Depois da década mais negra da vida de Cesária, em 1988, Cesária Évora grava, já com o produtor José da Silva, o seu primeiro disco “La Diva aux Pieds Nus”.
Falando numa perspectiva de discografia, construção, produção e conceito, – confesso que não sou apreciador de toda a obra da Cesária. No que diz respeito a tudo que dela vem: do ser (pelo pouco que conheci) à voz, passando pela figura-de-palco, Cise pertencia à classe das Divas.
Mas, conforme dizia, nem todos os discos agradam-me. Contudo, (e isso é uma das características dos músicos especiais) há um trabalho da cantora que preenche todos os espaços que não foram preenchidos pela restante discografia. Falo do que para mim foi o melhor disco dela e um dos momentos mais altos da história da nossa discografia: “Miss Perfumada”.
Quase que uma colecção de singles, onde cada um dos temas seria com certeza um sucesso de mercado, no campo da paixão, o intercalar de mornas e coladeiras de uma extraordinária selecção de compositores, que abrange os clássicos e o mais contemporâneo, faz deste álbum uma calma e tranquila ode à musica Cabo-verdiana em particular e, da world-music, no geral.
À “muito Cabo-verdiana” abordagem do piano e das cordas, junta-se um refinado acústico, simples e descomprometido. O piano manda, os violões obedecem, e o cavaquinho tempera, com a sua ritmada rebeldia. Uma simplicidade que faz um todo musical de elevada categoria e que serve de base, onde se assenta magistralmente a voz única da Diva.
Rico e transcendental, o disco, e sobretudo a interpretação da Cise, faz com que nos deliciemos com a música daí vinda, induzindo a criação de imagens onde vemos as expressões da Cesária … de lamento nas mornas e o sorriso-vivido das coladeiras.
“Miss Perfumada” começa por oferecer dois dos hinos que celebrizaram Cesária mundialmente: a inesgotável “Sodade” e ainda o tema “Angola”, muito trabalhado nas misturas de Djs.
Grandiosa a selecção de dois clássicos do mestre B.Leza: “Miss Perfumada” e “Lua Nha Testemunha”. Embalam-nos e remetem-nos para estados de alma musicais pouco alcançáveis. Continuamos a percorrer o disco e descobrimos em expositores mais contemporâneos duas belíssimas composições: “Luz dum Strela” de Tiófilo Chantre e “Vida tem um só Vida” de Dany Mariano.
Continuando, bem escondidinho, encontramos ainda a encantadora coladeira “Barbinco”, passando antes pelo “Compade Ciznone”.
E podemos ainda hoje continuar a viagem, uma vez que “Miss Perfumada” faz parte de uma restrita colecção de álbuns, já algumas vezes aqui falado, que, quanto mais se ouve, mais se descobre.
Continuemos pois, as audições…
Cesária Évora faria neste dia 27 de Agosto, 77 anos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 874 de 29 de Agosto de 2018.