A cantora Celina Pereira faleceu, esta quinta-feira à tarde, em Portugal. Tinha 80 anos.
A notícia foi confirmada pela embaiixada de Cabo Verde em Portugal. "A Embaixada de Cabo Verde em Portugal tem o pesado dever de comunicar o falecimento da autora, intérprete e ativista cultural Celina Pereira, ocorrido na tarde de hoje, no concelho de Almada, pelas 16h00", relata a embaixada em nota publicada no facebook.
No mesmo texto a representação diplomática de Cabo Verde em Portugal lembra que"quis o destino que a morte da Celina Pereira ocorresse no mesmo dia e mês do passamento da sempiterna Cesária Évora!"
O Primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, e o ministro da Cultura, Abraão Vicente, já reagiram à morte de Celina Pereira.
"É com profunda tristeza que recebi a noticia do falecimento da grande Celina Pereira", escreve Ulissses Correia e Silva.
"Artista e activista da nossa cultura. Seu nome também fica marcado ao processo que consagrou a morna a património imaterial da humanidade algo que orgulha toda a nação crioula. Marcou gerações e o seu legado será preservado e lembrado. A toda a família enlutada as minhas mais sentidas condolências. A nossa cultura está mais pobre, Cabo Verde está de luto".
"Até sempre Celina Pereira", conclui o Primeiro-ministro.
Por seu lado, o Ministério da Cultura destaca que "Celina Pereira, contadora de estórias e investigadora da tradição oral de Cabo Verde deixa-nos um manancial de obras e discografia muito rica e o sonho concretizado da elevação da Morna Património Imaterial da Humanidade. Era, também, um elo de ligação cultural entre Cabo Verde a sua diáspora. A literatura cabo-verdiana ficou mais pobre, a nossa música ficou mais pobre, a nossa morna ficou mais pobre, a nossa tradição oral ficou mais pobre. À família enlutada, o Governo de Cabo Verde endereça as mais sentidas condolências".
Há muito que a cantora se encontrava com a saúde debilitada, tendo sido internada num dos hospitais de Lisboa, devido a uma descompensação respiratória.
Depois de adoecer, Celina Pereira permaneceu no lar de idosos da Santa Casa da Misericórdia, onde hoje faleceu. Nesta instituição, Celina Pereira trabalhou no arranque do ano lectivo 2017/2018, com o projecto na área da educação para a cidadania “Nós Somos de todo mundo”.
Mas, ainda em 2016, representou a lusofonia no Festival Music Now, que decorreu em Atenas.
Celina Pereira, natural da ilha da Boa Vista, herdou a veia artística da família. O seu avô paterno, pai de 17 filhos e padre católico, era filólogo, poeta, músico e pintor. Aos seis anos, seguiu com a sua família para a ilha de São Vicente e teve uma cultura vasta em relação às músicas de Cabo Verde, algo que fez questão de passar às novas gerações. Também era contadora de histórias.
Aos oito anos, começou a cantar como solista do orfeão, na igreja protestante. Seguiu-se o “Eden Parque”, no Mindelo, e os seus Serões para Trabalhadores, sempre às escondidas do pai.
A sua primeira actuação profissional foi em 1968, com 25 anos, a convite do Grupo Ritmos Cabo-Verdianos, e seguiram-se os convites do cantor Bana para actuações nos saraus que organizava.
Em Portugal, a sua primeira actuação na televisão foi no programa “Arroz Doce”, de Júlio Isidro, onde conheceu Eunice Muñoz e Marina Mota que actuavam como residentes. Isto, por ocasião da promoção do disco “Mar Azul – Cantá Mudjers”, resultante do 1º Festival de Vozes Femininas, organizado pela OMCV – Organização das Mulheres de Cabo Verde.
Figura culta da sociedade cabo-verdiana, Celina Pereira também se preocupava com a preservação da memória colectiva e da identidade do povo cabo-verdiano. O seu primeiro ‘single’ “Bobista, Nha Terra / Oh, Boy!”, foi editado em 1979, mas só em 1986 lançou o primeiro disco “Força di Cretcheu” (Força do Meu Amor), que inclui histórias e cantigas de roda, brincadeira, casamento e trabalho.
Assim, desde o seu primeiro LP “Força di Crêtcheu”, tentou recuperar a riqueza e a diversidade da cultura musical do povo cabo-verdiano.
Com pesquisas e recolhas efectuadas em Cabo Verde e na diáspora cabo-verdiana, Celina Pereira foi responsável por recuperar mazurcas, cantigas de casamento e mornas, cantigas de roda, lunduns, choros, lenga-lengas e toadas rurais e possibilitado a salvaguarda destes temas para a posterioridade.
Também actuou na comunicação social como jornalista de rádio e contadora de estórias, actividade que iniciou em liceus e escolas de Boston, Massachussets, USA, desde 1990.
Em 1990 lançou o LP “Estória, Estória… No Arquipélago das Maravilhas”, altura em que começou, paralelamente, a “actividade” de contadora de estórias sobre o imaginário cabo-verdiano.
Três anos depois, em 1993, surgiu o álbum “Nós Tradição” e, em 1998, deu corpo a “Harpejos e Gorjeios” e iniciou também uma série de duetos com artistas como o fadista Carlos Zel e o brasileiro Martinho da Vila.
“Estória, Estória? do Tambor a Blimundo”, lançado em 2004, e alvo de várias reedições desde então, é um áudio-livro que pretende recuperar o património expressivo das histórias e jogos de roda tradicionais africanos.
Devido ao seu trabalho na preservação, pesquisa e divulgação da cultura cabo-verdiana, em vida, a cantora foi alvo de várias homenagens. Celina foi distinguida no festival de música “Sol da Caparica”, pela Câmara Municipal de Almada, em Portugal, que lhe atribuiu a medalha de prata de Mérito Cultural pelo seu empenho na divulgação das artes e pela sua dedicação às causas sociais.
Em 2003, foi condecorada pelo então Presidente português Jorge Sampaio, com a medalha de mérito (grau de comendadora) pelo seu trabalho na área da educação e da cultura cabo-verdiana.
Em 2014, foi galardoada com o Prémio Carreira na 4.ª edição do Cabo Verde Music Awards (CVMA). Em 2019, recebeu uma homenagem de músicos e amigos através de uma serenata, no espaço B.Leza, em Lisboa, e no mesmo ano foi homenageada na segunda edição da gala “Noite de Autores” promovida pela Sociedade Cabo-verdiana de Música (SCM).
Em Março de 2019, também foi apresentado o livro infantil da escritora e cantora Celina Pereira “A Sereia Mánina e seus sapatos vermelhos”, o mais recente livro infantil da escritora e cantora Celina Pereira, em formato impresso na Biblioteca Nacional, na cidade da Praia.