“Nha Claridade só gostava dos filhos-machos. Não queria saber das filhas-fêmeas” – Orlanda Amarílis
Orlanda Amarilis, única menina entre os rapazes da Academia Cultivar, iniciou a sua carreira literária começando por colaborar na Fôlha da Academia Certeza no seu primeiro número, saído em Março de 1944.
Orlanda Amarilis Lopes Rodrigues Fernandes Ferreira (Santa Catarina, 08.Outubro.1924 – Lisboa, 01.Fev.2014) pertence a uma família de grandes figuras literárias. Era filha de Alice Lopes [da Silva] Fernandes e de Armando Napoleão Fernandes, autor do primeiro dicionário de língua crioula-portuguesa, O Dialecto Crioulo – Léxico do Dialecto Crioulo do Arquipélago de Cabo Verde, e da Gramática do Crioulo de Cabo Verde (obra incompleta e ainda inédita). Amarilis era igualmente sobrinha de José Lopes da Silva e prima de António Aurélio Gonçalves e de Baltasar Lopes da Silva. Foi casada com o escritor Manuel Ferreira.
A jovem Orlanda Amarilis, única menina entre os rapazes da Academia Cultivar, iniciou a sua carreira literária na Fôlha da Academia Certeza (São Vicente, 1944-1945)1 publicando, logo no seu primeiro número, o texto “Acêrca da Mulher”. A mesma Fôlha que assinala em Março de 2019 os seus 75 anos de publicação, uma data propícia para recordar os jovens-promessa de então [Nuno de Miranda, José Spencer, Arnaldo França, Silvestre Faria, Guilherme Rocheteau, Filinto Menezes, Tomaz Martins, Orlanda Amarilis] e homenagear Nuno de Miranda (n. 23.Outubro.1924), o último escritor vivo dessa geração.
Histórias de mulheres-sós
Cais de Sodré té Salamansa (Coimbra, 1974), Ilhéu dos pássaros (Lisboa, 1983) e A casa dos mastros (Lisboa, 1989) são os livros de contos de Orlanda Amarílis. Cada um deles com sete contos cujas personagens principais são mulheres e constituem retratos da vida da mulher cabo-verdiana enquanto mulheres-sós, nas ilhas e na terra-longe.
Situando-se a contadora de histórias fora do seu espaço de origem, as histórias que conta são “histórias trazidas” de Cabo Verde, que fazem parte da sua identidade, registadas e partilhadas nesses livros.
A forma de oralidade no contar das histórias e a linguagem da narrativa, com imagens da realidade das ilhas e de uma língua de mistura do português e do crioulo, prende e encanta o público leitor.
Cais de Sodré té Salamansa (1974) – livro de estreia de Orlanda Amarílis cujo primeiro conto, “Cais de Sodré” [Lisboa], dá o mote às histórias que irão seguir e que são evocativas da terra de origem das personagens ou vividas ali no mundo estrangeiro da cidade grande. A fechar, o conto “Salamansa” [São Vicente] é o retorno nostálgico à terra natal, mas com vontade de tornar a partir.
Ilhéu dos pássaros (1983) – diferentemente dos outros livros em que um conto dá título ao conjunto, neste, o tópico “ilhéu dos pássaros” é indicado em cada uma das portadas funcionando como um fio que conduz e liga o rosário de histórias, entretecendo-as e fazendo-as um todo coeso.
A casa dos mastros (1989) – no conto que empresta o título ao livro, a história gira à volta dos habitantes da casa e das pessoas que por lá circulam. Violete, seu pai, a madrasta Dona Maninha, a empregada Isabel, o primo Alexandrino, Padre André e Augusto, noivo de Violete, são as personagens que compõem essa trama que transgride as relações quotidianas. “O mastro é um sinal, é um signo”.
Livros infanto-juvenil
Orlanda Amarílis é também autora de três livros infanto-juvenil: Folha a folha (Lisboa Editora, 1987), Facécias e Peripécias (Porto Editora, 1990) e A Tartaruguinha (Instituto Camões/Centro Cultural Português Praia-Mindelo, 1997).
Em homenagem à escritora [tia do actual Ministro da Cultura], foi instituído em 2016, pela Academia Cabo-verdiana de Letras e a Biblioteca Nacional/Ministério da Cultura,o Prémio Literário Infanto-Juvenil Orlanda Amarílis, no valor pecuniário de 200 mil escudos, cuja primeira edição foi ganha por Pedro dos Santos Silva, com “A História do Peixe Arporão”. O livro não chegou a ser editado e o Prémio não teve continuidade.
De recordar, contudo, que a Associação dos Escritores Cabo-verdianos tinha criado em 1997 um prémio literário, precisamente para a categoria de literatura infanto-juvenil – Prémio António Nunes – no valor de 250 mil escudos, cuja última edição foi a de 1999/2000, atribuída a Leopoldina Barreto, com o livro A ilha do Rei Tritão.
A obra de Orlanda Amarílis é objecto de várias teses de doutoramento, nomeadamente, “O realismo na obra de Orlanda Amarílis”, de Isabel Maria Rondoni Martins Abranches Baptista Ramos, Universidade de Évora (UE), 2002; “Caleidoscópio de cenas: Narrativa de autoria feminina e reflexão sobre o espaço sociocultural em Cabo Verde”, de Sonia Maria Santos, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2004; “Caminhos da ficção cabo-verdiana produzida por mulheres: Orlanda Amarilis, Ivone Aida e Fátima Bettencourt”, de Pedro Manoel Monteiro, Universidade de São Paulo (USP), 2014; e “Casa de silêncio, Mar de solidão: o espaço literário nos contos de Orlanda Amarílis e de Sophia de M. B. Andresen”, de Fabiana Miraz Freitas Grecco, Universidade Estadual Paulista (UNESP), 2014.
Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 902 de 13 de Março de 2019.