Sempre achei que António Nunes descreve com enorme precisão, quase que cinematograficamente, os lugares e os momentos que retrata nos seus poemas.
Voltando ao livro, deparei-me com uma situação curiosa…desconheço se foi feito de forma propositada ou não, por parte do autor…mas é facto que no livro as páginas 10 e 11 trazem dois poemas que … musicalmente…se complementam: “Morna” e “Dança”.
Tão deleitado com a capacidade do poeta de descrever os músicos…os instrumentos, os corpos que juntos dançam e até o cheiro do lugar onde se toca a morna, nestas duas cenas, que não resisti em aqui publicar os dois poemas.
Sequência.
…e como a música e a dança podem ser tão bem descritas/ouvidas/dançadas…
Para ler e imaginar com violinos e violões, e com a dança dos corpos entrelaçados…
Morna
As mesmas casais… as mesmas ruas…
O mesmo largo…
Só os rostos dos homens é que não são os mesmos
e, ébrios, os braços pendem, os homens tombam…
Som de violino escapando-se da casa térrea
Cheiro a petróleo e a fumo
Quêréna treme os dedos sobre as cordas,
Olhos vidrados berram por mais grog!
Titina sente-se frágil sobre os braços de Armando.
A Morna traz ao corpo a lassidão e o sonho,
Como a lua pondo sombras em coisas impossíveis
Baile
Nézinho faz a postura,
o arco desliza nas cordas
e o homem do violão
marca o compasso.
Pares se enlaçam.
E a Morna cai
cálida e lenta
como a noite lá fora…
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 891 de 24 de Dezembro de 2018.