Toni, como prefere ser chamado, é, talvez, aquele que, nos dias de hoje, consegue mais do que ninguém falar daquilo que foi o Cinema do Plateau. Trabalha no cine teatro desde 1978, quando a tecnologia utilizada era difícil de operar.
“Era uma alavanca que exigia muita atenção, porque bastava uma distracção e colocar a mão no sítio errado e serias encontrado carbonizado”, narra este ancião, complementando que era “uma grande responsabilidade” trabalhar dentro de uma máquina cujos cabos eram de amianto.
A projecção era apenas uma das funções de Toni, que também se dedicava a fazer montagem e desmontagem na fita de 75 milímetros, assim como montagem de tralhas.
“Eu trabalhava com acetona para colar as fitas, raspava um lado e colocava um por cima do outro e passava um pincel pequeno e colava”, explica o funcionário, afirmando que hoje tudo é diferente uma vez que a montagem é feita no computador.
A fase áurea do Cine-teatro
Segundo descreve Toni, todos os dias passavam filmes. O funcionário começou a trabalhar com duas sessões por dia, sendo que as estreias aconteciam sempre nas segundas sessões, às 21:30. A maioria das pessoas, de acordo com este entrevistado, iam, expectantes, para ver a estreia. Jovens, adultos e pessoas da terceira idade faziam parte do público assíduo do cine teatro. Entretanto, segundo a mesma fonte, havia também sessões para crianças às 15:30.
“Os assentos eram todos numerados”, recorda Toni, completando que, em tempos mais longínquos, chegou a haver lugares reservados apenas para os membros do Governo, embora, quando começou a trabalhar já não houvesse a separação de assentos com ferros.
“Tinha a primeira plateia, segunda plateia, terceira plateia e balcão. Havia uma divisão de classe e os assentos eram de acordo com as possibilidades das pessoas”, lembra.
A primeira plateia, conforme Toni, são os assentos que ficam mais longe da tela, enquanto a terceira perto da tela. As pessoas de “classe mais baixa” ocupavam a terceira plateia, cujos bilhetes eram mais baratos.
“Havia divisão na compra dos bilhetes, para a primeira plateia, os bilhetes custavam mais do que a segunda plateia e a segunda custava mais do que a terceira plateia. O mais caro de todos era o balcão, onde ficava a classe da elite”, recorda.
A venda ambulante
Linda, de poucas palavras, é, há muitos anos, vendedeira na Pracinha da Escola Grande. Em declarações ao Expresso das Ilhas também recorda os momentos de glória do Cine-teatro. Para esta vendedeira, se o cinema funcionasse regularmente seria bom para as vendas que também conheceram os momentos áureos.
“Quando cá cheguei, nos dias em que havia filmes, a venda era muito boa. Depois que deixou de passar filmes, as vendas ficaram escassas”, lamenta, explicando que vendia mancarra e pipocas para o público, além de rebuçados que ainda hoje vende.
Hoje, conforme conta Linda, para vender muito, é preciso que haja alguma actividade no edifício como os concursos de miss ou cerimónias de finalistas.
A opinião do público
Arnoldo, de 27 anos, conta que quando era mais novo assistiu alguns filmes da escola no Cine Teatro. Para este jovem, é uma pena que os filmes já não sejam regulares naquele espaço uma vez que nem todos conseguem ir ao cinema do Shopping.
“O outro cinema fica um pouco longe, porque agora se fores ver um filme à noite, que começa às 8 ou 9 horas, para quem vive em Achada Grande Trás ou em São Filipe, o Plateau fica mais perto e menos caro. Porque um táxi de Achada São Filipe para Praia Shopping, custa mais do que para o Plateau”, declara.
Manuel Rodrigues, 57 anos, recorda que sempre ia ao Plateau ver o cartaz de modo a saber se levava a namorada para o cinema. Entretanto, diz que actualmente prefere ficar em casa e assistir os filmes no seu confortável sofá, ou no computador.
“Hoje é possível ver os filmes pelo computador, então ao menos que seja algo diferente daquilo que posso encontrar na internet, prefiro ficar em casa”, diz.
O Cine-teatro nos dias de hoje
O vereador da Cultura da Câmara Municipal da Praia (CMP), António “Tober” Lopes da Silva, explica que, no momento, o cinema “não tem condições” de passar filmes todos dos dias porque a máquina de projecção não está a funcionar. Entretanto, informa que o edifício acolhe várias actividades da CMP, assim como cerimónias de finalistas, concursos de miss, reuniões de associações profissionais e comunitárias, exposições e ainda o Festival de Cinema da Praia.
Segundo Tober, há condições de passar filmes, porém, diz por outro lado que nos dias de hoje a procura de filmes no cinema não é tanta. O edil explica, exemplificando com o cinema do Shopping que está quase sempre às moscas.
“Hoje as pessoas têm o vídeo em casa, tudo que o cinema pode ter. Portanto, temos que arranjar um espaço mais dinâmico”, refere. O vereador diz ainda que hoje o mundo é diferente e que em Cabo Verde, em especial na Praia, o cinema “perdeu muito”. Ilustra ainda que na Europa, actualmente há poucos grandes cinemas e que muitos foram divididos em várias salas.
Esclarece ainda que o projecto de revitalização do cinema, avaliado em pouco mais de 100 mil contos, foi negado pelo antigo Governo e por isso não foi possível transformá-lo num grande Cine-teatro.
O futuro do Cine-teatro
O grande objectivo da CMP, conforme António Lopes da Silva, é incluir o cine-teatro no Centro Cultural da Cidade da Praia. Centro cultural este que, conforme faz saber, vai ser o maior do país. O edil informa igualmente que o conceito deste centro cultural é ter um espaço dentro do qual aconteçam várias actividades culturais na Pracinha da Escola Grande.
“É onde temos o Kriol Jazz Festival, parte da Noite Branca, do Grito Rock, a PORFESTA, a actividade que o Centro Cultural Português e a embaixada de Portugal realizam todos os anos, e temos outras actividades. Então queremos transformar aquele espaço todo num centro cultural nos 160 anos da Cidade da Praia”, elucida.
Este projecto inclui algumas infra-estruturas como a Escola Grande, a antiga Biblioteca Municipal, que segundo António Lopes da Silva, vai voltar a ser Biblioteca Municipal, e o edifício onde está instalado a Reitoria da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).
“Mas, não vai ser um centro cultural institucional, mas sim onde quem faz a cultura tem um espaço para desenvolver a sua actividade criativa, quer para ensaiar, quer para dar espectáculos, para ter reuniões, encontros, para vender os seus produtos, quer para realizar actividades”, diz, afirmando que vai ser um espaço aberto para quem faz cultura.
Tober avança ainda que é preciso criar condições para que os jovens criadores, nas diversas áreas culturais, possam ter espaço para trabalhar em boas condições quer para produzirem, para venderem ou fazerem tudo.
O Cine-teatro, nas palavras do edil, é um elemento importante dentro dessa dinâmica. António Lopes da Silva afirma ainda que hoje não faz sentido ter um espaço apenas para a projecção de filmes.
“Vamos transformá-lo naquilo que sempre foi, um cine teatro. Onde passa cinema, onde há teatro, onde pode haver dança, onde possa haver reuniões, um conjunto de actividades que permita criar uma nova dinâmica na cidade da Praia”, assegura. Uma dinâmica que, segundo explica, complementa, pode complementar outras instituições como o Palácio Ildo Lobo.
Para o vereador, é preciso dar jus ao facto da cidade da Praia pertencer às redes criativas da UNESCO na área da música, onde apenas há 3 cidades africanas e 19 no mundo inteiro.
“Evidentemente que, dentro da cultura, a música tem a sua parte importante, mas, não é só a música. É toda a área cultural que vai ganhar com o Centro Cultural da Cidade da Praia”, declara.