CNAD pode mudar a vida das pessoas, das comunidades e do país

PorAntónio Monteiro,9 set 2018 19:35

​Com a reestruturação, em Janeiro de 2018, o Centro Nacional de Artesanato (CNAD) passou a designar-se Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design, um instituto público com autonomia financeira de gestão e patrimonial. Agora, um dos objectivos é alavancar a vida do artesão, um facto que, espera-se, terá um efeito multiplicador, como assegura Irlando Ferreira nesta entrevista.

Com a reestruturação, em Janeiro de 2018, o Centro Nacional de Artesanato (CNAD) passa a designar-se Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design, mas mantém a mesma sigla. O que é que muda?

Explico. Quando entrei no CNAD, havia uma vontade de alavancar o projecto do Centro Nacional de Artesanato que vai beber na sua estrutura-base que é o CNA, o Centro Nacional de Artesanato, do tempo de Manuel Figueira, da Luísa Queirós e da Bela Duarte. O CNA tem uma importância imensa naquilo que é o desenvolvimento cultural, sobretudo no sector do artesanato aqui em Cabo Verde. Esse núcleo de artistas plásticos e professores criou, num primeiro momento, a Cooperativa Resistência [1976] que depois culminou na criação do Centro Nacional de Artesanato. Eles fizeram um trabalho que hoje nos dá a base no Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design [CNAD]. Com a minha entrada no Centro deparei-me com uma lista de fragilidades que sem ultrapassá-las muito dificilmente seria possível alavancar efectivamente o Centro Nacional de Artesanato e Design, enquanto pólo de desenvolvimento do sector do artesanato e consequentemente das economias criativas. Então eu fiz um projecto de 5 anos em que um dos passos fundamentais era recuperar um estatuto para o Centro que lhe desse dignidade e uma estrutura jurídica para alavancar este sector. Aí é que surge a proposta e que foi publicada em Maio de 2018 em que o Centro Nacional de Artesanato e Design passou a ser Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design, um instituto público com autonomia financeira de gestão e patrimonial. Ou seja, aqui marcamos um momento muito importante na história deste sector em Cabo Verde. Porque o CNAD passa de uma estrutura frágil a todos os níveis para um instituto para cuidar a nível nacional do sector do artesanato e do design. Aí marcamos claramente um ponto de viragem e esse ponto de viragem arrasta várias outras coisas. Quando entrei no Centro não havia orçamento, não havia equipa e todos esses projectos foram trabalhados durante esses três anos; hoje já temos um orçamento, temos o estatuto e já temos uma equipa. É claro que nós, enquanto técnicos, propomos projectos, mas se não tivermos o comprometimento do Estado através no ministério da Cultura e Indústrias Criativas esses projectos não andam. Aí o nosso ministério foi fundamental para que isso pudesse estar a acontecer hoje. Além dessa parte jurídica, também projectamos a requalificação da sede do Centro Nacional de Artesanato, Arte e Design cujas obras deverão iniciar no próximo mês de Outubro. Estamos a levar a cabo toda a regulamentação do sector do artesanato nacional que desembocará em três acções concretas: a certificação dos produtos de artesanato com uma carga simbólica, identitária e patrimonial e também o reconhecimento dos mestres-artesãos através do cartão de artesão e a carta. Esse processo já tinha sido iniciado, mas o que eu deparei é que faltava um estudo profundo que nos desse a base para definir do ponto de vista legal um artesão como mestre-artesão de grau x. Em que documentos isso está espelhado? Então essas foram as principais preocupações para que pudéssemos desenhar um projecto a longo prazo e que faltava neste sector. Com base na regulamentação do sector do artesanato vamos ter suporte para criarmos uma rede de lojas a nível nacional e aquilo que chamamos arquipélago experimental, que é uma rede de centros de formação e de investigação nas diferentes ilhas, lançando mão naquelas técnicas que estão a cair em desuso e recuperá-las, porque hoje vários país regressaram ao sector do artesanato enquanto base, porque com a industrialização de tudo, esse sector foi deixado de lado e agora diversos países voltaram a dar atenção a este sector e está espelhado naquilo que são as propostas para o desenvolvimento das economias criativas do país. É que o artesanato além de representar simbolicamente um país ou uma comunidade, também gera desenvolvimento. Porque quando conseguimos alavancar a vida de um artesão, este facto vai ter um efeito multiplicador. Em Cabo Verde isso não é assim tão difícil, porque somos cerca de 500 mil pessoas e o sector do artesanato tem um peso imenso. Se nós oferecermos essa formação continuada, se criarmos lojas de escoamento dos seus produtos e tivermos um instituto que cuide, de facto, desse sector e que esteja regulamentado, isso muda a vida das pessoas, muda as comunidades e muda o país. A meu ver, enquanto gestor cultural, nós devemos pensar sempre a médio e longo prazo. E quando falo de médio e longo prazo estou a pensar entre cinco e dez anos, porque senão as coisas não ganham força. Este projecto que lhe estou a apresentar foi desenhado há cinco anos. Estamos a três anos, e tudo aquilo que nós projectamos está-se concretizando hoje. Como disse, de outra forma estaríamos a despender muito esforço financeiro e humano, mas depois não teríamos alcançado resultados concretos. Este projecto já está a mudar e vai mudar completamente este sector.

E primeira edição da Feira Nacional de Artesanato e Design, a URDI, realizada pelo CNAD, em São Vicente, foi um grande sucesso. Para quando está agendada a segunda edição?

Decorre de 28 de Novembro a 3 de Dezembro. Na realidade é a terceira edição, porque a primeira, em 2016, foi para desenhar o plano de acção 2017-2020. Em 2016, sentamo-nos com a classe artesã e com a classe criativa para reflectirmos sobre um plano de acção que teria lugar entre 2017 e 2020. Esse plano de acção incluía a reestruturação da URDI que no ano passado foi reestruturado completamente e passou então a ser uma feira de dimensão internacional. Isso aconteceu no ano passado e este ano estamos a trabalhar no mesmo sentido. Neste momento a URDI já ganhou o espaço que nós queríamos que ele ganhasse e já temos uma equipa que está a trabalhar há três meses neste projecto.

Ao que parece as melhores feiras de artesanato em Cabo Verde foram feitas pela Associação Zé Moniz. O núcleo à volta de Manuel Figueira deu um salto significativo nesta matéria e depois não aconteceu grande coisa.

O seguinte. O núcleo formado por Manuel Figueira, Luísa Queirós, Bela Duarte e os mestres-artesãos Nhô Grilo e Nhô Damásio fizeram um trabalho estruturante em Cabo Verde. Se estamos a falar desses projectos, é graças a esse trabalho fundamental que foi feito. Eu, enquanto director do CNAD, inspiro-me muito no trabalho deles. Só que com a extinção do CNA ficou um vazio no sector do artesanato. E, a partir desse vazio, várias coisas ficaram por fazer. Só quando se voltou a pegar no sector do artesanato é que o discurso à volta do artesanato começou a ter lugar. Quando fui convidado a dirigir o Centro, analisei de forma exaustiva tudo aquilo que tinha sido o Centro Nacional de Artesanato e tudo aquilo que tinha sido projectado pelo governo anterior. Com essa base, enquanto gestor cultural, questionei-me como é que com esse potencial poderíamos sair daqui e daqui a cinco anos ter o projecto de transformação completa do sector. Primeiro, era importante ter o estatuto jurídico, porque quando entrei no Centro não havia estatuto; havia uma portaria. Então era necessário ter um estatuto. O estatuto já é uma realidade. Repensamos a feira e demo-la uma centralidade. Ou seja, hoje em dia, a feira acontece na Praça nova do Mindelo, frente à sede do CNAD. Ocupamos toda aquela zona com algo de dimensão nacional e internacional. Isso são ganhos concretos.

Estatutos e burocracias a parte…

Mas sem o estatuto não é possível, porque é para regulamentar o sector.

Depois de estar regulamentado o que é que pretende o CNAD alcançar concretamente no sector do artesanato?

O que o CNAD pretende alcançar com o artesanato é que este sector seja o motor: primeiro, de desenvolvimento dos artesãos a nível económico, social e cultural; segundo, que automaticamente seja um pólo de desenvolvimento das suas comunidades e que depois seja um motor de desenvolvimento de Cabo Verde a nível económico, social e cultural, porque o artesanato é das expressões do campo das artes visuais com uma carga simbólica imensa na realidade dos países e dos territórios. Uma peça de artesanato pode colocar um território, no nosso caso, ilhas no mapa internacional. Para isso é necessário termos uma visão a longo prazo. Como eu lhe disse, estamos a regulamentar hoje todo o sector do artesanato. Quando estiver concluído, teremos mapeado tudo aquilo que é artesão e todos os artefactos. Por exemplo, quando pegamos num pano de terra e certificamo-lo enquanto como produto de artesanato de Cabo Verde. Isso é um ganho imenso, porque a nível turístico, quem nos visita sabe que esse produto está certificado, aquele não é. Portanto, o turista tem clara visão daquilo que existe e qual é o peso simbólico e cultural daquele objecto. Pode comprar ou não, mas já não corre o risco de comprar um outro tipo de artesanato, pensando que é de Cabo Verde. Fica na responsabilidade de quem compra, ir por um lado ou por outro…

Facto é que o turista está às tintas para com a legislação e estatuto do artesão e compra as peças dos nossos irmãos da costa africana que vendem à porta dos hotéis.

O que acontece é que se um Centro Nacional de Artesanato, Arte e Design de um país não tiver ferramentas jurídica para poder fazer um protocolo com uma organização internacional que regula o mercado do artesanato não consegue ir buscar capital financeiro para investir no sector. Uma estrutura que se chama Centro Nacional de Artesanato, Arte e Design que existe legalmente tem um peso de negociação, de discussão e até de credibilidade. Portanto, é preciso estruturar o nosso sector. Nós temos artesãos a nível técnico extremamente capazes, mas se não tivermos uma postura de dizer onde é que queremos com o artesanato daqui a cinco anos e qual é o desenvolvimento que nós queremos de devemos provocar…

Qual é o desenvolvimento que nós queremos?

A minha visão é que nós tenhamos um sector do artesanato a funcionar a 360 graus, onde o artesão produz e sabe onde o seu produto pode ser exposto, onde é que há pontos de escoamento do artesanato através dessa rede de lojas, tanto a nível do Centro Nacional como a nível dos privados.

Que tipo de artesanato pretende o CNAD comercializar?

Nós queremos criar uma rede de lojas que tenham o mesmo layout e que sejam lojas do artesanato cabo-verdiano, sobretudo nos principais pontos turísticos do país. Como disse, temos um potencial imenso, só que não tem sido aproveitado porque o meio não estava organizado. E sem a organização do meio não conseguimos tirar o melhor benefício desse meio. Se não tivermos centros de formação e de passagem do saber, os mestres-artesãos chegam aos 80 anos e depois morrem, perdemos esse saber. Então temos que pensar de forma muito mais profunda. Temos de dizer como é que podemos catapultar o artesanato, a partir desse saber-fazer que temos, através de acções concretas. A organização do sector do artesanato que pressupõe a sua comunicação, divulgação e venda através das lojas e que por sua vez pressupõe a sua regulamentação e organização, porque se eu quiser saber quem são os artesões de Santo Antão, não tenho que estar a ligar para um e a ligar para o outro…

Mas isto já existia.

De facto, os números telefónicos já tinham sido feitos, mas não existe ainda uma plataforma que permite ter acesso a toda a lista dos artesãos de Santo Antão. Clico no artesão e fico a saber o que é que ele faz, em que zona ele está, qual é o tipo de material que ele usa, que peças ele produz, etc. É um trabalho que estamos a fazer e que é muito mais profundo. Uma coisa é eu fazer uma lista dos artesãos a nível nacional, que nós temos também, outra coisa é fazer esse mapeamento profundo de todas as ilhas de Cabo Verde e consolidá-lo numa plataforma única que tanto nos permite trabalhar como o outro. A pessoa que vende artesanato não tem que estar a catar os artesãos um a um: ele entra na plataforma e tem toda a listagem. Isto é um trabalho que o Centro Nacional de Artesanato, Arte e Design tem a responsabilidade de fazer e estamos a fazê-lo. Se quisermos dar um passo para elevar o desenvolvimento do artesanato a outro patamar temos que fazer essa base.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 875 de 5 de Setembro de 2018.

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Autoria:António Monteiro,9 set 2018 19:35

Editado porAntónio Monteiro  em  10 set 2018 8:21

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