Djodje: “É sim possível viver da música”

PorChissana Magalhães,23 dez 2017 7:28

​Talento precoce da música cabo-verdiana, Fernando Jorge Marta é, aos 28 anos, um dos mais influentes produtores e performers da África lusófona. Os vídeos com mais de 10 milhões de visualizações no Youtube e os shows lotados em importantes salas de espectáculos internacionais assim o atestam.

Djodje ainda lembra com saudades o início da carreira aos 12 anos, com o grupo TC, mas sonha e trabalha com olhos postos no futuro a que associa a palavra internacionalização. É nisso que vai investir já em 2018, paralelamente à tour de divulgação do novo disco que espera lançar no primeiro semestre de 2018.

Estava previsto um novo CD para este ano. O que aconteceu?

Na verdade o novo CD devia ter saído há dois anos atrás mas, feliz ou infelizmente, tenho tido muito trabalho e então não tem sido possível terminar o CD. Mas conto que em 2018, antes do Verão, o CD sairá.

Estar a produzir outros artistas tem roubado tempo?

Não só a produção. Tenho feito muitos shows e não consigo parar muito em estúdio para produzir. Mas já tenho muitas músicas e estou na fase de gravar e seleccionar quais músicas vão para o álbum. Já está muito adiantado, graças a Deus.

Entretanto foram saindo vários singles...

O último CD [“Feedback”] foi em 2013 e desde então foram cinco singles e graças a deus têm tido boa aceitação e então não senti tanta necessidade de lançar o CD. Hoje o mercado mudou e um single funcionando consegue dar-te shows e trazer-te coisas que se calhar antes só com um CD.

O que mais nos podes contar sobre o novo disco? Vai ter músicas 100% inéditas ou trazer os singles que foram saindo?

Alguns dos singles mais actuais podem vir a estar no disco. “Poderosa” e “Não vai” já saíram há muito tempo então não faz sentido... Mas os mais recentes é provável. Ainda não sei quantas faixas vai ter mas a maior parte das músicas será inédita… Não deixa de ser um álbum pop, mas com muita fusão. Terá afrobeat, kizomba, pode ter uma ou outra música acústica … Sem perder a linha mais pop. E quando digo pop é porque é nessa onda mais electrónica, com que as massas se identificam mais.

E parcerias, duetos…?

Sim vai trazer alguns duetos e parcerias. Sou fã de parcerias não só a nível de duetos mas da produção. Não queria falar ainda muito sobre o conteúdo mas posso revelar que vou ter parcerias a nível da produção. Estou a trabalhar com produtores com quem nunca tinha trabalhado antes e tentar trazer coisas novas. Posso adiantar-te que vou contar com a dupla de DJ’s portugueses, malta jovem e que produz música electrónica, osKaretus. E há outras participações mas isto vou deixar para revelar mais adiante. Antes do disco conto lançar mais dois singles. Mas tudo isso são projectos, até lá as coisas podem mudar.

Com 20 anos criaste a tua produtora, Broda Music. Conta-nos um pouco de como surgiu esta faceta de produtor.

Sempre quis ter uma produtora e produzir outros artistas e quando fui para Portugal resolvi estudar Produção e Marketing para aprender a fundo como funciona. Nós trabalhávamos com outra produtora e estávamos a preparar o CD do Ricky Boy e de repente a produtora com que trabalhávamos fechou. Fomos apanhados de surpresa e então pensamos porque não criar a nossa própria produtora? E assim fiz, com meu irmão (Peps) e o meu primo (Ricky Boy). Felizmente, conseguimos produzir o álbum com o apoio da família e correu bem, o álbum teve boa aceitação. O que fazemos é, principalmente, produzir e editar discos mas também algum agenciamento de artistas e de resto fazemos parceria com outras empresas de música e eventos. Temos feito alguma produção de espectáculos, não tanto mas a ideia é no próximo anos fazermos mais isso.

Aos 12 anos tiveste o teu primeiro sucesso com o grupo TC e a música “Volta”. Como foi crescer sempre ligado à música? Nunca quiseste fazer mais nada?

Sim, desde criança convivi com música, minha família tem músicos e não tive como escapar. E como a família sempre me apoiou, apesar de em Cabo Verde sempre ter havido aquele discurso de que não é possível viver da música. Mas é sim. Não é fácil, mas também nenhuma profissão é fácil. Mas em casa sempre tive apoio, era fora que algumas pessoas me alertavam que não seria possível. Mas sim, anos atrás pensei em ser arquitecto, pensei ser advogado…Se não tivesse apostado na música estudaria Direito. Entretanto, quando vim para Portugal optei por estudar Audiovisual e Multimédia. Depois mudei para Produção e Marketing. Estudar é importante. Então mesmo que tenhamos optado por música, arte, é bom estudar isso também. Formar-se naquilo que se quer fazer e tentar saber o máximo possível sobre essa área.

Mas estando em Cabo Verde conseguirias viver só da música?

É mais difícil sim. Já foi muito mais. Hoje em dia, com internet, consegues promover a tua música e fazê-la chegar fora mas, claro, tens que ter qualidade. Mas podes começar e ir crescendo, começar pela tua comunidade... Por exemplo, olha o Hélio Batalha, que ainda por cima é do hip hop, mas está a conseguir sair para fora e fazer shows. E já se consegue fazer chegar a outras pessoas que não só as da comunidade cabo-verdiana no exterior. No meu caso, também começou com a comunidade e depois começaram a aparecer nos shows pessoas nativas do país, de outros países, e chegou a um ponto em que já aparecem mais não-cabo-verdianos do que cabo-verdianos nos shows.

A internet, o YouTube, também ajuda nisso de se viver da música…

É sim possível viver da música. Tem é que se trabalhar muito. O Youtube, sim é um meio de obter rendimento mas é preciso perceber como funciona. Não são as visualizações só por si que dão dinheiro, é a publicidade que consegues quando tens milhões de visualizações. E consegues rendimento também com o streaming, os espectáculos, direitos de autor (sou associado da SPA em Portugal e da SACEM nos EUA), direitos conexos…Ou seja, há diversas fontes de rendimento.

És bastante popular nos PALOP também. Tens actuado nesses países?

Tenho actuado em países dos PALOP e não só. Angola já estive algumas vezes. Moçambique ainda não. Já programamos algumas vezes mas, ainda não aconteceu. Sei que a minha música é muito conhecida lá mas ainda não conseguimos concretizar. Guiné-Bissau é mais “grave” porque tenho um laço forte com esse país, a minha mãe é guineense e eu vivi lá alguns anos… Tenho muita vontade de ir actuar lá, já houve convites mas ainda não foi possível. Também tenho actuado onde há grandes comunidades cabo-verdianas como EUA, Holanda, Bélgica, Suiça, França, Inglaterra, Espanha, etc. Mas não é só a comunidade cabo-verdiana. Há muitos portugueses, a comunidade lusófona em geral.

Por falar em internacionalização, a Atlantic Music Expo esteve em risco de ser extinta. Como vês este evento?

Graças a Deus que a AME foi “resgatada” porque é a melhor, ou uma das melhores coisas que aconteceram para a internacionalização da música e artistas cabo-verdianos. Muitos pensam que só porque AME acontece automaticamente há internacionalização. Não, o que a AME é uma oportunidade de sermos mais profissionais, prepararmo-nos enquanto artistas e tirar proveito, ter um press kit pronto para apresentarmos, etc. Eu tive oportunidade de estar na Womex que é a maior feira de world music que existe e um dos principais agentes da organização da Womex faz parte da AME e traz os principais agentes. Percebi que artistas como a Cesária Évora, a Élida Almeida, artista da Lusafrica que acabam por ter mais exposição lá fora tem por traz muito trabalho nessas feiras. Primeiro tem que ter um bom produto, claro, mas também tem que se ser profissional.

Vives em Lisboa mas vens muitas vezes a Cabo Verde. Como é viver constantemente em trânsito.

Para mim viajar, estar no avião, é um pouco cansativo. Fico sempre dois ou três dias stressado. Mas graças a deus que tenho podido fazer isso, só tenho que agradecer. Passo mais tempo em Portugal mas venho sempre a Cabo Verde para festivais, férias…

Tens milhares de seguidores nas redes sociais. Consegues lidar bem com essa exposição constante? Sentes alguma pressão?

Tento sempre fazer a vida privada ser a mais privada possível. Estar nas redes sociais faz parte, hoje em dia. O mercado mudou, as exigências do público são outras, então penso que se há alguém disposto a acompanhar-te, está sempre a apoiar-te, porque não mostrar um pouco mais do que só a música, só o anúncio de shows e discos? Porque não mostrar um pouco do dia-a-dia? Mas sempre dentro do limite, e cada artista sabe o seu limite e sabe que, a partir do momento que torna algo público… Então tento manter algo privado mas também dar um pouco mais de mim porque eles têm “direito” de receber algo mais. Não sinto pressão de publicar tudo e qualquer coisa e ficar à espera de “likes” mas, naturalmente, há coisas que gosto de partilhar.

Com um canal aberto para milhões de pessoas, usas isso para passar mensagens pedagógicas, alguma causa social? Sei que protagonizaste com a tua namorada uma campanha pelo planeamento familiar e prevenção da maternidade/paternidade precoce.

Faço a minha parte de responsabilidade social, doação de materiais escolares… Mas, isto sim, evito publicitar para não ser visto como promoção da minha imagem. Acho que é importante o “give back”. E também preocupo-me que as mensagens que a minha música passa. Eu e outros artistas com quem convivo falamos muitas vezes disto, de usar a nossa música para passar mensagens positivas e influenciar as pessoas no bom sentido.

Por falar nisso, faz agora precisamente um ano que uma música tua esteve envolvida numa polémica por causa da letra…

Sim, a música “É La Me Ki Nos é Bom”. Em relação a este tipo de polémicas, não tenho como não sentir mas não me foco nisso. Essa música, a maior parte das pessoas não foram “maldosas” e não levaram por esse lado. As pessoas vêm aquilo que querem. Quando escrevemos uma música não podemos só falar ficção, também falamos do que vemos e nem sempre podemos falar só do que algumas pessoas querem que falemos. Podemos falar de coisas que choquem algumas pessoas... Quando escrevi essa música em nenhum momento passou pela minha cabeça incitar as pessoas a usar álcool ou denegrir a imagem dos cabo-verdianos, que só querem festa…Não. Senti que as pessoas que criaram a polémica focaram-se só no refrão mas, a música também traz outras mensagens. O que eu queria era mostrar que apesar de sermos um povo pobre e sem recursos somos felizes, mesmo com os nossos problemas festejamos. A vida é curta para tristezas e para mim isso é algo de se louvar no crioulo. Eu sempre tive atenção às mensagens das minhas músicas e por isso não é essa polémica que me vai fazer mais ou menos atento às minhas letras.

O mercado musical é bastante competitivo e cada vez há mais artistas dentro desse estilo a que te dedicas. Como marcar a diferença?

Eu vejo com satisfação o crescimento do mercado lusófono. Lisboa é hoje um centro de música africana, dos PALOP, os produtores estão lá... Ser diferente é ser o mais genuíno possível. Fazer só para seguir uma moda… No meu ponto de vista, quando a moda passar a pessoa passa junto. O meu estilo tenho-o desde antes. Prefiro chamá-lo afropop e não kizomba, é mais abrangente. Quem faz quizomba não faz só quizomba, faz afropop, azonto…que é um estilo nigeriano que hoje está a influenciar muito a malta do kizomba.

Como imaginas a tua carreira daqui a 10, 20 anos?

Houve coisas que eu já quis e que hoje em dia tirei da cabeça. O que eu quero mesmo para o futuro - e já estou a trabalhar nisso - é internacionalizar a minha carreira. Tentar levar a minha música e Cabo Verde o mais longe possível, daqui a dez anos olhar para trás e ver que tive sucesso. Não estou a falar de fama e sim sucesso, sem bem-sucedido. E, quem sabe, ganhar um Grammy? [Risos].

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 838 de 20 de Dezembro de 2017. 

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Autoria:Chissana Magalhães,23 dez 2017 7:28

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  26 dez 2017 11:44

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