Naquele que é o seu sexto romance, Buarque "constrói uma engenhosa trama, cujas entrelinhas revelam as contradições do Brasil de agora", segundo a editora Companhia das Letras, que anunciou hoje o lançamento do livro no país sul-americano para o dia 14 de Novembro.
Manuel Duarte, protagonista do romance, tem pontos em comum com o seu próprio criador, revelou o também autor brasileiro Sérgio Rodrigues, no texto de apresentação daquele que é o primeiro romance de Buarque, depois de ganhar o Prémio Camões.
"Há pontos de contacto entre Chico Buarque e o protagonista de 'Essa Gente'. Além de ser escritor, Manuel Duarte tem esse sobrenome de perfil vocálico idêntico e gosta de bater perna atrás de inspiração nos arredores do Leblon, onde voltou a morar após o fim de seu último casamento", escreveu Rodrigues.
Contudo, e apesar das aparentes alusões autobiográficas, Rodrigues garante que a obra está repleta de "pistas falsas" até ao final.
"'Essa Gente' é, entre os romances de Chico, o mais áspero e possivelmente o mais enigmático. A história contada em forma de pequenos capítulos de diário, quase todos datados de um passado tão recente que se pode chamar de actualidade, é mais um dos seus quebra-cabeças narrativos com fumaças de literatura policial", frisou ainda Sérgio Rodrigues.
Numa breve descrição do protagonista do romance, ficamos a saber que Manuel Duarte, autor de diversos livros, entre eles um 'best-seller', encontra-se em decadência, tanto financeira quanto afectiva.
Tem um filho pré-adolescente com quem é incapaz de trocar uma única palavra, duas ex-mulheres, "além de um número não especificado" de prostitutas, estando sempre à procura de uma forma de ganhar dinheiro.
"Enquanto isso, à sua volta, o Rio de Janeiro sangra e estrebucha sob o flagelo de feridas sociais finalmente supuradas, exibidas por muitos com uma espécie doentia de orgulho", revelou Rodrigues.
Escritor, compositor e cantor, Francisco Buarque de Holanda, 74 anos, é o vencedor do Prémio Camões 2019, tendo o nome sido anunciado em maio, após reunião do júri, na Biblioteca Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro.
Chico Buarque fora já distinguido duas vezes com o prémio Jabuti, o mais importante prémio literário no Brasil, pelo romance "Leite Derramado", em 2010, obra com que também venceu o antigo Prémio Portugal Telecom de Literatura, e por "Budapeste", em 2006.
Nascido em 19 de Junho de 1944, no Rio de Janeiro, Chico Buarque estreou-se nas Letras com o romance "Estorvo", publicado em 1991, a que se seguiram obras como "Benjamim", "Budapeste", "Leite Derramado" e "O Irmão Alemão", publicado em 2014, sem esquecer "Tantas Palavras", que reúne todas as letras de Chico Buarque e uma "reportagem biográfica" sobre o autor.
A entrega do Prémio Camões ao artista brasileiro está, porém, envolta em polémica, após o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ter dado a entender, na quarta-feira, que não tem intenções de assinar o diploma da condecoração.
O compositor e escritor brasileiro, no entanto, não se mostrou afectado pelas declarações de Bolsonaro, afirmando que uma eventual não assinatura do seu diploma pelo mandatário era para si "um segundo Prémio Camões”.
Na quinta-feira, o escritor moçambicano Mia Couto, Prémio Camões 2013, “saudou” a resposta de Chico Buarque, considerando-a “genial”, afirmando de seguida a sua intenção de contactar “colegas que foram Prémio Camões” para fazerem uma “declaração conjunta contra a imbecilidade desse tipo de atitude” de Jair Bolsonaro.
“Eu venho do Brasil e venho muito preocupado com essa subida de tom do lado autoritário da censura, a maneira como os livros estão a ser retirados das escolas, uma coisa completamente anti-ética. Não é só o Bolsonaro, estava ali um Brasil fabricado pela igrejas evangélicas, de que não dávamos conta”, disse Mia Couto à Lusa.
Chico Buarque é um apoiante do Partido dos Trabalhadores (PT), defensor do ex-Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e crítico do governo de Jair Bolsonaro.
O valor total do prémio é de 100 mil euros, divididos entre Brasil e Portugal. A parte que cabia ao governo brasileiro foi paga em Junho, e a assinatura do diploma é apenas uma formalidade, mas o documento poderá chegar às mãos do músico sem a assinatura do presidente do Brasil.
“A cerimónia de entrega do Prémio Camões a Chico Buarque realizar-se-á em Portugal, conforme ditam as regras, na data que for conveniente a quem entrega e a quem recebe o Prémio. Está em curso o processo para marcação da data”, disse fonte do Ministério da Cultura.