Terá vídeos, áudios de música e entrevistas, recortes de jornais e outros materiais impressos e uma parte com quizes para as pessoas testarem os seus conhecimentos sobre a música de Cabo Verde”, avança Gláucia Nogueira.
De facto, o Museu Virtual agora disponibilizado na internet, diz a autora, é apenas uma versão inicial daquilo que será no futuro. Não contando com financiamento público nem privado, Gláucia Nogueira pretende dentro de dias lançar uma campanha de crowdfunding [financiamento colectivo] com vista a conseguir mobilizar um montante que permita manter o museu virtual em funcionamento nos dois primeiros anos. “Vou levar muitos meses a colocar www.caboverdeamusica.online da maneira como imagino. Bom seria se pudesse ocupar-me só deste projecto, mas não posso, porque preciso trabalhar em outras coisas para viver”, observa a investigadora.
Você lançou recentemente o primeiro Museu Virtual da Música Cabo-verdiana. Que materiais estão disponíveis neste Museu?
Neste momento zero do museu virtual, estou introduzindo textos e fotos, que em grande parte resultam de Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens. E também links de vídeos e áudios onde os leitores podem encontrar aquilo que está a ser apresentado em texto. Por exemplo, quem consultar a página de determinado compositor, vai encontrar nessa mesma página vídeos com diferentes interpretações das suas músicas. Há também uma bibliografia e uma filmografia, sempre sendo atualizadas; textos sobre os géneros musicais estão a ser introduzidos pouco a pouco. Mas ainda falta muita coisa. Os instrumentos, por exemplo. Este é realmente um momento zero deste projecto, ainda não está tudo lá.
Afirmou que o Museu Virtual é um projecto que vai além do seu Dicionário de Personagens que já é em si uma obra monumental. Porquê?
Justamente pelo facto de ser um projecto multimedia. Vai além de texto e foto, que é o que um livro apresenta. E poderá atingir pessoas em todo o mundo, num mesmo instante, dado estar disponível na internet. Terá recortes de jornais e outros materiais impressos; trechos de entrevistas em áudio; uma parte com quizzes para as pessoas testarem os seus conhecimentos sobre a música de Cabo Verde; recursos interativos e até lúdicos. E outras ideias que tenho, que a seu tempo serão anunciadas. Não se trata de colocar o dicionário na internet, não é isso. No dicionário alguns aspectos são mais aprofundados, e um dia espero poder fazer uma nova edição, revista e aumentada. Cada um tem as suas características.
Sabemos que o Museu Virtual que já está disponibilizado na internet é apenas uma versão inicial do que este projecto será no futuro. O que virá depois?
De modo abrangente, gostaria que no futuro o URL www.caboverdeamusica.online venha a ser uma referência em termos de informação para todos os que se interessem pela música de Cabo Verde.
Para que público foi pensado o Museu Virtual?
Bem, na internet o público é sempre o mais amplo que se possa imaginar. Por outro lado, um museu é um espaço em que a linguagem deve ser acessível a todos os que o visitem. Assim, sem que seja uma coisa, com todo o rigor nas informações que veicula e com todo o respeito pelas fontes, o museu virtual pretende ser um local de pesquisa que atenderá aos interesses de diferentes públicos. Por exemplo, um aluno do liceu, um universitário, um investigador, um jornalista, um turista à procura de informações sobre Cabo Verde, um cabo-verdiano que queira saber mais sobre os seus artistas preferidos, os emigrantes saudosos da terra, os seus descendentes em busca de um vínculo identitário, etc. Acredito que o museu virtual terá um público bastante heterogéneo e a forma como é feito procura levar isso em conta.
Falou na prestação de serviço para investigadores e estudantes. Como se processará esta prestação de serviço?
Esta é uma possibilidade que coloco, pois com alguma frequência sou contactada por pessoas de diferentes partes do mundo, que não conheço e souberam do meu trabalho ao fazer as suas pesquisas, para ajudar a esclarecer coisas, dar ideias, etc. Tenho estado sempre disponível, mas penso que poderia fazer disto um serviço, que seria útil às pessoas e ajudaria a financiar o museu virtual. Uma espécie de agência de pesquisas, digamos assim, ou um centro de documentação, que poderia até ir além da parte musical, abrangendo outras áreas da cultura, história e não só. É uma ideia que poderia vingar, havendo procura. Porque ao longo destes anos, acabei por formar um imenso arquivo. Pesquisando não só para os meus próprios trabalhos sobre a música mas também para outras atividades.
Toda a imprensa tem referido que o Museu Virtual é resultado dos 20 anos de investigação para a escrita do Dicionário de Personagens. Conte-nos os pormenores.
Bem, o que veio a ser o dicionário começou com o meu trabalho como jornalista em Portugal em meados dos anos 1990, prosseguiu depois ao longo da década de 2000 já residindo em Cabo Verde e ficou concluído com o formato de dicionário por volta de 2013. Depois foi o tempo de tratar da edição. Portanto, foram cerca de 20 anos o tempo que levou a ser feito. Mas o museu surge já oito anos após o fim da redação do dicionário e cinco anos após a publicação. Nos últimos cinco anos houve também a elaboração da tese de doutoramento, que concluí recentemente. Então, a ideia de fazer um museu virtual é um resultado disso tudo. Houve um momento em que pensei: e depois da tese, o que vou fazer sobre a música de Cabo Verde? E então começou a germinar esta ideia, acredito que há uns três anos.
Como é que uma brasileira vai parar na investigação da música cabo-verdiana?
Acasos da vida, não sei. Eu trabalhava na agência Lusa em Lisboa, no início da década de 1990, e comecei a colaborar com o Novo Jornal Cabo Verde. Ocupava-me sobretudo da parte cultural. Depois decidi conhecer Cabo Verde, vivi alguns meses na Praia em 1994, nesse mesmo ano regressei ao Brasil e três anos depois já estava outra vez em Portugal, e aí já com um projecto de investigação sobre a música de Cabo Verde. Inicialmente não sabia o que seria, mas tinha a consciência de que havia muita coisa para descobrir nos arquivos, e muita coisa para produzir enquanto informação a partir desses materiais, de entrevistas, de vivências em espaços musicais cabo-verdianos. A música de Cabo Verde fez-me voltar à universidade, fui estudar antropologia, fiz mestrado, doutoramento, tudo com foco em diferentes temas dentro da música cabo-verdiana. Cabo Verde deu-me assuntos para toda a vida.
O Museu da Música Cabo-verdiana não tem financiamento público, nem privado. Como é que consegue sustentar este projecto?
Dentro de poucos dias vou iniciar uma campanha de crowdfunding [financiamento colectivo] e espero conseguir mobilizar um montante que permita manter o museu virtual em funcionamento nos dois primeiros anos. Desde Abril do ano passado estou a trabalhar nisto. Espero que com o tempo surjam patrocinadores, institucionais e também entre as empresas. Por outro lado, tenho alguns apoios não financeiros, como a cessão de imagens por parte de fotógrafos; de dados por parte de outros investigadores. A música de Djinho Barbosa que apresenta o site tem a sua utilização cedida como uma forma de apoio. E o Expresso das Ilhas, que está a ajudar a divulgar com um banner na sua homepage, que muito agradeço. São ajudas inestimáveis, importantíssimas sobretudo nesta fase inicial, que não é fácil. Mas enfim, depois de ter conseguido editar o dicionário – o que num primeiro momento chegou a me parecer algo intransponível – tenho fé que também desta vez a campanha de angariação de fundos será um êxito. Não posso desanimar, difícil não é impossível.
Tem referido que o Museu Virtual é uma obra em construção. Irá nos próximos tempos dedicar-se unicamente ao projecto, ou será mais um estímulo para escrever novos livros sobre a música cabo-verdiana?
Vou levar muitos meses a colocar www.caboverdeamusica.online da maneira como imagino. Bom seria se pudesse ocupar-me só deste projecto, mas não posso, porque preciso trabalhar em outras coisas para viver. Por outro lado, como concluí recentemente o doutoramento, tenho para publicar o livro que resulta da investigação que realizei neste âmbito, que é sobre as músicas e danças europeias do século XIX em Cabo Verde – como se instalaram no arquipélago e tornaram-se uma “tradison di terra”. Por outro lado, o século XIX é um período fascinante do ponto de vista histórico e cultural em Cabo Verde, ainda pouco explorado e conhecido, uma vez que não é abrangido pelos volumes já publicados da História Geral de Cabo Verde. Algo neste âmbito seria também um trabalho interessante. Mas tudo tem seu tempo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1004 de 24 de Fevereiro de 2021.