Dina Salústio nasceu Bernardina Oliveira em Santo Antão, no dia 27 de Março de 1941. Comemorou, assim, os seus 80 anos, coincidentemente, no Dia da Mulher Cabo-verdiana, efeméride que se assinala há quarenta anos e que encontra na Escritora e Poeta a sua mais legítima representante. Aliás, ninguém nasce no dia que viria a ser o da mulher Cabo-verdiana impunemente!
Paralelamente à sua atividade de escritora, Dina Salústio foi professora, assistente social e jornalista em Cabo Verde, assim como em Portugal e em Angola. Dirigiu também um programa de rádio dedicado a assuntos educativos e foi produtora de rádio. Trabalhou ainda para o Ministério das Relações Exteriores de Cabo Verde.
Dina Salústio foi uma das fundadoras da Associação dos Escritores Cabo-verdianos e da Academia Cabo-verdiana de Letras.
Foi galardoada com o 1.º prémio de literatura infanto-juvenil de Cabo Verde (1994). Prémio em literatura infanto-juvenil dos Países Africanos de Língua Portuguesa (2000) e Prémio Rosalia de Castro para a Literatura em Língua Portuguesa – PEN Galiza, Espanha (2016). Recentemente, ao projecto de tradução do seu romance A Louca de Serrano foi concedido o PEN Award da Inglaterra.
A essa grande mulher Cabo-verdiana, que fez da palavra ofício, a singela homenagem do Expresso das Ilhas. Vida longa!
Cantar… ou chorar apenas
Ao primeiro toque o nada acontece: rochas escarpadas, vales profundos, ventos enlouquecidos no princípio dos tempos, mar revolto, praias infindas. Há também o sol. Eterno e impiedoso que nos queima o ventre, a terra e os cascos: os nossos e os das cabras nossas de todos os dias.
A certeza do deserto nas areias que voam livres pelos caminhos abertos.
Uma mulher passa. Um homem para. Duas pessoas somente. Dez ilhas apenas carregando medos, dúvidas e sede.
Depois outro olhar e o impossível acontece:
Os muros de pedra, plantados por Deus, alongam o corpo, estendem os braços, agigantam-se até tocarem o céu e, a princípio tímidos e inábeis, depois ousados e sôfregos, acariciam os desejos sem dono, senhores das ilhas e das gentes que não lhes sabem o nome.
Ritmos de violência nas cores que dançam e desafiam o arco-íris e dão vida ao quotidiano de um ontem acinzentado. Sons desconhecidos na morna e no batuque que gritam chuva. Apaixonadamente gemem por chuva. Urgentemente choram por chuva e se entregam à terra e às gentes na ternura quente dos corpos molhados.
Esquece-se o deserto, a solidão e a sede e os homens e as mulheres milagrosamente reinventam ilhas para além do mundo com as pedras das rochas nuas, o sal da água azul, o sol do céu vermelho, o querer dos desejos queridos.
Quem falou em impotência?
Cabras, meninos, flores e ondas gritam pela vida que desesperadamente se multiplica no eco das montanhas rudes.
Uma mulher para. Um Homem olha. Duas pessoas somente. São dez ilhas. Dez ilhas apenas feitas de silêncio, saudades e sonhos.
Estranha-me que aragens e arrepios...
Estranha-me que aragens e arrepios
não corram pelo bosque em propostas inquietantes
de desassossego louco e ciclones rudes.
E que sombras nubladas não passeiem pelos olhos em jogo
e se desfaçam em raios brasa ao chegar ao fim
Espanta-me que as areias não tomem vida
e contem estórias agarradas ao corpo
de outras horas que por lá passaram.
E que gotas salgadas não se transformem num rio gritante
de caudal azul e inundem o solo de fantasias brancas
Admira-me que cicatrizes recusem novas dores
promessas de vida
para renascerem em chagas abertas fantasiadas de arlequim
num dia negro solene e sério.
E que as pernas não se tornem asas
para com a brisa voarem o espaço de um sorriso
Assombra-me que a ausência não provoque alucinações
e não traga visões de deserto solidão e frio.
Dói-me que a folha em branco
não exija nada
não grite palavras
não risque a pele
não acorde sentidos
não rasgue a paz.
Dina Salústio.
In Mirabilis de veias ao sol: antologia dos novíssimos poetas caboverdianos, 1991.
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OBRA DE DINA SALÚSTIO
Conto