"Queria comunicar com as pessoas da minha terra" e "criar uma linguagem própria", diz o músico que contou com a colaboração de Manecas Costa, Karyna Gomes e Eneida Marta.
Tens um álbum novo a caminho. Quando chega ao mercado?
Se tudo correr bem será lançado no mercado na primavera do próximo ano. Em princípio vai ser lançado primeiro em Portugal. Temos um circuito de apresentação que deverá começar em Lisboa, depois vamos para França. Em Maio vamos apresentar o disco no Senegal e depois aqui em Cabo Verde.
A data de apresentação aqui em Cabo Verde já está definida?
Não. Ainda não decidimos como queremos fazer. Temos o circuito que começa em Portugal mas ainda não decidimos se não vamos começar por aqui. É uma questão muito emotiva.
Muito emotiva porquê?
Porque aqui é a minha casa. É aqui que eu vivo. Tenho uma filha aqui, tenho mulher aqui. Estou cá há muito tempo e tenho um público aqui, pessoas que abraçaram o meu trabalho. Tenho recebido muito apoio do povo cabo-verdiano.
É um CD ou vai ser lançado em várias plataformas?
Multiformato. Mas eu faço questão que a versão digital saia primeiro. Nesta época digital é importante ter uma presença forte na internet, mas será quase um lançamento em simultâneo com uma diferença, talvez, de 15 dias. Vamos lançar em exclusividade na plataforma Dedoo, da qual sou embaixador, e que é a primeira plataforma digital de streaming pan-africana e onde se podem encontrar as músicas africanas que são feitas, produzidas e gravadas em todo o continente. África não tinha uma plataforma que conseguisse divulgar, a nível mundial, a música africana. Existe o Deezer, o Spotify e tudo isso, mas para fazer a recolha, exclusivamente, de música africana não tínhamos nada disso. Então, esta é a primeira vez que temos uma plataforma que faz exclusivamente isso e por 500$ ou 600$ tem-se acesso a um número ilimitado de músicas. Há cerca de 9 milhões de músicas que estão nessa plataforma. Depois vamos lançar o álbum, também, nas outras plataformas como o Deezer e o Spotify.
"Sou produtor independente não tenho uma grande casa por trás a suportar os custos. Queria ficar independente, porque a partir do momento em que tu tens uma pessoa por trás que te dá dinheiro tens que prestar contas"
Este novo álbum. O que tem de diferente em relação ao trabalho que está para trás?
Este é um álbum que eu consigo ouvir. (risos) E isso é muito importante. De cada vez que eu ouço o Saltana não consigo realmente ‘curtir’. Estou sempre a encontrar erros, a criticar, a analisar e não consigo ouvir o álbum tranquilamente. É o primeiro disco, a primeira vez que estava a gravar e, por isso, não sabia exactamente o que estava a fazer. Não sabia sequer que estava a ser produtor. Estava ali a mandar no estúdio, a dizer para fazerem isto e aquilo sem me aperceber que estava a ser eu o produtor do Saltana. Para mim, era apenas um músico que queria mostrar o seu trabalho. Agora já não. Este é um projecto muito mais reflectido, muito mais pensado, fiquei muito tempo a pensar no conceito em volta do Zona Zero que é um disco em que as letras são exclusivamente em crioulo da Guiné-Bissau porque eu queria comunicar com as pessoas da minha terra e também porque eu queria fazer uma coisa um pouco mais africana. A raiz são coisas que fui buscar à Guiné, a Moçambique, a Cabo Verde, Senegal e Mali e que me permitiram criar uma linguagem própria para conseguir comunicar.
É um disco em que estás a trabalhar há já algum tempo.
Sim. Há uns três ou quatro anos.
Perfeccionismo?
Sim. Perfeccionismo mas não só. Perfeccionismo, falta de coerência de vez em quando, falta de matéria, falta de dinheiro. Sou produtor independente não tenho uma grande casa por trás a suportar os custos. Queria ficar independente, porque a partir do momento em que tu tens uma pessoa por trás que te dá dinheiro tens que prestar contas ou fazer aquilo que ele quiser porque é um produto dele e ele quer vender. Mas se é o meu produto eu quero fazer aquilo que acho justo e se funcionar muito bem se não funcionar a culpa é minha.
Há também um DVD a caminho.
Sim, há um DVD a caminho. Esse trabalho vai ser como um documentário, porque há já muito tempo que estou a filmar com a Kriolscope. Eles estão a seguir o meu trabalho e eu gosto muito do trabalho deles também. Eles já fizeram algumas entrevistas e filmamos o meu percurso de gravação desde aqui na Praia até Portugal. Temos a gravação com a Karyna Gomes a fazer os coros do meu álbum e a participar numa musica, a mesma coisa com a Eneida Marta, o Mário Marta. Depois trabalhei com o Manecas Costa e outros músicos.
Dizias que queres falar com as pessoas da Guiné Bissau. O que lhes queres dizer?
O problema é que eu não vivo lá e por vezes ter essa ligação com a minha terra fica difícil e ter a mesma língua não significa ter a mesma linguagem. E às vezes quando queres comunicar as pessoas não sentem afinidade contigo porque se têm tiques de linguagem. Na música é a mesma coisa. Se não tocas da mesma forma com que todo aquele pessoal se identifica fica mais difícil e passas um bocado despercebido. Então, para mim, neste disco, a linguagem era o mais importante, porque no Saltana como escrevi em inglês, em francês e em crioulo não consegui ter aquela conexão com o meu povo, porque o meu pai lutou pela nossa terra, pela sua independência e pela sua cultura. Se calhar o meu trabalho não é a visão que ele tinha da música, mas é a minha visão, porque eu estou sempre a tentar ser uma outra faceta da música da Guiné Bissau.
É uma comparação que não gostas que se faça. Mas o teu registo é completamente diferente do do teu pai.
Feliz ou infelizmente. Se ele fosse vivo ele ia dizer-me se aquilo que eu estava a fazer era igual ao que ele fazia. Daquilo que eu conheço dele, sei que ele tinha ideias muito radicais, estava muito à frente e tinha uma personalidade muito forte. De certeza que ele me ia perguntar o que é que eu estava a fazer e dizer que se eu tenho alguma coisa para dizer muito bem se não tenho que fizesse outra coisa.