Vão estar no Brasil para participarem em diversas actividades literárias. Podiam avançar alguns detalhes?
Dina Salústio (DS) – Vou fazer a abertura da Bienal de São Luís do Maranhão, no dia 29. Estou a fazer o caminho inverso da Vera [Duarte]. Trata-se de um seminário sobre “Literatura e Línguas, em tempo de resistência”. Vou aproveitar para lançar lá a sexta edição do meu livro “Mornas eram as Noites”. Vou ter a oportunidade de me encontrar com um investigador brasileiro que estudou as minhas obras e que me projecta dentro do Brasil, mas também projecta-me para Cabo Verde. Eu penso que nós os cabo-verdianos precisamos do olhar de um estrangeiro, porque quando um leitor cabo-verdiano vê a opinião de um crítico estrangeiro, quase que ele se sente compelido para uma releitura da obra. Depois vou estar em Forteleza, em Redenção e vou estar também em Sergipe para participar na Conferência Internacional “Literatura Entre Irmãos” e estarei em várias universidades brasileiras para falar de alguns temas dos meus livros como a loucura, a solidão, o mar e assim por diante.
Vera Duarte (VD) – É também um pouco na linha do que disse a Dina [Salústio]. Nós vamos começar no dia 14 com uma conferência internacional na Academia Gloriense de Letras. Há uns tempos atrás tivemos a oportunidade de fazer o lançamento de um livro que se chama “Literatura entre Irmãos” que traz participação de autores cabo-verdianos e brasileiros. É uma obra interessante que pretende contribuir para esse processo de aproximar literariamente Cabo Verde e Brasil. Vamos então falar das convergências entre a literatura dos dois países. Depois temos o encontro “Literatura & Mulheres”, em Sergipe, onde estará presente a Conceição Evaristo, uma escritora negra brasileira que está num momento extraordinário da sua carreira. Vamos falar um pouco da escrita de autoria feminina que é um tema que está actualmente muito em voga, pois cada vez mais se fala do lugar de fala das mulheres e através da escrita a gente está a fazer isso. Depois temos a XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, que acontece de 16 a 25 de agosto de 2019, com a temática “As Cidades e os Livros”, onde a gente estará em Fortaleza fazendo palestras, encontros e conversas com estudantes universitários e não só. Estaremos também em Redenção para alguns encontros na UNILAB uma universidade que acolhe vários estudantes dos PALOP. Obviamente que vou ter também a oportunidade de divulgação e venda dos meus livros no Brasil.
Há cerca de dois anos que se vem falando da internacionalização da literatura e dos autores cabo-verdianos. O ministro da Cultura prometeu apoio à tradução dos nossos autores, mas o que se vê é que os grandes impulsos têm vindo ainda de fora. Qual a vossa opinião?
DS – Eu acho que já demos um grande passo em termos de mundialização da nossa literatura com os festivais que se fazem agora no país: Festival do Sal, Festival da Morabeza, Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, etc. Quer dizer, são festivais que vêm a Cabo Verde, mas ajudam os escritores cabo-verdianos a serem mais conhecidos. Depois eles também nos convidam. Por exemplo, eu já fui convidada para ir à China pelo Festival Literário Morabeza [Morabeza – Festa do Livro promovido pelo Ministério da Cultura]. As despesas, diga-se, foram pagas pelo ministério da Cultura. O que é difícil para nós é o acesso a outros espaços literários, porque através do português estamos quase que confinados ao Brasil, a Portugal e aos outros países onde se fala português. Então estamos no bom caminho. Depois a atribuição do Prémio Camões a dois autores cabo-verdianos dá-nos também uma certa visibilidade. É pouca coisa? Para nós é sempre pouco, mas vê-se que se está a fazer qualquer coisa. Eu gosto de ser positiva.
VD – Devo dizer que realmente estive sempre nessa luta pela internacionalização da literatura cabo-verdiana. Isso vem para o bem do país, amplia as fronteiras do país, amplia as possibilidades do país. Dá-nos também a possibilidade de sermos lidos por um número cada vez maior de pessoas. É algo que nos interpela e que a gente gosta. Devo dizer que tenho tido a sorte de me convidarem de fora. Nunca participei em eventos internacionais através do ministério da Cultura, mas tenho tido a sorte de me convidarem de fora. Já estive várias vezes no Brasil, vou a Portugal, vou à França, ou a outros países que nos convidam e levamos connosco a nossa escrita e a escrita de outros autores cabo-verdianos. Mesmo quando me convidam para ir falar dos meus livros, a gente vai falar é da literatura cabo-verdiana e de Cabo Verde. De facto, como diz a Dina [Salústio], com esses festivais literários, tem havido um esforço para maior conhecimento dos nossos autores. É que nós passamos de um período em que não tínhamos nada e nestes últimos três anos tivemos os festivais Literatura-Mundo, o Festival Morabeza e os Encontro(s) de Escritores de Língua Portuguesa. Isso é muito bom, mas há necessidade de haver mais políticas incentivadoras, porque parece que é o que fazem os outros países para se conseguir a tal internacionalização de que muito falamos. Por exemplo, eu no Brasil estou no currículo escolar do terceiro ciclo. O Manual de Língua e Cultura põe Vera Duarte como representante da literatura contemporânea cabo-verdiana. Acho que não tenho esse mesmo tratamento aqui. Eu estou muito de acordo com a Dina quando ela diz que os grandes impulsos vêm de fora. As pessoas lá fora convidam-nos, as pessoas querem ouvir-nos e fazem por isso. Por isso o impulso vem realmente de fora.
A internacionalização faz-se sobretudo com a tradução de autores. Apesar da promessa do ministério da Cultura em apoiar a tradução de autores cabo-verdianos, a tradução das vossas obras não foi feita com dinheiro do governo.
DS – Eu ganhei um prémio nas Canárias, fui traduzida para o espanhol, depois ganhei um prémio na Inglaterra e fui traduzida para o inglês; na França é um leitor anónimo que está a fazer a minha tradução; na Itália fui traduzida por uma estudiosa da minha obra. Quer dizer, são coisas pontuais e individuais. De facto, há um projecto do ministério da Cultura e o sr. ministro falou nisso. É que só com a tradução é que se faz o arranque para outros mercados. Não vale a pena dizer que somos lidos na Inglaterra, se a gente não tem livros traduzidos. É o que nos falta. Seria um apoio muito grande que houvesse essa política de tradução.
Certamente não estarão a exigir uma Atlantic Music Expo para a literatura?
VD – Não, a primeira coisa que eu gostaria de dizer é que quando nós reclamamos um espaço e um apoio para a literatura não estamos a exigir que se retire dos outros para nos dar. Eu acho que a literatura é algo que ajuda cada ser humano a abrir os seus horizontes, a ser mais culto, a ser mais livre… Quer dizer, eu acho que vale a pena investir na literatura. Quando a gente vê os montantes que são investidos na música e faz uma pequena comparação com a literatura… pelo amor de Deus. Não vale a pena dizer que não há nenhum termo de comparação entre as duas coisas.
DS – Se calhar precisamos de um Djô da Silva para investir em nós para a gente poder publicar por esse mundo fora. Eu penso que nesta linha de escritor até ao editor falta o promotor: aquele que leva o livro para as outras ilhas. O meu livro [Romance Veromar] que foi lançado na Praia no mês de Maio, não está em São Vicente. Pode ser que não se venda nenhum livro, ou que se venda só dois, mas não deixa de ser uma atenção para os leitores das outras ilhas. Ou seja, tinha que haver uma cadeia de distribuição. Mas não há, você vai ao Fogo, vai a Santo Antão e não encontra o livro…
VD –A distribuição é qualquer coisa que falta e que afecta a nós próprios de uma forma negativa. Nós lançamos aqui na Praia pura e simplesmente porque estamos aqui, mas ficamos logo com esse problema de consciência: estamos a lançar aqui na Praia, mas não lançamos no Sal, não lançamos em São Vicente, não lançamos em Santo Antão. Era necessário que houvesse algum mecanismo público que fizesse chegar os livros a todas as ilhas. Eu vejo que há países que traduzem os seus autores e colocam lá fora. Portanto, era necessário que se pudesse contar com esse incentivo que um livro publicado aqui na Praia pudesse chegar a todas as outras ilhas. Aqui tudo fica nas mãos do autor: o autor escreve, o autor vai buscar financiamento…
É claro que há actualmente em Cabo Verde duas editoras privadas, a Livraria Pedro Cardoso e a Rosa de Porcelana Editora que mudaram de certa forma o paradigma editorial em Cabo Verde.
VD – Estão a fazer um bom trabalho. Mudaram o panorama editorial no país.
DS – Lembro-me que quando começamos a escrever, havia uma única editora aqui que era o Instituto Cabo-verdiano do Livro. Agora já temos várias editoras, mas a edição em Cabo Verde continua a ser muito cara. Às vezes quando vejo o preço dos meus livros até sinto vergonha. Como as pessoas em Cabo Verde não ganham muito, se queremos que o livro seja um produto acessível há que se diminuir os custos.
Mas para os festivais de música não falta dinheiro.
DS – É isso. Nós não somos assim tão amigos da leitura como se dizia. De um modo geral as pessoas não têm o hábito de ler.
O que é ser escritor num país em que se lê pouco?
VD – Bom, a gente escreve primeiramente por um impulso interior. Tenho de dizer claramente que eu escrevo para ser lida, gosto de ser lida. Não escrevo para pôr na estante. Eu acho que mesmo que não tivesse um único leitor, continuaria a escrever, embora o meu motor seja o feedback das pessoas, ou quando a gente recebe um prémio. É sempre um estímulo, mas na verdade eu escrevo pelo gosto da escrita. Obviamente que eu gostaria de contar com três mil leitores, três milhões de leitores. Esse é que seria uma grande alegria.
Conforta de alguma forma pensar que se não forem lidas hoje sê-lo-ão pelas futuras gerações?
DS – Hoje, nós somos mais imediatistas. Nós estamos vivos e queremos ser lidos enquanto estamos vivos. Depois de morrer pode ser até que ninguém nos leia e o sonho fica por aí. Na verdade, a gente quando escreve quer que as pessoas nos leiam, porque nós também temos mensagens. Nós também queremos falar no nosso país, da nossa vida, das mudanças que se operam na sociedade e na natureza. Quando escrevemos falamos de tudo isso e queremos que essas mensagens passem, mas não passam porque os que deviam ser nossos leitores não nos leem. É como aquela coisa nas escolas: lês, mas nem sabes quem estás a ler.
VD – Mas a escrita tem os seus prazeres. Quando vamos a um encontro, a gente dialoga, volta e meia tu recebes no Facebook, no teu email, no WhatsApp mensagens incentivadoras. Devo dizer que isso conta muito, porque para nós quem nos lê e nos aprecia é a melhor coisa que nos pode acontecer. E um quinhão de felicidade do escritor está nesses feedbacks. Sem dúvida.
Outra forma de felicidade deve ser a adaptação de um dos vossos livros ao cinema.
DS – Eu quando escrevo estou a preparar um filme. Também quando falo estou a encenar-me porque sou muito teatral. Falo alto, grito, gesticulo. Quando escrevo eu quero que as pessoas vejam o que estou a escrever. Não estou a escrever o guião para um filme, mas estou a dar dicas de como seria o filme. Eu gostaria de ser filmada.
VD – Eu também. Na verdade, eu escrevo para comunicar. Como disse a Dina há pouco, escrevo para transmitir as minha ideias e no fundo a gente quer disseminar as coisas que consideramos positivas. E nada como a imagem. Quer dizer, um filme a dizer o nosso livro é qualquer coisa como quando a gente escreve poemas. Um poema declamado é bonito, mas um poema musicado tem essa possibilidade de chegar a muito mais gente. Eu também sou um bocadinho pictórica quando eu escrevo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 924 de 14 de Agosto de 2019.