Como um diamante raro
Criado no fogo das entranhas da Terra
A morna emerge polida pelo mar e pelo vento
Quinhentos anos de ADN sincopado
Emerge das ilhas um diamante de 105.7 quilates
Único
Único
Como um milagre que só os homens sabem fazer
Emerge um diamante lapidado
pelos grandes ourives
Sim esses compositores de alma infinita
Sim esses intérpretes de alma infinita
Mas antes da anunciação o arquipélago
estava adormecido
Milhões de anos de erosão silenciosa
Até que os intrépidos navegadores
Encontraram a rota do noroeste
Assim nasceu uma civilização atlântica
Com o estranho nome de Cabo Verde
Rota dos escravos africanos
Dos exilados europeus
Dos exploradores sem rumo
Temível cenário que se dilatou na quântica da Terra
E o diamante cresceu assim polido pelas viagens
Pelo violão de Andaluzia
Pelas modinhas
Pelo tango
Pelo lundum
Pelo fado
Pelo canto pentatónico de África
Pelas ladainhas e rezas
Pela alquimia poderosa quando
os povos se cruzam
Canto das ilhas que escaparam
à imersão da Atlântida
À perda do continente Mu
Que na Pangeia
estiveram no Polo Sul
Agora estão no Médio Atlântico
encostadas ao grande deserto
Ilhas que resistiram às secas e múltiplas fomes
Sobrevieram ao jugo colonial e a ditaduras arcaicas
Sobreviveram sobreviveram
sobrevivem sobrevivem
Tornaram-se mais um país ilhéu do Atlântico
A origem não interessa
Pois ela é o tempo translinear
A origem é o diamante de 105.7 quilates
Superior ao Koh-i-Noor
Que só tem 105.6 quilates
A realeza da morna está no coração
De um povo inteiro
Encantando outros povos
No enlace fascinante da música que une e expande
Morna
Morna
Lamenti
Lamenti
Melancolia
existencial
Generosidade existencial
Celebração da vida
Celebração do amor
Filigrana da saudade insular
Enlaçando o coração da humanidade
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 942 de 18 de Dezembro de 2019.