Sim, esta semana vi três exemplos interessantes a acontecer. Três acontecimentos musicais que claramente beberam nas nossas raízes com olhos no futuro.
Quase que no mesmo dia saíram dois singles: “Sodade d’mascrinha” dos cada vez maiores Acácia Maior e “Fra Brok” que Khyra Tavares.
O primeiro foi buscar o espírito do Carnaval das ruas para o enaltecer: …”mascrinha cá d’morada…ke carnaval nasce na fralda / Btá binocle d’tribuna, porque carnaval e la na txon” . Contudo, não se esqueceram dos temperos que os “grupos de baile” nos deixaram, num todo emocionante que cruza mensagem com instrumentação, simples, porém eficaz, recheada de pureza e autenticidade – característica que vem marcando esta Acácia.
No segundo Khyra Tavares foi pescar o tema “Fra Broque” de Frank Cavaquim que apresentou em formato “Fra Brok”. Como tinha dito num artigo há um grupo de nomes que “são mestres e são nossos” – Frank e os Voz de Cabo Verde são com certeza portadores de lugar cativo neste palco. Assim, reconhecendo-o Khyra (em)bebeu-se no universo de Frank que por sua vez (em)bebeu-se numa realidade d’outrora e que tão visionariamente previu o hoje – a arte de “Fra Broque” ou “Fra Brok”, conforme quisermos.
Khyra cantou e representou o tema de forma superior, encarnando-o mas não imitando, o que na maioria das vezes é o erro de muitos.
Pois é, esses “muitos” não têm a versão-criatividade – e isso acredito que é fruto de observação-sensibilidade-pesquisa-audição e paixão pelo fazer a diferença coerente.
A instrumentação-roupagem ficou expressa de forma clara na sua qualidade quase que me atreveria a dizer, extrema. O ambiente do Yé Yé Yé de Frank foi passado para as sonoridades urbanas e actuais, interpretadas pelo que, na minha opinião, é provavelmente a melhor banda – no seu todo – do nosso panorama musical.
Se os 2 “singles” mexeram nestas duas últimas semanas pondo-as a dançar, teria de haver um descanso, algo que nos acolhesse e aconchegasse.
E houve. Em formato de concerto, o Centro Cultural Português na Praia foi promotor de um evento, de uma tocatina.
…”era un ves un tokatina”…chegou de mansinho aproveitando a abertura do palco do CCP. E como as tocatinas transformam os palcos em espaços, nasceu um jardim com uma tocatina, típica de algumas décadas atrás, e que tanto nos temas como no cenário, recuaram-se décadas, tentando resgatar o tradicional. Um grupo de músicos diferenciados: Totinho, Zé Rui, Fany, Palinh e Body, juntaram-se à anfitriã Teté Alhinho que convidou Nicola, Teresinha Araújo e Lena França (como soube bem ouvir esta surpresa) para uma tocatina à antiga – cheia de mornas, coladeiras, txoradinhas, estórias contadas e cantadas que contou com a produção da inSulada e que acabou por fazer duas salas cheias e uma transmissão em directo. Sonhou-se…
Assim, fica provado que o passado é valioso, o conceito é precioso, mas de trabalho minucioso.
Bem hajam, fazedores da tradição.