivalentes obtidos;
- iii) O Fundo não pode conceder garantias a empresas ou grupos de clientes ligados entre si, em montante superior a 20% dos seus capitais próprios;
Em casos excecionais, devidamente fundamentados, o Fundo poderá ultrapassar os limites máximos estabelecidos nos pontos anteriores.
O Fundo está mandatado para apoiar empresas privadas de direito cabo-verdiano, legalmente constituídas e estabelecidas, que desenvolvam atividades em qualquer setor económico, desde que respeitem os seguintes critérios essenciais:
- Sustentabilidade financeira do projeto;
- Capacidade técnica, idoneidade e de gestão da empresa proponente;
- Grau de inovação e valor acrescentado para a economia nacional;
- Impacto na criação de emprego e dinamização económica local;
- Conformidade com as normas ambientais e sociais;
- Contributo para o posicionamento de Cabo Verde como plataforma internacional de serviços e investimento.
A análise de cada solicitação é realizada com base num Manual de Procedimentos próprio, que define instruções técnicas e requisitos formais para a elegibilidade dos pedidos. Esta abordagem assegura o equilíbrio entre o cumprimento da missão do Fundo e a preservação da sua solidez económico-financeira, promovendo uma atuação prudente e responsável na concessão de garantias.
4. Em particular, o que é que potencialidade o Fundo viu no projeto da “Águas de Ponta Preta – Impulso Solar Sal”, que concedeu garantias?
O projeto apresentado pela empresa Águas de Ponta Preta – Impulso Solar Sal, relativo à criação do maior parque fotovoltaico de Cabo Verde, destacou-se por diversas razões alinhadas com os critérios do Fundo:
- Forte impacto ambiental positivo, ao promover a transição energética e a redução da dependência de combustíveis fósseis;
- Viabilidade económico-financeira comprovada, com um modelo de negócio sustentável e previsões robustas de retorno;
- Contributo relevante para a diversificação e estabilidade do setor energético nacional;
- Relevância estratégica, ao posicionar Cabo Verde como exemplo de inovação e compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS);
- Parceria sólida com o setor bancário, neste caso com o Banco BAI, que contribuiu para reforçar a confiança e robustez do financiamento.
A garantia emitida pelo Fundo correspondeu a 50% de um crédito de 1,7 milhões de euros, representando um importante passo no apoio a projetos estruturantes e sustentáveis.
5. E, já agora, pergunto se já pode revelar quais foram os outros dois projetos aprovados?
Neste momento, e em conformidade com o princípio de confidencialidade que rege as relações institucionais com os beneficiários e parceiros financeiros, a identidade dos outros dois projetos aprovados ainda não podem ser divulgados publicamente, uma vez que alguns promotores preferem manter o anonimato até à finalização das suas operações no mercado.
Contudo, podemos adiantar que um dos projetos está diretamente ligado ao setor do turismo, e beneficiou de apoio do Fundo através da garantia associada à emissão de um empréstimo obrigacionista pela empresa MASEYKA HOLDINGS INVESTMENTS, destinado ao cofinanciamento do projeto hoteleiro Four Points by Sheraton – Laginha Beach, na cidade do Mindelo.
Quanto ao terceiro projeto, a sua divulgação está condicionada à autorização dos respetivos promotores, respeitando as boas práticas de governança, transparência seletiva e sigilo institucional, previstas nos normativos internos do Fundo.
6. Por que razão delegaram a gestão dos recursos no Banco de Portugal e quais são os princípios orientadores?
A decisão de confiar a gestão dos recursos do Fundo ao Banco de Portugal deve-se a critérios fundamentais: credibilidade institucional, elevada reputação, experiência comprovada e capacidade técnica. O objetivo foi garantir que os ativos do Fundo fossem geridos por uma entidade com histórico robusto na gestão de fundos públicos e soberanos, dentro de uma lógica de risco controlado.
As Normas Orientadoras da Gestão de Ativos foram concebidas com base nos princípios da segurança, rentabilidade e liquidez, conforme definido na legislação que institui o Fundo. A alocação dos 90 milhões de euros destinados a aplicações financeiras é feita, predominantemente, em ativos de baixo risco, como obrigações do tesouro de países de referência da Zona Euro, depósitos bancários em instituições de elevada solvabilidade e outros instrumentos com perfil prudente.
O modelo de governança do Fundo previsto no estatuto orgânico, em vigor em 31 de dezembro de 2023, constitui-se pelo Conselho de Administração, Conselho Consultivo e Fiscal Único.
A gestão do risco é para o Fundo um eixo prioritário de ação cujos objetivos assentam na preservação do capital e na proteção rigorosa dos ativos contra os riscos imprudentes e inadequados a que os mesmos estão expostos.
Para tanto, o Fundo conta na sua estrutura organizacional com uma Direção de Risco e Compliance que tem como missão, a identificação, avaliação e controlo, de uma forma global e integrada, dos riscos associados à atividade e o capital, bem como a função compliance e a gestão de continuidade do negócio. Sob a estreita supervisão do Conselho de Administração a gestão desta Direção está confiada a um Diretor, cuja gestão do dia-a-dia tem a finalidade de identificar, medir, gerir e comunicar os riscos do Fundo
Preferimos não detalhar cláusulas específicas do contrato celebrado, mas sublinhamos que o portefólio está alinhado com as melhores práticas internacionais de investimento institucional, privilegiando a preservação de capital e a gestão rigorosa dos riscos.
7. Como é feito o acompanhamento desses investimentos?
O acompanhamento dos investimentos assenta em três pilares:
1.Supervisão direta pelo Conselho de Administração;
2.Relatórios periódicos elaborados pelo gestor de ativos, com atualização sobre rendimentos, riscos e conformidade;
3.Avaliação independente, com visitas in loco, quando aplicável, e revisão contínua da carteira.
A Direção de Risco e Compliance desempenha um papel central nesse processo, garantindo a identificação, avaliação e mitigação de todos os riscos associados.
8. E quanto ao Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado - Qual é o enquadramento atual e as perspetivas para o futuro?
O Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado tem desempenhado um papel relevante na dinamização do investimento com impacto em Cabo Verde, promovendo a participação do setor privado em projetos estratégicos para o desenvolvimento nacional.
Os resultados mais recentes revelam uma trajetória positiva, com garantias emitidas que têm apoiado investimentos sustentáveis, sobretudo em áreas como energia e Hotelaria. Em 2024, o resultado líquido superior a 230 milhões de escudos e 203 milhões em 2023, julgamos em termos de perspetiva, a evolução do mercado obrigacionista europeu poderá influenciar o contexto financeiro internacional em que operamos. Prevê-se uma possível subida das taxas de juro nos prazos mais longos, em resposta ao aumento significativo das emissões de dívida pública, especialmente por parte de países da zona euro que enfrentam pressões orçamentais associadas a investimentos em defesa e infraestrutura -como é o caso da Alemanha.
Já, nos prazos mais curtos, as taxas têm sido influenciadas pelo atual ciclo de descida das taxas de juro conduzido pelo Banco Central Europeu. Este ambiente poderá criar oportunidades, mas também exige uma gestão prudente e estratégica do Fundo, sobretudo na captação e alavancagem de recursos em contextos de maior volatilidade. O compromisso do Fundo é continuar a criar valor económico e social, apoiando o setor privado cabo-verdiano com instrumentos modernos de garantia e promovendo a sustentabilidade, a inclusão e a confiança dos investidores.
O Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado tem como objetivo criar uma solução inovadora para facilitar o acesso ao financiamento, através de um mecanismo de garantias. Este Fundo é um instrumento poderoso, que se torna, pela dimensão da sua natureza, a pedra angular do sistema financeiro cabo-verdiano, destacando-se pelo volume dos seus capitais próprios, pela confiança que inspira e pela capacidade de oferecer soluções de capitalização para empresas, em especial aquelas do setor financeiro, incluindo instituições bancárias.
Para sua capitalização o Fundo dispõe de 2 tipos de títulos:
- a)Títulos Representativos do seu Capital Social (TRCS), subscrito e Realizados pelo estado;
- b)Títulos Rendimento de Mobilização de Capital (TRMC), emitidas pelo Estado livremente transacionáveis nos mercados de capital interno e externo com direito à distribuição de dividendos, beneficiando de isenção de qualquer forma de tributação local e afigurando-se como um poderoso instrumento de mobilização de recursos financeiros internacionais, bancos e fundos externos, incluindo fundos soberanos.
- c)Importa realizar, ainda que os TRMC, por ter rendibilidade segura e flexível, constituem uma boa alternativa para aplicação das poupanças dos emigrantes cabo-verdianos espelhados pelo mundo fora.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1230 de 25 de Junho de 2025.